Conhecer a realidade nos leva a nos abrirmos às problemáticas comuns, atitude inseparável de quem se diz cristão e ainda mais de quem vive sua fé nas comunidades eclesiais de base. Não podemos nos fechar, pensar em resolver só aquilo que nos atinge diretamente, somos obrigados a olhar longe, tanto no espaço como no tempo.
Muitos se perguntam pelos motivos da situação que o mundo e o Brasil passa e podemos dizer, como reconhecia Pedro Ribeiro de Oliveira, que no fundo da crise está a “falência” do sistema capitalista, que está acabando nem só com a vida das pessoas, como de um Planeta que já está doente, chegando a se perguntar com preocupação: em que mundo vão viver nossos netos? As CEBs são desafiadas a tomar consciência da situação e pedir perdão pelos pecados que cometemos contra a natureza, que está em guerra contra as grandes empresas e que nos torna em vítimas.
O golpe que o Brasil sofreu, e que já se deu anteriormente em outros países da América Latina, foi promovido pelos interesses do capital, de olho nos recursos naturais, no minério, no petróleo, na água… O Brasil chegou numa situação que até a própria Constituição é mudada segundo os desejos da classe dominante.
Não podemos fechar os olhos, temos que ser conscientes que a concentração da riqueza em poucas pessoas tem concentrado o poder, onde hoje tem um papel determinante o controle da informação, sobretudo pelos Estados Unidos, que gera noticias segundo o próprio interesse, mesmo que para isso seja preciso agir desde a mentira, inclusive sabendo que isso provoca guerras, uma das realidades mais presentes no mundo atual, diante da qual as CEBs são desafiadas a procurar e fomentar caminhos de paz.
Vivemos num mundo que tem mudado os valores, provocando um câmbio de ideais. Hoje é valorizado a competição, o progresso, a eficiência, o avanço, deixando de ser importante outros aspectos como democracia ou justiça. Diante de situações como o julgamento do Lula, se percebe essa mudança, até o ponto de poder dizer que estamos diante de um processo próprio da Santa Inquisição, com uma sentença já determinada.
Segundo Pedro de Oliveira, se faz necessário empreender ações a curto e longo prazo, começando por um processo de conscientização, que ajude a superar um sistema de alienação, onde o único que interessa é ter dinheiro no bolso, aspecto em que também insistia Raquel Rolnik. Para isso as CEBs contam com o método de Paulo Freire e a leitura popular da Bíblia como instrumentos. Junto com isso é preciso descobrir as escravidões de hoje, recuperar as lutas e escutar os gemidos da Mãe Terra e dos pobres.
Isso pode ajudar a construir novos caminhos, pois esse é o desafio, segundo Raquel Rolnik. Em sua análise, ela mostrava que na cidade se concentra o poder, mas também aqueles que lutam para fazer parte da sociedade, para ter acesso à riqueza. Nesse sentido, a migração para a cidade tem marcado a vida do Brasil nos últimos 60 anos. No primeiro intereclesial esse fenômeno marcava a sociedade brasileira, gente do interior que ia para a cidade em busca de oportunidades, muitas vezes forçados por processos de expulsão, fenômeno que hoje continua presente na Amazônia ou no Centro Oeste.
Foi esse povo da base quem foi construindo a cidade a partir da solidariedade, tendo a Igreja um papel fundamental nessa construção do tecido sociopolítico. O povo era explorado como mão-de-obra barata pelas multinacionais, situação que hoje se repete. Diante disso, o povo foi para a luta, se concretizando esses desafios na Constituição de 1988. Podemos falar, segundo Rquel Rolnik, de uma época de cidadania insurgente, que procurou a conquista de direitos.
Nesse sentido, temos que ser conscientes que conhecer o passado nos ajuda entender o presente. A professora da USP, destaca alguns fenômenos que mudaram essa realidade, como as novas igrejas evangélicas, que promoveram outros valores ou a mudança nos partidos políticos que construídos a partir das lutas mudaram e se colocaram ao serviço dos grandes interesses e que teve como consequência a corrupção, fazendo que o destino da cidade continue nas mesmas mãos. Podemos dizer, segundo ela, que os “territórios populares” foram invadidos pelos corruptores.
A sociedade atual está determinada pelo capital, que circula livremente, enquanto as pessoas cada vez têm mais dificuldades para ir de um lugar a outro, especialmente os mais pobres. Hoje os fundos de investimento se tornaram em elemento que decide a vida social. Diante disso, onde fica o papel do Estado? Muitos chegam a afirmar que não precisamos mais de Estado.
Isso tem que nos levar a descobrir que é momento de voltar para os territórios, para comunidades organizadas, que constroem sua vida desde um espaço de debate, que gera um movimento de popular de autodeterminação, que faz desfrutar dos pequenos, daquilo que nos leva às mudanças. Essa é a utopia onde queremos chegar, mas para isso devemos construir novamente a sociedade a partir do aprendido das lutas ao longo da historia, vamos chegar na utopia.