Por Solange S. Rodrigues
A primeira referência oficial às “comunidades de base” aparece no Plano Pastoral de Conjunto (PPC) aprovado numa assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em novembro de 1965. Esta assembleia foi realizada em Roma, ainda durante a última sessão do Concílio Vaticano II. O Plano vinha sendo preparado há meses, pelos secretariados nacionais e regionais da CNBB, e já havia sido discutido pela Comissão Central da entidade e pela Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB).
No PPC a criação e dinamização das comunidades de base é apresentada como meio de favorecer a vivência comunitária e responsável dos católicos, a partir da descentralização das paróquias, extensas e muito povoadas. Os bispos propõem “suscitar e dinamizar, dentro do território paroquial, comunidades de base (como as capelas rurais) onde os cristãos não sejam pessoas anônimas que apenas buscam um serviço ou cumprem uma obrigação, mas sintam-se acolhidos e responsáveis, e delas façam parte integrante, em comunidade de vida com Cristo e com todos os seus irmãos” (CNBB, 1966, 38-39).
Antes dele, em abril de 1962 no Plano de Emergência (PE) os bispos preconizaram uma renovação paroquial. Entre outras características, esta renovação deveria valorizar as “comunidades naturais”, já presentes no interior das paróquias, entendidas como grupos relativamente homogêneos, unificados pela convivência em um território delimitado, como por exemplo, bairros, povoados rurais; ou, por algum centro de interesse, como o trabalho, o estudo etc..
A designação era ainda hesitante. Falava-se em comunidade natural; comunidade de base; ou, simplesmente, comunidade. O adjetivo eclesial é usado no título do primeiro livro sobre as CEBs, intitulado “Comunidade Eclesial Base: uma opção pastoral decisiva”, publicado 1967 pela editora Vozes. Seu autor, Raimundo Caramuru de Barros, relata a constituição do nome da nova proposta pastoral no livro “Para entender a Igreja no Brasil: a caminhada que culminou no Vaticano II (1930-1968)”, publicado em 1994: a expressão teria sido criada num seminário sobre “Sacramentos da Iniciação”, promovido pelo Secretariado Nacional de Liturgia da CNBB em 1965. Na ocasião “ficou consagrado o nome Comunidade Eclesial de Base. Inicialmente, tinham sido denominadas de comunidades naturais; em seguida, chegou-se a falar em comunidades locais. Ambos apelativos provocavam dificuldades e mesmo ambiguidades. Passou-se, então, ao nome comunidade de base. Essa denominação buscava identificá-la como a célula básica do corpo eclesial. (…) Por facilidade e brevidade, continuou-se, muitas vezes, a falar em comunidades de base, omitindo o termo eclesial, até que se inventou a sigla CEB, uma referência mais simples para essas comunidades de Igreja“.
Já nos países da América Latina de colonização espanhola, a expressão consagrada para indicar estes organismos eclesiais foi comunidad cristiana popular. Em algumas traduções de textos produzidos nestes países para o português a expressão usada é comunidade cristã de base ou comunidade cristã popular. Há aqui uma distinção importante, pois nesta segunda expressão fica assinalado o caráter “popular” da experiência, sua vinculação a um determinado segmento da população. Já o termo incluído na expressão em português, “de base”, presta-se a diferentes interpretações, podendo ser compreendido em termos de classe social (as chamadas classes subalternas, aquelas que estariam na “base” da sociedade) ou se referir à estrutura da Igreja, designando a “base” da instituição.
Mais de 50 anos após sua criação, percebemos que a expressão “comunidade eclesial de base” e a sigla “CEB” são de uso mais corrente entre os agentes de pastoral e os estudiosos do fenômeno. Em geral, participantes das CEBs referem-se a elas simplesmente como “comunidades”. A ambiguidade apontada por Caramuru de Barros reaparece, pois muitas vezes não é fácil fazer a distinção nos discursos entre a comunidade local (todos os habitantes da localidade) e os membros da comunidade religiosa.
Em determinadas situações a expressão e a sigla são acionadas como elemento de auto-identificação nos casos de conflitos entre linhas pastorais divergentes numa mesma paróquia ou diocese, ou no contexto nacional. E também no processo de preparação e de realização dos Encontros Intereclesiais de CEBs, quando a identidade em torno dessa experiência pastoral é reafirmada.
Este texto é parte do caderno que está sendo elaborado sobre o histórico das CEBs. Ele será um dos cadernos da série que o Iser Assessoria organiza sobre as CEBs no Brasil, para contribuir na formação de suas equipes de animação.
Solange S. Rodrigues é membro da equipe de Iser Assessoria. As informações contidas neste texto foram retiradas de sua dissertação de mestrado: Comunidades Eclesiais de Base no Brasil: interfaces entre religião, política e produção do conhecimento (UFRJ, 1997).