Continuando nossa conversa sobre a urgência de mediadores, de mistagogas e mistagogos atuando dentro das comunidades, e também no cuidado pedagógico e espiritual com aquelas e aqueles que sentem a voz do Amor Divino ecoando em seu peito e estão em busca de formas de responder a esse amor radical e misericordioso.
Muitas vezes, quando falamos em espiritualidade, parece que estamos falando de algo abstrato, que pede uma reflexão tão profunda que parece alcançável apenas para alguns. Mas, se o Amor Divino está aqui dentro e conosco, agindo e atuando em toda parte, em toda a história, ele está próximo, íntimo, ecoando e clamando em cada ser, em cada chão. Pensemos um pouco sobre esse movimento do Amor Divino…
Para estarmos no íntimo de nós mesmos, o que precisamos? Pare um pouco essa leitura e fique consigo mesmo pensando… o que preciso para entrar no mais íntimo de mim?
Algumas pistas que podem ter chegado… silêncio, uma palavra amiga, um abraço, um olhar solidário, um repouso do corpo e da mente atribulados, sentir o gosto, o cheiro, o toque, escutar os sons e os silêncios, estar ‘de joelhos’, reverenciando a grandeza de uma experiência litúrgica, ler a Palavra sagrada e deixar que ela fale…
Cada uma dessas possibilidades – e ainda teríamos muitas mais…-, são caminhos mistagógicos. São ruas, estradas, que nos conduzem para o íntimo, para o nosso lugar mais profundo e lá encontramos o Amor Divino presença e presente.
Aqui temos um bom caminho de espiritualidade, de abertura ao Transcendente que não está fora, mas está integrado à imanência de forma absoluta. É um caminho bem concreto, que pede atenção, disciplina, prosseguir, aprender de novo, com humildade e sentimento pleno de ser amada/o e confiar na mão que te conduz.
Na mistagogia, as palavras que falam de processo são muito importantes – caminhos, estradas, pontes, ruas, movimento, transição, passagens -, porque elas nos colocam no dinamismo do acolhimento ao Mistério e, ao mesmo tempo, já nos faz responder afirmativamente e ir mergulhando a cada tempo no Mistério que tudo penetra e orienta ao Amor. E aqui, voltamos ao clamor pela emergência de mistagogas e mistagogos, daquelas pessoas que assumem o discipulado e se tornam mediadoras do Amor Divino.
Sim, estamos falando de você mesmo. Não estamos aqui trazendo grandes figuras místicas, pois cada uma delas viveu esse mesmo caminho: ouviu, buscou, perseverou, desanimou, se afastou, retomou, firmou os passos, se perdeu, aprofundou escolhas e, algumas vezes, também se sentiu distante. É nesse nosso jeito de ser humanos que Deus nos amou tanto que nos enviou seu Filho para viver de nosso jeitinho, e dizer que é por aí mesmo, e que não há outro caminho.
Falar de mistagogia é falar de cuidado pedagógico e espiritual, é falar de educação como vivência, como experiência, e também como caminho.
Então, começando com você mesmo, vejamos algumas orientações para você que sente arder no seu coração esse chamado. Lembremos de Jesus em sua profunda intimidade com o Pai, em diálogo atento consigo mesmo, com os fatos, com os discípulos, em oração constante.
1. Faça silêncio em seu coração – repouse, feche os olhos, desligue tudo que te distrai, reserve um tempo para esse mergulho no Amor Divino, o tempo que você tiver (5 min, 10 min). Escolha algo que te ajude a permanecer nessa conexão sagrada: pode ser um incenso, o ritual de acender uma vela, de beber devagar um copo d’água, de sentir o chão sobre seus pés descalços, de contemplar uma planta, um quadro. Repita diariamente, a disciplina é fundamental nesse mergulho.
2. Reveja o caminho do Amor Divino em sua vida – em um bloco de notas, um caderno, computador ou desenhando, vá registrando os passos de Deus na sua história, desde sua infância. Vai lembrar de pessoas que te marcaram (escreva o nome delas), de fatos, de sinais, de experiências que fizeram de você o que você é hoje, alegrias e tristezas. Essa será a sua experiência de sensibilidade e consciência da presença-presente de Deus contigo. Pode levar alguns dias, não tenha pressa.
3. Uma liturgia amorosa – contemple esses sinais da dinâmica da revelação em sua vida e apenas respire, agradeça, sinta o chão, tome um banho de Amor abundante e sinta a força de Deus contigo. Abra o texto sagrado e escolha uma narrativa, um salmo, uma carta apostólica, e faça com ela a experiência de mergulhar na história do povo que caminha conduzido e orientado por esse Amor. Veja se você pode dizer, como tantas e tantos: SIM, AQUI ESTOU!
Enquanto você está cuidando do próprio caminho mistagógico, você deve ter se dado conta de que nunca foi solitária/o: sempre houve uma pessoa, uma comunidade, uma palavra, uma mediação, uma ponte. Sempre houve uma relação de mestre-discípulo, a mistagogia se fez presente em seu caminho de muitas formas. É o mistério de Deus que se revela, se faz um conosco, entra na história e, a partir de dentro, de seu núcleo, a conduz a seu sentido pleno.
Pensando em um segundo momento da voz que está clamando em seu peito, como vai a sua comunidade? Pode ser sua comunidade religiosa, espiritual, familiar, de trabalho. Você pode ser mistagoga/o neste espaço. Há pessoas que desejam uma iniciação ao Mistério, que pediram e que a comunidade reconhece essa aproximação e necessidade de zelo pastoral? Então, vamos a mais algumas poucas orientações:
- A comunidade se reúne – a comunidade toda é mistagoga, ela é berço, colo, espaço afetivo e espiritual, lugar onde a graça de Deus perpassa suave e firme. Conversem sobre como estão, o que sentem, o que estão precisando e selecionem alguns caminhos mistagógicos internos. Por exemplo, leituras bíblicas partilhadas, vivências da liturgia seguidas de conversa a partir da vida, visitas às casas dos irmãos e irmãs, momentos de oração em comum, gestos missionários com os mais sofredores. Em cada um desses passos, a comunidade está fortalecendo sua experiência de abertura ao Amor de Deus, por isso, encontrem também um sinal, um símbolo, um mantra, uma Palavra, e vão marcando o caminho mistagógico.
- A relação mestre-discípulo – vejam se há pessoas em processos de iniciação à fé e façam pequenos pares. Duas a duas, construam uma relação de confiança mútua, rezem, dialoguem, convivam, cuidem uma da outra. Como mistagoga/o, fique sensível e acolhedora à pessoa que está orientando. Mais uma vez, olhe para Jesus e veja que cada diálogo, cada escolha simbólica, cada palavra, está em harmonia com a pessoa, com o grupo com o qual ele se encontra. Escute a vida, ensine formas diferentes de orar a Jesus, leiam juntas narrativas da vida de Jesus, rezem e cantem os Salmos, motive a escrita dos passos de Deus na vida pessoal. Vá assinalando, pouco a pouco, a presença de Deus na sua vida.
Nessa relação, vocês vão perceber que a relação mestre-discípula é dinâmica, muitas vezes é a/o discípula/o quem orienta a/o mestra/e, pois, como já dissemos anteriormente, na dinâmica do Amor Sagrado, somos todos iniciantes, caminhamos em comunidade.
Ficamos por aqui, continuamos na próxima coluna… nos digam se o caminho está bom, dialoguem conosco e assim vamos cuidando juntos desse processo.