“A reflexão teológica compreensão e fé surge espontânea e iniludivelmente naquele que crê, em todos os que acolheram o dom da palavra de Deus.” – Gustavo Gutiérrez
Em uma conversa com minha esposa ouvi a pergunta: “Você não acha que os seus textos estão muito específicos, apenas para o pessoal que entende de teologia ler?”
Meditei durante toda esta semana sobre a pergunta e se isso está ocorrendo é porque estou me distanciando da prática da TdL. Explico, a Teologia da Libertação tem como prática teológica uma linguagem popular, uma reflexão a partir da realidade do povo, uma leitura da Bíblia que a aproxime da atualidade, que possua uma compreensão que possa fazer com que o povo compreenda sua mensagem a partir de sua realidade e se liberte de conceitos e de visões que nada contribuem para sua efetiva emancipação. E novamente entra a pergunta primordial: a leitura que você ou seu grupo fazem da Bíblia é uma leitura que liberta, que acolhe, que eleva as pessoas ou é uma leitura que reforça o preconceito, o sexismo, a misoginia e a opressão?
A Teologia da Libertação não pretende ser uma ruptura com a Igreja Católica, como já dissemos, pretende ser uma leitura libertadora que mostre Deus, no Primeiro Testamento e Jesus, no Segundo como fonte de libertação do povo oprimido, como acolhimento aos que sofrem e são excluídos. No Evangelho de Jesus segundo Mateus isto fica claro no capítulo 12,23: “Todo aquele que exalta a si mesmo será humilhado e aquele que se humilha será exaltado.” Jesus, então, como dissemos em texto anterior, veio ser a boa-nova para os pobres e por pobres entendemos aqueles que foram empobrecidos pelo sistema político da época que expropriava as pessoas pelo lado romano e pelo lado judeu. Jesus vem para contrariar essa lógica, para mostrar esta exploração e questioná-la. Do mesmo modo, Deus envia profetas para mostrarem a exploração do povo pelos reis, como Isaías e Miquéias.
A Teologia da Libertação está ao lado dos empobrecidos, dos desvalidos, dos que sofrem segregação, dos que são humilhados, violentados, pois é a estes que se precisa ajudar, é a estes que Jesus falou e prometeu o Reino de Deus, por mais que isto incomode as inúmeras pessoas que compõem as elites e que frequentam as igrejas, o Evangelho para elas diz: partilhe o que você tem! Desapegue-se do excesso e reparta com quem precisa! Claro que não prega que a pessoa doe tudo o que é seu, mas que compartilha o excedente, aquilo que lhe sobra. E o que mais Deus compartilhou conosco? O seu amor! Sejamos plenos e transbordantes de amor, que sejamos tsunamis, enxurradas, avalanches de amor pelos que necessitam e que se encontram, hoje, em situação de risco!
É disto que a TdL trata, do amor de Deus pelo que nada tem, simbolizado no Primeiro Testamento pela viúva, pelo órfão e pelo estrangeiro e no Segundo Testamento por coxos, cegos, paralíticos, surdos, miseráveis de todo o tipo e por pecadores como prostitutas e cobradores de impostos. A Bíblia fala sobre o amor de Deus por todos eles, denunciando a exploração das classes dominantes, denunciando a violência que é tirar daquele que nada ou pouco tem como ocorre com o rei Acab que queria a vinha de Nabot e, incentivado pela sua esposa, Jezabel, mata Nabot para ficar com a vinha e é denunciado pelo profeta Elias.
Quantas e quantas vezes não vimos esta cena? O grande produtor que expulsa o pequeno, as grandes construtoras que invadem terras que não são suas e expulsam os moradores. Se nos aprofundarmos veremos que o Brasil começou assim. Os povos originários tiveram suas terras invadidas, tomadas, foram escravizados, mortos, dizimados como ainda o são hoje. Olhe para o Brasil atual e veremos isto ocorrendo na Amazônia, local em que grandes donos de terras invadem e expropriam o pequeno produtor que é obrigado a sair ou morrer.
Este cenário não é novo e já era denunciado na Bíblia. A Teologia da Libertação apenas buscou olhar para estes temas e mostrar que eles continuam atuais, mostrar que o papel da Igreja Católica é ser profética, ou seja, denunciar a exploração e a opressão e se colocar junto aos pobres que, no dizer do Papa Francisco na Evangelii Gaudium não se limita aos que não possuem bens materiais, mas a todos que são, de alguma forma, fragilizados, ou seja, mulheres que sofrem com a violência doméstica, os povos originários, LGBTQI+, negros, idosos, crianças, os dependentes químicos, os irmãos que moram na rua, os sem terra, os sem casa, os que são explorados por um sistema econômico injusto. Uma lista ampla, diríamos interminável, pois inúmeras são as situações de exploração e violência em relação aos mais frágeis.
A leitura feita pela TdL é apenas para mostrar que Deus não quer isso, que Ele se compadece com os que sofrem, que Ele ouve o grito de sua existência e que Ele continua agindo em favor de todos e continua nos mandando profetas, mas que teimamos em não ouvir.
Paz e bem!