Um dos representantes do Brasil no Conselho Presinodal do Sínodo para a Amazônia é Dom Neri Tondello, bispo de Juína – MT. Ele reconhece que esse processo está provocando uma mudança radical em sua vida, “porque quanto mais nos envolvemos, quanto mais entramos na realidade amazônica, mais nos transformamos”.
O Sínodo “nos faz perceber as carências, os limites e as maravilhas que nós temos”, e ao mesmo tempo, ajuda a “que se intensifiquem caminhos que venham responder os gritos e os clamores da Amazônia no momento, que são muitos”, segundo Dom Neri Tondello. Por isso, se faz necessário escutar, especialmente os povos indígenas, pois “eu vejo que cada vez que eu me encontro com eles, é uma lição de vida”, afirma o bispo de Juína. Segundo ele, a Igreja tem que chegar nos indígenas para “ouvir o que eles apelam, o que eles precisam, e marcar presença, muito mais com gratuidade do que com esquemas prontos”.
Ao falar da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, ele a reconhece que ela “está conclamando a todas as dioceses, para termos um projeto firme, de conjunto”, ajudando a criar “um espírito de resistência a partir dos pequenos”. Junto com isso, Dom Neri lembra da reunião do Conselho Presinodal, onde “a mulher foi muito reconhecida, graças a Deus”. Ao falar da mulher na Igreja, ele afirma “que a Igreja tem que pedir perdão às mulheres”. O bispo também fala da presença da Eucaristia nas comunidades, que vê como “uma dívida que a Igreja tem para com o povo”, sendo necessário ter criatividade, como pode ser, segundo Dom Neri, os viri probati.
O senhor faz parte do Conselho Presinodal do Sínodo para a Amazônia, o que está repercutindo na sua vida essa missão, fazer parte dessa equipe?
Primeiro, dentro da caminhada na Amazônia como diocese de Juína, no Mato Grosso, diocese mais amazônica do Mato Grosso, a REPAM (Rede Eclesial Pan Amazônica) tem revolucionado o Regional Oeste 2, e tem revolucionado também a mim, porque a REPAM quis fazer o mapeamento da diocese de Juína como projeto piloto. Me encantei, porque me ajudou a identificar o que é a diocese, quem mora nessa diocese, o que estamos fazendo e o que precisa fazer.
A partir disso avançamos e conseguimos, acho, muitas coisas boas, decisões importantes foram tomadas, em relação à própria realidade diocesana, e principalmente no que diz respeito aos povos indígenas. Como membro do Conselho Presinodal, aí se intensifica ainda mais essa caminhada, esse caminho sinodal que estamos fazendo. A mudança é radical na vida da gente, porque quanto mais nos envolvemos, quanto mais entramos na realidade amazônica, mais nos transformamos.
Esse caminho para a Amazônia é um caminho importantíssimo, por tantas situações, realidades, culturas, diferenças, e permite que o Sínodo nos faça, ou nos ajude a fazermos uma autocrítica como Pan Amazônia, como pastoral, como evangelização. Nos faz perceber as carências, os limites e as maravilhas que nós temos. O Sínodo para mim, ele vai me trazer uma síntese, como novos caminhos para a Pan Amazônia. Isso que se espera, que se intensifiquem caminhos que venham responder os gritos e os clamores da Amazônia no momento, que são muitos.
O senhor fala dos povos indígenas da sua diocese, por que é importante escutar os povos indígenas, o que eles podem ensinar para a sociedade e para a Igreja?
O Papa Francisco já pedia, em Puerto Maldonado, no mês de janeiro de 2018, no Peru, que nós os escutássemos porque eles têm uma herança ancestral muito grande para ensinar. Eu vejo que cada vez que eu me encontro com eles, é uma lição de vida. Primeiro, pelo respeito que eles têm para com a natureza, a relação de amizade com a natureza. Eu percebo que para eles tudo é espiritualizado, para eles tudo é divinizado. Numa casa, por exemplo, se não existe o momento da oração, da partilha, para eles não têm sentido. Uma dança, seja para chuva, seja para ação de graças, tudo para eles é divinizado.
Os rituais então, nem se fala, o que eles expressam de comunhão com o divino, com a espiritualidade. É umas lições de partilha, de moral, de sabedoria, de silêncio, eles sabem escutar, eles sabem meditar a nossa ação, sabem quem nós somos, sabem o que queremos, eles são muito, muito sábios em sua história. A experiência que eu tenho lá com eles, a experiência democrática entre eles é incrível, uma decisão não pode jamais ser tomada por uma pessoa, tem que ser tomada por todos os caciques depois de ouvir todas as comunidades. É uma outra lição de democracia que eles têm.
O respeito entre eles também, a questão da própria moral familiar é muito bonita. São muitos os ensinamentos que eles nos dão e produzem, por exemplo, sempre dentro da natureza, não se envolvem com venenos, com agrotóxicos, com nada, e é possível ter uma vida sóbria, mas uma vida alegre, uma vida extremamente saudável, que é o que importa, a partir do contato e da vivência com a natureza.
Alguma vez eles têm falado para o senhor o que eles esperam da Igreja?
O que me chocou o ano passado, com a presença do cardeal Cláudio Hummes numa aldeia, no Barranco Vermelho, da etnia rikbaktsa, eles disseram, parece que até a Igreja nos abandonou. Isso foi um choque enorme. A partir dali, nós ficamos também mais atentos para ver o que eles pedem, como é que nós podemos nos aproximar, como podemos estar juntos, como podemos nos envolver com eles, a partir deles. A metodologia de Jesus é esta, ir ao encontro com o método de indução, não de dedução, mas ouvir o que eles apelam, o que eles precisam, e marcar presença, muito mais com gratuidade do que com esquemas prontos.
Uma das atitudes fundamentais em que insiste o Papa Francisco no Sínodo para a Amazônia é a escuta do povo. O senhor pensa que os bispos, os padres da Amazônia, estão dispostos a fazer esse trabalho de escuta do povo, de ver o que realmente eles pedem para o Sínodo?
De maneira geral eu percebo que sim, com certeza. Alguma situação ou outra, particular, com menos energia, com menos fôlego, com uma idade mais avançada, a gente percebe que talvez não se tem esse fôlego necessário, mas de maneira geral, a Igreja brasileira da Amazônia está muito aberta aos apelos que os índios têm em suas necessidades, na sua realidade, por exemplo, o impacto do corte da madeira ilegal, o impacto das hidroelétricas, o impacto do garimpo, o impacto da falta de agentes religiosos de agentes religiosos, ordenados ou não, na presença que faz tanta falta.
Eu percebo que em tudo isso, a Igreja está aberta e quer fortalecer sua presença de evangelização. Aliás, a REPAM tem um projeto que me parece muito claro, e ela vem firme e vem condicionando a nossa criatividade, o nosso trabalho de conjunto, olhando para a Pan Amazônia dentro do espírito da sinodalidade. Quando falo isso, me refiro a estratégias de ação pastoral e de evangelização de maneira mais conjunta. Percebo que há uma boa vontade enorme, mas ainda percebo que parece que cada um fica só na sua diocese, na sua prelazia. Este projeto da REPAM, ele está conclamando a todas as dioceses, não só brasileiras, mas de todos os países que contemplam a Amazônia, para termos um projeto firme, de conjunto, para resistir ao grande monstro, neoliberal, que quer invadir e que quer desfrutar, sempre a base do lucro.
O que podemos fazer é nos unir e termos um espírito de resistência a partir dos pequenos, a partir daquilo que eles têm em suas iniciativas e criatividades como formas de vida, de sobrevivência, ir a buscar, porque temos uma pressão enorme do agronegócio que vem para cima, e os índios se sentem encurralados, e mais um pouco ameaçados na sua extinção.
O senhor participou da reunião do Conselho Presinodal lo Vaticano, qual é a percepção sobre a acolhida que o Sínodo da Amazônia está tendo no ambiente Vaticano?
Eu percebo que o bom dessa história é que começou aqui, o grito começou aqui, em Puerto Maldonado foi o pontapé inicial, chegou em Roma e seu primeiro rascunho foi com a linguagem latino-americana. Isso foi o melhor ganho diria. Claro que em Roma, a gente sente que a linguagem é romana, a maneira de ver as coisas é romana. É como alguém que está em Roma e não vive aqui, se percebe esta dissonância, poderíamos dizer. Mas o ambiente de diálogo foi fantástico, muita abertura, muita liberdade para a expressão.
Foram dois dias com a presença do Papa Francisco, de muita fraternidade, de muita corresponsabilidade, de muita sensibilidade em relação à realidade amazônica. Embora, como disse, quem mora em Roma tem a linguagem de Roma, e quem mora aqui tem uma outra visão, tem uma outra postura, uma outra forma de expressão. Mas o importante é que o diálogo aconteça, e está acontecendo.
No Documento Preparatório, aparecem algumas questões que podem marcar o percurso do Sínodo, como é a presença das mulheres na Igreja, a celebração da Eucaristia nas comunidades, o tema dos ministérios. Falando sobre as mulheres, como o senhor pensa que o Sínodo da Amazônia pode atingir em referência ao papel da mulher na Igreja?
Em Roma, naqueles dias, a mulher foi muito reconhecida, graças a Deus. Eu sugeri já em outros momentos, de reuniões do Sínodo, que tenhamos a humildade de pedir perdão também às mulheres. O Papa Francisco pede perdão para tantas outras coisas, situações delicadas, e tudo, mas eu tenho esta convicção que a Igreja tem que pedir perdão às mulheres. Só dar um exemplo, se eu falo da minha diocese, de setecentos catequistas, seiscentas setenta, seiscentas e oitenta, são mulheres. Então, eu acredito que vai ser reconhecido um caminho de diálogo vai acontecer, mas ela precisa ser reconhecida com mais força, e se falar abertamente, com mais força, que ela pode ser diaconisa no andar do diálogo, da conversa.
A presença da Eucaristia nas comunidades, eu digo que é uma dívida que a Igreja tem para com o povo. Então tem que repensar o projeto de evangelização, multiplicando evangelizadores autóctones, de preferência, com rosto próprio, encarnados na realidade, inculturados, missionários ou não. Missionário não é só aquele que vem de fora, são os de dentro. Mas para dar resposta a essa evidencia, e a essa necessidade, que é a Eucaristia, é hora de darmos um passo grande na multiplicação dos evangelizadores. Quer dizer, a Igreja tem que ser criativa nesta hora, é hora de dar esse salto.
Falando sobre os ministérios e juntando-os com essa Igreja com rosto amazônico, quais seriam esses possíveis ministérios, qual seria o rosto amazônico da Igreja?
Nós temos muitos animadores e animadoras de comunidades que são leigos. O Brasil, inclusive, estamos com esse documento da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), sobre o leigo e a leiga como sujeitos eclesiais, esse é um ponto de partida. Mas depois, quantos animadores e animadoras de comunidades que nós temos, quantas catequistas, eu já toquei no assunto, mas é preciso que avancemos, e que a Igreja se dê conta que existem muitos meios de evangelizar, que não é só o meio celibatário, por exemplo. Tem muitos homens que tem vocação para o celibato, mas outros muitos não, mas que podem fazer muita coisa.
É preciso rever, como outras Igrejas do Oriente, nossa Igreja precisa dar um salto nesse sentido, por que não pensar no viri probati, que já é um assunto bastante aberto, em debate? É preciso ter a coragem, as propostas corajosas do Papa Francisco vão nessa direção, mas desta vez eu sinto que a nossa realidade de Amazônia, ela precisa mostrar a carência, mas também propostas.
Por Luis Miguel Modino