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Cultivar e guardar – Servir e vigiar

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

Artio publicado pela Revista Encontros Teológicos, da FACASC.

A CF 2017 tem como tema Fraternidade: Biomas brasileiros e defesa da Vida. O lema escolhido para esta Campanha é tirado da Gn 2,15: Cultivar a guardar a Criação. O artigo que segue é uma reflexão sobre este lema, buscando dar uma fundamentação bíblica à proposta da Campanha.

Não é fácil encontrar na Bíblia uma visão própria do povo de Israel em relação à Natureza. Não existe um conceito teórico semelhante a este nosso. Quando se trata de fundamentar biblicamente uma proposta pastoral relacionada aos cuidados com a Natureza, o caminho mais comum é destacar, nos variados textos, a relação que Israel manteve com seu meio ambiente. Tal tarefa não á fácil, já que não havia, naquela época, uma preocupação ecológica tal como a que temos hoje. Um dos eixos para estabelecer esta relação seria apontar elementos em que haja um determinado impacto da cultura israelita sobre o meio ambiente da Palestina. Infelizmente, o texto bíblico nos dá pouca informações concretas. Por exemplo: no livro do profeta Amós sabemos que as casas mais ricas eram adornadas com enfeites feitos de marfim (cf. Am 3,15; 6,4). Ora, na Palestina a principal fonte de marfim eram os dentes dos hipopótamos. A figura do beemot no livro de Jó (cf. Jó 40,15-18) sugere que havia muitos destes animais nos rios e pântanos litorâneos em Canaã. Alguns historiadores constatam o desaparecimento dos hipopótamos a partir do século VIII aC., justamente quando enfeitar casas com frisos trabalhados de marfim virou moda entre os ricos em Israel (cf. 1Rs 22,39). Mas este é um caminho difícil justamente por termos poucos dados.

Um segundo eixo de pesquisa seria buscar a influência do meio ambiente na cultura e na religião israelita. Aqui teríamos uma série de textos onde podemos perceber o ciclo religioso israelita, com suas festas e seus cultos, totalmente dependentes do ciclo da Natureza, tendo em vista os trabalhos agrícolas. Basta lembra a festa semanal do sábado, a festa mensal da lua nova e as festas anuais da Páscoa, Colheitas e Tendas.

A constatação do segundo eixo nos permite então entender as atitudes israelitas para com a Natureza. Sempre enfocamos mais, em nossa leitura bíblica, o processo histórico. YHWH, o Deus Libertador, é o condutor do povo na sua caminhada histórica, a partir do Êxodo. Tal interpretação nos dá uma idéia de uma caminhada retilínea, uniforme, ascendente, perigosamente otimista no seu contínuo progresso em direção ao Reino definitivo. Ora, a Bíblia destaca o desastre político na época dos reis e o exílio justamente para mostrar que esta caminhada histórica está longe de ser retilínea e ascendente. A crise da monarquia e do exílio abriu espaço para uma segunda reflexão teológica, com uma importante contribuição para a revelação do rosto de Deus. Esta reflexão parte da contemplação da Natureza e de seus fenômenos. Contemplar a Natureza nos permite captar a lógica divina revelada na Criação. A crise política da monarquia e do exílio obrigou o povo a repensar tudo. Neste lento processo, recolhendo as contribuições dos profetas do século VIII a.C., houve a fusão entre o rosto do Deus Libertador (história humana) com o rosto do Deus Criador (ação divina). Será o anônimo exilado que resumirá todo este processo: “o teu esposo será teu criador, YHWH dos Exércitos é o seu nome. O Santo de Israel é o teu libertador e ele se chama deus de toda a terra.” (Is 54,5). Este é o caminho que vamos seguir para entender o lema da CF-2017.

 

A crise que levou o povo a repensar tudo

Uma crise nunca aparece de repente. Ela vai nascendo aos poucos. Apenas as mentes mais atiladas percebem o que realmente está acontecendo num determinado momento e quais as suas consequências para o futuro da comunidade de fé. Assim aconteceu com o povo de Deus. Desatento, o povo permitiu que uma falsa imagem de Deus fosse corroendo a viga mestra que sustentava a fé do povo. YHWH, o Deus Libertador, o Deus companheiro do Êxodo, foi sendo gradativamente reduzido a uma falsa imagem de um Deus manipulado pelos poderes do rei, legitimando um “retorno ao Egito” (1Rs 10,14-29; Dt 17,16), trazendo de volta os tributos, a corvéia e a corrupção social graças à manipulação da religião. O alerta veio dos profetas e profetisas que denunciavam esta baalização de YHWH. Mas não lhes deram atenção. Cegos pela idolatria e desatentos ao que se passava e ao que estava acontecendo, o povo foi aceitando a situação que acabou por levar ao desastre.

Apenas quando irrompeu a crise causada pelo imperialismo assírio (entre 750 e 700 a.C.) é que as grandes lideranças proféticas começam a ser ouvidas. O primeiro sinal de alerta foi dado pelo profeta Oséias. Denunciando um sistema corrupto com a palavra prostituição, o profeta aponta as causas e suas consequências: uma sociedade prostituída coloca em colapso a ordem da criação de Deus. Ele denuncia:

Ouçam as palavras de YHWH, filhos de Israel. YHWH abre um processo contra os moradores do país, pois não há mais fidelidade, nem amor, nem conhecimento de Deus no país. O que existe é juramento falso e mentira; assassinato e roubo; adultério e violência. E sangue derramado se ajunta a sangue derramado. Por isso a terra geme e seus moradores desfalecem. As feras da terra, as aves do céu e até os peixes do mar estão desaparecendo.

Embora ninguém acuse e ninguém conteste, eu levanto uma acusação contra ti, sacerdote. Tu tropeças de dia, o profeta tropeça de noite. Fizeste perecer tua própria mãe. O meu povo está morrendo por falta de conhecimento (cf. Os 4,1-5).

Com estas duras palavras denunciando a corrupção das elites e a consequente violência social, o profeta Oséias faz a ligação entre o comportamento humano e a integridade da Criação de Deus. Foi um primeiro sinal de alerta! Oséias diz que “a mãe” está perecendo. Quem seria esta “mãe”? Tanto pode ser de fato a mãe de uma casa, de uma família. Compete à mãe a educação dos filhos. É como se o profeta dissesse: “eu duvido, sacerdote, que foi este comportamento que tua mãe te ensinou!”. Mas esta “mãe” também pode ser a Terra. O comportamento violento e predatório dos israelitas está matando a Mãe-Terra: a terra-Mãe está gemendo! A ação humana está levando à criação de Deus de volta ao abismo primitivo. O cosmo está retornando ao caos, a uma situação anterior à ação divina! A violência humana está destruindo a Criação de Deus.

No século seguinte, já na crise provocada pela invasão do império babilônico (entre 620 e 586 a.C.), o profeta Jeremias retoma e aprofunda a profecia de Oséias. Ele dá um passo importante. Jeremias define a desintegração da natureza como um afronta humana à ação criadora de Deus. Ele disse:

Olhei para a terra: estava sem forma e vazia!

Olhei para o céu: a sua luz não existia!

Olhei as montanhas: elas tremiam e todas as colinas se abalavam.

Olhei e não havia ninguém!

Todas as aves do céu haviam fugido! Olhei e vi que o Carmelo era um deserto.

(Jr 4,23-26).

Jeremias diz que a “terra estava sem forma e vazia”. Mais tarde, a redação sacerdotal da Criação (Gn 1,1 a 2,4a) repetirá esta mesma frase ao dizer que antes da ação criadora de Deus, a terra estava “informe e vazia”. Como Oséias, mais de cem anos antes, Jeremias também denuncia a degradação da Natureza como conseqüência das injustiças sociais e da corrupção dos responsáveis pela direção do povo. A pregação profética fazia seu alerta dentro das condições possíveis. Mas quem iria admitir que seus atos governamentais e suas pregações religiosas estavam contrariando a vontade de Deus expressa na ordem e na lógica da Criação? Afinal, já naquela época, progresso econômico e riqueza acumulada eram sinais visíveis da bênção de Deus.

Apesar de contundentes, as palavras proféticas de Oséias e de Jeremias, além de outros profetas e profetisas, não foram ouvidas e caíram no vazio. Afinal, o que não faltavam nestas épocas turbulentas eram profetas e sacerdotes dizendo exatamente o contrário (cf. Jr 28,1-11; Ez 34,1-10). A lenta desagregação social, fundamentada numa falsa imagem de Deus, foi avançando, de crise em crise. De repente, veio a tempestade da invasão babilônica. Todas as seguranças do povo vieram abaixo. Tudo foi destruído: a cidade, o templo, os palácios e casas. O rei, os sacerdotes e os nobres tomaram o caminho do exílio. Como lembrava Amós: vocês serão os primeiros da fila! (cf. Am 6,7).

Em momento de crise sempre é fácil culpar o próprio Deus (cf. Lm 3,1-18). Na realidade, a culpa era deles mesmo! Desatentos aos efeitos da ganância e da violência, sacerdotes e profetas deixaram as coisas correrem soltas, na esperança de que no fim, tudo acaba dando certo! Para que tanta preocupação? A dura realidade do exílio fez cair a falsa imagem de Deus e eles começaram a entender o sentido verdadeiro do desastre que se abateu sobre eles (cf. Is 44,20).

 

Superar o desastre – A crise leva a uma nova leitura da Natureza.

Neste período de incertezas causadas pela crise do exílio, as palavras de Jeremias ajudaram o povo a perceber a presença de Deus de outra maneira. Com uma atuação bastante longa na história do povo, Jeremias sofreu os mesmos contratempos de seus contemporâneos, passando pelo terrível sofrimento da destruição dos sinais e das referências teológicas de Israel. Mas ele não perdeu a esperança de um recomeço, buscando apontar um novo rumo, assumindo e relendo os erros passados.

Foi Jeremias quem direcionou os olhos do povo para a contemplação da Natureza. Ele ensinou a ler os fatos da Natureza como sinal e palavra do próprio Deus. Afinal, tudo o que foi criado, foi criado a partir da Palavra criadora de YHWH. Foi como se o profeta dissesse: a maior certeza que eu tenho em Deus e que me sustenta na fé é a certeza que o sol vai nascer amanhã! Ou seja, é na dinâmica da Natureza e na lógica da Criação que Jeremias redescobre a manifestação do poder de Deus. Ele diz:

Assim diz YHWH, aquele que estabeleceu o sol para iluminar o dia e ordena à lua e às estrelas para iluminarem a noite, aquele cujo nome é YHWH dos exércitos: quando estas leis falharem diante de mim – oráculo de YHWH – então o povo de Israel também deixará de ser uma nação diante de mim, para sempre (Jr 31,35-36; cf. Jr 33,19-21)

Ou seja, Jeremias olha para o poder de Deus na Criação e passa a relativizar todo e qualquer poder humano. É como se dissesse: Nabucodonosor pode ser muito poderoso, mas não pode impedir o sol de nascer amanhã! YHWH é muito maior! Seu poder se manifesta no movimento e no ritmo da Natureza. O sol tem seu ritmo e ninguém pode impedir que ele surja, ilumine, aqueça, seque e se ponha. Assim também existe o ritmo da lua e suas fases, das estações em suas variedades, das chuvas e das secas. As plantas, e também os biomas, têm sua lógica e seu ritmo. Tudo o que existe revela o poder criador de Deus e são prova de que Deus não rejeitou sua obra. E, dentre estas inúmeras obras, está o seu povo de Israel. Ainda que no momento Israel esteja passando pela privação da liberdade e sofrendo no exílio, o povo não pode desistir. A resistência passa pela descoberta de novos caminhos.

Mais tarde, estas reflexões de Jeremias serão assumidas pelos escribas sacerdotais no exílio da Babilônia. Elas serão retomadas na narrativa da Criação, uma releitura da Natureza como obra da ação divina. A crise do exílio gera uma releitura sistematizada num livro novo. Este livro é conhecido hoje como o Livro das Origens (Gn 1 a 11).

 

Situando o lema em seu contexto original

O Livro das Origens reúne várias narrativas soltas e de épocas distintas. Seu objetivo é dar um diagnóstico do péssimo estado de saúde da humanidade, descrevendo a degradação progressiva dos relacionamentos que sustentam a vida. Seu fio condutor é o imperialismo babilônico, fonte de todas as desgraças. Por isso mesmo, seu último relato é a torre de Babel (Gn 11,1-9), causa da confusão mundial naquela época.

O lema da CF-2017 está dentro do que os analistas chamam de Segundo Relato da Criação (Gn 2,4b a 3,24). Tal nome para esta unidade não é bom. Não se trata de um segundo relato criacional, mas de outra visão das origens. Não apenas as origens da Natureza e da Humanidade, mas também a origem do mal. Na verdade, o relato busca em antigas parábolas buscar resposta para a crise do exílio. Numa linguagem simples e popular se escondem temas de profunda reflexão. É difícil saber exatamente em que época e lugar surgiram estas parábolas. Elas são bem variadas e muitas vezes entram em contradição umas com as outras. Em todo caso, são textos mais antigos que o relato sucinto e sistemático da Criação em Gn 1,1-2,4a. Nestes relatos predomina o ambiente familiar e rural das casas no interior da Palestina. O que mais aparece são terra e trabalho duro, seca e chuvas, verduras e animais, vida familiar marcada pelos conflitos, dor de parto, nudez e vergonha, brigas entre irmãos. Ou seja, tudo que define e dificulta a convivência humana, destacados a partir da observação diária da vida das pessoas. Estas parábolas se estendem deste Gn 2 até Gn 11. A redação final de todo este material, feita no exílio da Babilônia, é a porta de entrada de toda a Bíblia.

Visto que aqui nos interessa apenas o lema da CF-2017, vamos analisar Gn 2,8-17. Podemos assumir uma pequena divisão literária no texto: 2,8-14 descreve a ação divina na construção do Jardim; 2,15-17 descreve a missão humana neste mesmo Jardim.

2,8-14 – Deus toma a iniciativa de fazer um jardim em Éden. Éden é um lugar mítico no imaginário do povo. É um lugar ideal, no Oriente, assim como a Terra sem Males dos mitos tupi aqui no Brasil. Em Éden existe um jardim bem irrigado, com muito verde, árvores frutíferas de todas as espécies. Uma imagem deliciosa para um povo que vivia numa terra cercada de desertos. No meio deste jardim tem duas árvores: a árvores da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal. A árvore da vida simboliza a Sabedoria de Deus (cf. Pr 3,18; 11,30; 13,12; 15,3). A expressão mais perfeita desta Sabedoria é a Lei de Deus, fonte do verdadeiro conhecimento cuja dinâmica mantém toda a Criação em seu ritmo e em suas passagens. A imagem no Salmo 1,3, do observante desta Lei, como uma árvore plantada à beira de um regato, se inspira aqui. A outra árvore simboliza a sabedoria que vem dos conhecimentos humanos, ambíguos desde sua origem, onde instrumentos e artefatos tanto podem servir para o bem quanto para o mal. Chegar a esta árvore indica a pretensão de os seres humanos quererem usar de seus conhecimentos para substituir a Sabedoria divina. Não é de hoje que os seres humanos querem ser deuses. Para nós, hoje, fica o alerta diante das ameaças de transformarmos os biomas-jardins em desertos pela degradação do meio ambiente graças às nossas ambíguas ações frente à Criação.

O jardim é um bonito oásis onde tem muita água. Um rio sai de Éden irrigando o jardim e se dividindo em quatro braços. Os quatro rios que saem do Éden irrigam a terra inteira. Eles simbolizam a totalidade do universo conhecido pelo povo da Bíblia. Todas as regiões conhecidas por eles estavam entre os rios Nilo, Eufrates, Tigre e Indo. Eram os quatro maiores rios do mundo conhecido. A imagem quer deixar o grande recado para o povo: no jardim de Deus nunca falta água e nunca haverá seca. Para nós, aqui no Brasil com a abundância de rios e águas, principalmente no bioma Amazônia, fica difícil sentir o impacto da imagem. Mas para o povo de Israel, na secura da Palestina, esta era sem dúvida uma Boa Notícia: não precisar mais viver na dependência incerta das chuvas. Quem vive no bioma Caatinga sabe bem de tudo isso!

Gn 2,15-17 – Surge então o ser humano. Ele foi criado antes do jardim. Portanto, ele estava fora! Deus então o coloca dentro do jardim, com a missão de cultivá-lo e guardá-lo. A primeira profissão do ser humano é ser jardineiro! Ora, cultivar e guardar um jardim onde há tanto verde e tanta água é uma missão leve e agradável. Afinal, tudo cresce por si mesmo. Basta apenas esperar a hora de colher. No mito original da etnia desana, no Alto Rio Negro, no Éden daquela cultura as mandiocas eram colhidas já descascadas. Sem dúvida, um verdadeiro Paraíso!Este era o grande sonho do povo agricultor na Palestina, onde se trabalhava duro para arrancar da terra a sobrevivência.

Mas as raízes dos dois verbos em hebraico ampliam mais a missão do ser humano em relação ao Jardim. A raiz verbal de “cultivar” é cbd, a mesma raiz para “trabalhar, servir”. O ser humano foi colocado no jardim para ser servidor através de seu trabalho. Ele manifesta sua servidão através de sua colaboração com a ação divina. Somos todos servos da lógica divina presente na Criação. E a raiz para “guardar” (shmr) é a mesma para “vigiar”. Somos os vigias da criação de Deus. Temos o dever de alertar a respeito dos riscos que a Criação está correndo. Nisso se manifesta nossa vocação profética, pois foi exatamente esta a função dos profetas dos tempos passados. E esta está sendo a missão profética da Igreja e do papa Francisco nos tempos de hoje, através de iniciativas como a Laudato Sì e o dia de orações pelos cuidados com a Criação.

A parábola em Gn 2 deixa bem claro que o jardim é de Deus. O ser humano foi colocado lá para cumprir a sua missão de cultivar e guardar, servir e vigiar. O ser humano não é o dono do jardim. Ele deve tomar conta e também prestar conta de seus trabalhos. O jardim, guardado e cultivado pelo ser humano é a junção entre a ação criadora de Deus e o trabalho humano. É o que lembramos até hoje, na apresentação das ofertas de uma celebração eucarística. Ofertamos pão e vinho, “frutos da terra (ação divina) e do nosso trabalho (ação humana)”. O ser humano é colaborador de Deus na obra da Criação. Ele é o responsável pelo cuidado, pela manutenção e pela preservação do jardim que lhe foi confiado pela gratuidade de Deus.

Concluindo

Apesar da grandeza imensa da Criação, que nos envolve por todos os lados, muitos de nós, sem consciência do que somos e de onde viemos, tratamos muito mal a Terra que nos acolhe e nutre. Com nossas atitudes e ações baseadas na ganância e no lucro colocamos em perigo a Vida. Não cuidamos da Terra, a nossa casa comum. Esta Campanha da Fraternidade, voltada para a defesa e manutenção dos biomas brasileiros, pode ser uma boa oportunidade de deixarmos de lado a destruição rápida de sistemas que levaram bilhões de anos para ser construídos. A ação de Deus na Criação é lenta e complexa. A ação divina gera o equilíbrio. Nós somos rápidos e simplistas. A ação humana gera o desequilíbrio e a destruição. Como fazer e por onde começar a corrigir nossos erros?

“Deus nos deu um jardim abundante, mas nós o transformamos em uma terra devastada e poluída por destroços e sujeira”. Assim falou o papa Francisco por ocasião do Dia de Oração pelos cuidados com a Criação. Em sua fala, lembrando o Ano Santo da Misericórdia, além das tradicionais Obras de Misericórdia (7 corporais e 7 espirituais), o papa acrescentou uma décima quinta: a de preservar o ecossistema. A CF-2017 nos coloca diante dos desafios em cultivar e guardar os biomas que formam o ecossistema brasileiro. Temos que buscar caminhos pastorais que auxiliem as pessoas que vivem nestes biomas a preservar as diferentes formas de vida que, entrelaçadas, compõem estes conjuntos harmônicos.

A crise ecológica que estamos passando nos desafia a construir uma espiritualidade ecológica. Passo importante foi dado com a publicação da encíclica Laudato Sì, em 2015. Pela primeira vez na história da Igreja os cuidados com a terra, a vida e a criação foram contemplados com um documento oficial e solene por parte do Magistério. O documento alerta sobre os perigos que a crise ecológica está nos ameaçando. Nesta carta, diante da deterioração global do ambiente, a proposta é que busquemos “um diálogo com todos acerca da nossa casa comum” (LS 3).

Pode ser que, semelhante aos tempos passados, as pessoas responsáveis não darão ouvidos à pregação profética atual. Dirão, como sempre, que são arautos do caos, profetas do apocalipse, gente que só consegue ver o que há de pior, inimigos dos avanços tecnológicos, etc…Não é fácil criticar o atual paradigma neoliberal. Vivemos a ditadura do pensamento único e uma proposta social baseada no consumismo individualista. Na verdade, estamos remando contra a correnteza. O lema da CF de 2017 é tirado de um texto fruto de uma reflexão feita após o desastre. Que ele possa ser um alerta para todos nós, antes do desastre total

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Grande parte deste Artigo se inspira em

MESTERS, C. & OROFINO, F., A Terra é nossa Mãe – Gênesis 1 a 12. CEBI – São Leopoldo, 2007.

Outras leituras complementares;

SIMKINS, R. A., Criador e Criação – A natureza na mundividência do Antigo Israel. Vozes – Petrópolis, 2004.

FRICK, F. S., Ecologia, agricultura e padrões de assentamento. Em; CLEMENTS, R. E. O Mundo do Antigo Israel. Paulus- São Paulo, 1995, 71-96.

WILSON, R.R., Profecia e Sociedade no Antigo Israel. Paulinas – São Paulo, 1993.

VAZ, A. S., A visão das Origens em Gn 2,4b-3,24 –coerência temática e unidade literária. Didaskalia-Carmelo – Lisboa, 1996.

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