A ação caritativa é um elemento que não pode faltar na vida da Igreja, algo que a Caritas realiza em todos os cantos do planeta. Na América Latina e no Caribe, Dom José Luis Azuaje Ayala, arcebispo de Maracaibo, Venezuela, é o presidente do Secretariado Latino-americano e do Caribe da Caritas – SELACC. Ao mesmo tempo, ele é presidente da Conferência Episcopal Venezuelana, onde o papel da Igreja é fundamental diante da crise que o país está enfrentando, uma vez que quase tudo está faltando e a emigração afeta a vida cotidiana.
No nível latino-americano, monsenhor Azuaje reconhece que “a primeira coisa que tentamos fazer é acompanhar as pessoas, especialmente as pessoas mais pobres, as pessoas que sofrem”. Junto com isso, a Caritas, uma das instituições fundadoras da Rede Eclesiástica Pan-Amazônica, tem se envolvido decisivamente no processo sinodal. Como presidente da Conferência Episcopal Venezuelana, ele participará da assembleia sinodal do Sínodo para a Amazônia, onde considera fundamental que “possamos falar com liberdade”.
Qual é a realidade do trabalho da Caritas América Latina? Quais são as principais preocupações, os principais desafios que vocês estão enfrentando?
A primeira coisa que tentamos fazer é acompanhar o povo, especialmente o povo mais pobre, o povo que sofre. E os acompanhamos com diferentes tópicos, por exemplo, há a questão dos direitos humanos, temos uma abordagem completa que vem sendo realizada há muitos anos, principalmente na construção da paz, onde trabalhamos em muitas Caritas diocesanas, na Colômbia, agora na Nicarágua, etc., onde há problemas de muito conflito. Também acompanhamos tudo o que é campo da espiritualidade, porque acreditamos que, se todo o social não é estimulado pelo espiritual, é simplesmente uma filantropia, na qual eu faço alguma coisa e saio, não resta realmente nada para permanecer no tempo e que possa ser consolidados pelas equipes de trabalho.
Também temos um acompanhamento sobre o que é o meio ambiente e a gestão de riscos, quão vulnerável é a América Latina, todo o Caribe, América Central e todos os dias há problemas naturais e outros problemas de conflito. Tentamos ter uma palavra lá com pessoas muito versadas, muito bem preparadas, o que também acompanha as equipes locais na solução desses problemas que surgem. Também temos programas muito bons, de muitos anos atrás, de trabalho pela igualdade entre homens e mulheres. Sabemos o que acontece às vezes na América Latina, conhecemos a questão de gênero, nós optamos um pouco mais por um trabalho em dizer que somos filhos de Deus, que temos igualdade, mas também valorizamos o papel das mulheres no serviço à sociedade, à família, à produtividade e hoje tudo o que é o meio ambiente e a ecologia integral.
Estamos tentando acompanhar todas essas questões na América Latina, que são uma prioridade para nós. Já incentivamos a questão da juventude de Caritas há quatro anos, para ver como as novas gerações estão se envolvendo em questões sociais, em questões de vulnerabilidade. Nós o vemos especialmente porque também devemos procurar pessoas de relevo que se apropriam do trabalho que vem sendo realizado há muitos anos na Caritas, e que a partir daí podemos realizar um trabalho de comunhão com cada Caritas diocesana, paroquial e também com as conferências episcopais. Entramos em conjunto com a Caritas Internacionalis uma questão que acreditamos ser fundamental, que é o fortalecimento institucional.
Isso nos leva a pensar sobre qual Caritas queremos, como deve ser a nossa instituição, agora realizamos uma reflexão bastante profunda sobre tudo o que é o padrão de gestão, porque a Caritas move recursos e, assim como move recursos, também deve ser responsável de render contas desses recursos. Porque o produto de tudo o que tem de ser o bem-estar e o bem das comunidades mais vulneráveis, das comunidades mais pobres. Então, avançamos em todas essas questões e também queríamos priorizar a questão da ecologia integral neste momento, acompanhando o que é a preparação para o Sínodo da Amazônia, mas ir além do Sínodo da Amazônia.
Portanto, além de fazer parte da REPAM e também apoiar essa rede, agora no final de setembro, será criada a Rede Mesoamericana, em tudo o que é a América Central e o México, que nos dará a possibilidade de entrar em um trabalho consolidado, juntamente com as conferências episcopais, em termos de necessidades locais próprias da América Central e do México. Dizemos ao Senhor que Ele tem nos dado a oportunidade de criar essas instituições e de poder atuar nelas hoje.
O senhor fala sobre ecologia integral, sobre a preparação do Sínodo para a Amazônia, como o SELACC está se envolvendo?
Bem, lembre-se de que grande parte dos membros da REPAM, que foram, digamos, em primeira instância organizadores, são a Caritas. Muitas de nossas Caritas na Amazônia, assim como em outros países, fazem parte da REPAM, por isso somos seus apoiadores, ou se você quiser, junto com os religiosos e religiosas da América Latina, com o CELAM, com a Conferência Episcopal Brasileira, também nós, como Caritas América Latina, levamos ao nascimento da REPAM, e optamos por que todos os países da Caritas na região também estejam envolvidos na REPAM, e isso é fundamental, porque muitas das coisas que a REPAM realiza junto à Caritas, bem como haverá programas especializados realizados por outros organismos.
Estamos envolvidos, em primeira instância, em tudo o que é a organização, a reflexão e também propomos o nosso próprio, que é o senso de caridade nessas regiões e naqueles locais onde a vida se sente vulnerável. Isso é um interesse para nós, desde Laudato Sì também trabalhamos em conjunto com o CELAM, tudo o que é campo da ecologia integral, da reflexão que tem a ver com a Amazônia como lugar teológico, enquanto ao pobre, ao indígena, também como local teológico, onde Deus se manifesta. Acreditamos que dali para o futuro possa haver uma imensa força de serviço, trabalho e também para valorizar e, acima de tudo, promover os direitos humanos deste território.
Falando em ecologia integral, um dos grandes desafios é a conversão prática. Desde a igreja, especialmente desde a Caritas, que cuida dos mais pobres e, no final, os mais pobres são as principais vítimas da falta de conversão ecológica, como essa dimensão prática é incentivada pela Caritas e promove ações concretas a favor de uma conversão ecológica?
Eu acho que existem dois ou três aspectos que são fundamentais: o primeiro a entender a antropologia, o ser humano, ver os povos indígenas como seres humanos que compõem esse grande continente, são parte de nós, não são diferentes de nós em termos humanos, mas eles têm uma cultura diferente. Saber que a dignidade humana deve ser preservada, promovida e, acima de tudo, acompanhada de todos os valores que a fazem crescer e não minimizar, muito menos a violenta-la. Então, um primeiro aspecto de que em todo esse aspecto da conversão ecológica temos que, afinal, o ser humano assuma todo o âmbito de uma integralidade fundamental.
Depois, há a relação também com a natureza, não como um âmbito de objeto, mas de sujeito. Ou seja, existe vida lá, e tudo o que implica vida também tem a ver com o amor de Deus e também com a Criação que Deus fez. Cabe a nós, também, olhar a vida dessa maneira integral, numa relação recíproca entre o que é a pessoa humana, o ser humano, se chame pessoa dos povos originários ou aqueles que alcançam esses povos e a mesma natureza, e é por isso que enfatizamos um olhar para isso desde um sentido integral.
Já o CELAM, junto com a Caritas, etc., cerca de um ano, um ano e meio atrás, escrevemos uma carta pastoral sobre ecologia integral e sobre o significado de Laudato Sì em tudo o que é a dimensão da Igreja, e há uma ponto fundamental, que é que tudo isso é feito a partir de um processo de evangelização. O que fazemos na Caritas, que é o trabalho social da Igreja, fazemos a partir de um padrão de evangelização, não de uma ajuda ou de um projeto esporádico que sai, mas também se integra ao processo da missão da Igreja, que é a evangelização.
O senhor é presidente da Conferência Episcopal Venezuelana e, como tal, foi chamado para ser padre sinodal no Sínodo para a Amazônia. Que expectativas este Sínodo cria para o senhor?
Bem, primeiro que podemos falar com liberdade, isso é fundamental para mim. Ou seja, não carregarmos coisas preconcebidas, mas deixarmos o Espírito Santo agir. Nós carregamos tudo o que é uma imensa riqueza de conceitos, de experiências, que são vividos em cada uma de nossas regiões, mas fundamentalmente para permitir que o Espírito Santo fale através de tantos padres sinodais. Esse é um aspecto fundamental, o fato de poder falar livremente para encontrar novas maneiras que ajudem, principalmente na área da localização, porque é o território amazônico do qual a Venezuela faz parte e é capaz de criar novas e novas expressões, novas formas, novos ministérios, com um imenso ardor de serviço a todos os povos originários que existem, bem como serviço à Mãe Terra, à mesma natureza, aos cuidados do mesmo.
Na Venezuela, infelizmente, temos um exemplo ruim, que é tudo o que está sendo feito em um projeto que o governo faz desde há alguns anos atrás, que eles chamam de Arco de Mineração, onde a busca extrativa por pedras preciosas, do coltan, de eu sei lá o que, eles estão fazendo isso sem nenhum controle, muitas empresas de muitos países entraram. O governo está interessado nas riquezas que estão imersas ali, mas ele não está interessado em cuidar da natureza, e isso foi denunciado várias vezes. Mas bem, quando você tem um governo que faz o que ele quer, que não ouve a sociedade civil ou organizações internacionais nessa área, ainda está atacando, a natureza ainda está sendo maltratada. Acredito que essa também seria uma parte fundamental do Sínodo, que é a denúncia concreta do que está acontecendo em nosso território e, sobretudo, uma denúncia que se concentra na busca de soluções, mas não apenas nacionais, mas também internacionais.
Isso através de leis, normas e pressões que precisam ser desenvolvidas para preservar esse pulmão, que beneficia não apenas os latino-americanos, mas também o mundo inteiro. E eu diria, em conclusão desta pergunta que me pergunta, uma nova maneira de ser uma Igreja. Experiências válidas já foram feitas, a América Latina tem sido uma Igreja que propôs muitas novas maneiras de ser Igreja, mas, neste caso, sabendo que temos um território imensamente rico em tudo que é o campo da natureza, mas com populações muito pobres. Então, como construir uma Igreja a partir da pobreza e como torná-la cada dia mais pobre e, a partir da mesma pobreza, também pode cultivar as grandes riquezas humanas que as pessoas que vivem lá têm, bem como o ensinamento que pode ser dar também para outras regiões.
O senhor fala sobre pobreza, as notícias que vem da Venezuela é que todos os dias a crise parece piorar. Como a Igreja venezuelana está tentando ajudar a superar essa situação?
Estamos trabalhando como Igreja, alguns nos marcaram como políticos ou questões ideológicas, e assim por diante. Estamos falando desde o campo profético, existem todos os nossos documentos, e não apenas os nacionais, mas aqueles que são canalizados nos diferentes lugares, da denúncia do que causou todo esse mal que nos levou ao empobrecimento de mais de quase 85% da população venezuelana. Isso implica o fato de nos tornarmos mais ativos, e o fizemos através de diferentes organizações que temos, por exemplo, Caritas, tomamos consciência da necessidade de fundar, organizar nossa Caritas, não apenas diocesana, mas também paroquial. E com programas diferentes, por exemplo, qual é a prioridade agora, agora é saúde, alimentação, educação. Programas de panelas solidarias, refeitórios para as pessoas mais vulneráveis foram incentivados, e o que estamos vendo é uma grande solidariedade, os pobres ajudam os pobres, porque sempre há algo a dar a eles.
Da mesma forma, é o assunto dos medicamentos, que graças a tantos venezuelanos e tantas pessoas de boa vontade que estão em outros países, nos faz receber medicamentos que podemos disponibilizar à população e às instituições de saúde. E a questão educacional, que é interessante, porque foi perdida, acredito, quase cinquenta por cento das matrículas escolares, pois essas pessoas deixaram o país, temos quase 5 milhões de pessoas que deixaram o país. Também a desmotivação dos jovens, que dizem por que seguir uma carreira universitária se o que vamos ganhar é um salário mínimo que não chega a dois dólares e como vou começar uma família, como vou ter um apartamento, uma casa. De qualquer forma, como posso me tornar independente de meus pais.
Nesse sentido, há também um desânimo no fator educacional. A Igreja venezuelana, graças a Deus, tem muitas escolas católicas. Temos 41 escolas arquidiocesanas em minha arquidiocese e vemos como todos os dias há menos alunos e alguns professores nos abandonam, e por que há menos estudantes, porque eles deixam o país. E há outras mães que não os enviam, porque simplesmente os deixam dormir até mais tarde, apenas para alimentá-los duas vezes por dia e pular o café da manhã, porque não têm como dar. Elas os deixam dormir até as onze ou doze e podem almoçar e jantar. Há uma ausência também nesta área. O que estamos tentando incentivar são as cantinas escolares para incentivar a presença de nossos filhos nas escolas, e sempre fazemos isso em parceria com algumas organizações, com algumas empresas e também com pessoas generosas que nos apoiam de fora, mas realmente é uma tragédia que os venezuelanos vivem.
Estou em uma arquidiocese que faz fronteira com a Colômbia, no lado da Guajira, tivemos que criar um abrigo. Primeiro, para que aqueles que vão, poder fazer uma primeira parada. Lá ele é auxiliado no que é dormir, o que é comida, o que também é um senso de saúde e o aspecto psicológico, e de lá eles continuam em direção à fronteira para ir a qualquer país da América do Sul. Tentamos mantê-los, mas eles nos dizem como ficar se realmente o que ganhamos aqui não nos alcança. Deixamos o país para de fora, com algo que enviamos, a família deixada na Venezuela possa se alimentar pela metade. Portanto, é uma grande tragédia que temos na Venezuela.
Diante dessa tragédia, qual seria a solução?
Bem, primeiro uma mudança de governo, nada pode ser feito com esse governo, já dissemos muitas vezes. Tem que haver um processo eleitoral, tem que ser realmente incentivado tudo o que é mudança, de pessoas nessas instituições que têm poder político, poder público, porque temos 20 anos e olha o que alcançamos. Muitos justificam isso pelas sanções, as sanções são de ontem, estamos sofrendo isso há anos. Portanto, isso implica que aqueles que estão atualmente na frente de políticas públicas não foram realmente capazes de assumir com critérios profissionais o que o país precisa.
Infelizmente, o outro aspecto é a corrupção na Venezuela, onde nossa companhia de petróleo foi levada por um número de pessoas que o que eles fizeram é lucro, e nós os vemos se mover para qualquer lugar do mundo com o dinheiro que é do povo venezuelano. E isso é uma desgraça por muitas razões, porque como injetar de fora um investimento para o povo, não para o povo, mas para a Venezuela por sua produtividade, se não houver garantia de legalidade nem seriedade ética para o gerenciamento de recursos.
Aqui a solução é uma mudança radical, que também tem a ver com uma mudança de atitude de nós, venezuelanos, de saber que esta solução também está em nossas mãos e que, se realmente não exercermos uma pressão social, que está na Constituição, eles continuarão a dominar todas as áreas da vida da população.