Nesse tempo de pandemia do novo coronavírus (a Covid-19), fala-se muito – e com razão – em defender a vida. Só tem um “porém”: falar em defender a vida num contexto sócio-econômico-político-ecológico-cultural que – para a grande maioria do povo – é um contexto de não-vida, legalizado e institucionalizado, é uma hipocrisia. Precisamos sim defender a vida com todos os meios que o conhecimento científico e técnico colocam hoje à nossa disposição. Isso, porém, não basta.
Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora e representante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no Brasil, afirma: “O conhecimento científico é o caminho para superarmos esse momento (da pandemia do coronavírus), mas não será suficiente para evitarmos as consequências danosas de outros problemas globais. Será preciso uma nova leitura de como enxergarmos a humanidade, um outro patamar de empatia, que deve vir de governos, agentes econômicos e sociedade civil. Quem sabe esta não seja, finalmente, a oportunidade para repactuarmos um mundo mais humano, pacífico e solidário” (Ciência, cooperação e uma nova noção de humanidade. Folha de S. Paulo, 03/05/20, p. A3).
Precisamos com urgência mudar radicalmente a maneira de viver e conviver entre nós, seres humanos, e com a Mãe Terra, nossa Casa Comum. A pandemia do coronavírus é para nós – ao mesmo tempo – um sinal e um alerta.
- Um sinal: a Mãe Terra está se defendendo das violências e agressões destrutivas que praticamos contra ela.
- Um alerta: se – depois que passar a pandemia do coronavírus – continuarmos a viver do mesmo jeito, outras pandemias – piores ainda – poderão acontecer.
Não sejamos irresponsáveis e levianos/as (como o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe), fingindo que nada de grave está acontecendo!
“Devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Esta economia mata. (…) Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, a grande maioria do povo se vê excluída e marginalizada: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois jogar fora. Assim teve início a cultura do ‘descartável’, que aliás chega a ser promovida. (…) Os excluídos não são (somente) ‘explorados’, mas resíduos, ‘sobras’ (lixo)” (Papa Francisco. A alegria do Evangelho – EG, 53).
“Há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex. 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão na idolatria (fetichismo) do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano” (Ib. 55).
O sistema capitalista neoliberal (ultra – neoliberal) – por ser um “sistema econômico iniquo” (Documento de Aparecida – DA, 385) – é hoje o pecado social (estrutural) da humanidade, o pecado do mundo.
Para comprovar esta situação de pecado, basta lembrar alguns fatos: a perversidade, a crueldade e a frieza com que são tratados os migrantes e refugiados; a destruição da Amazônia; o desrespeito para com os povos indígenas, sua terra e sua cultura; a discriminação dos afrodescendentes; a exploração – que, muitas vezes, é verdadeira escravidão – e o descarte dos trabalhadores e trabalhadoras; a violência contra as mulheres (feminicídios); a concentração da terra nas mãos de poucos (latifúndios); as propriedades sem nenhuma função social; a monocultura e o agro-hidro-negócio que envenenam a natureza e a produção agrícola (agricultura antiecológica); e a especulação imobiliária nas grandes cidades.
Essas barbáries e muitas outras são as faces visíveis do pecado social (estrutural) da humanidade, do pecado do mundo.
Para onde estamos indo!? Será que um dia o ser humano – que é (ou. deveria ser) a parte consciente e pensante da Mãe Terra, nossa Casa Comum, nosso Jardim – tornar-se-á jardineiro, que cuida de si e da Mãe Terra? Precisamos esperançar!
Neste tempo de pandemia do coronavírus (Covid-19) ouçamos “o clamor da Terra e o clamor dos Pobres”! (Sínodo para a Amazônia. Documento Final, 10-14).
A luta para mudar o sistema é um processo dialético (contraditório) contínuo: uma caminhada. O importante é não desistir! A vitória já é nossa!
De imediato, como gesto concreto, vamos apoiar e assinar em massa a Petição “Taxar fortunas para salvar vidas” (organizada pela “Frente Brasil Popular” e pela “Frente Povo Sem Medo”, com o apoio de outras Entidades Populares).
A Petição nos motiva dizendo:
“O Brasil está entre os 10 países mais desiguais do mundo. A pandemia do coronavírus aprofundou a crise política, econômica e social que já estávamos atravessando. A gravidade do momento exige todos os esforços para salvar as vidas em risco, seja pelo adoecimento ou pela pobreza”.
“De cada mil contribuintes, apenas 8 contam com uma renda mensal de mais de 80 salários mínimos. Essa elite responde sozinha por um terço de toda a riqueza declarada em bens e ativos financeiros, sendo que metade dessas pessoas chega a ganhar em média 4 milhões de reais por mês!”.
“Por isso, propomos:
- Taxação de lucros e dividendos das pessoas físicas detentoras de cotas e ações de empresas.
- Instituição de alíquota sobre os lucros remetidos ao exterior.
- Imposto sobre ‘grandes fortunas’, previsto na Constituição Federal.
- Dar maior efetividade a cobrança do ITR, atualizando os valores das grandes propriedades que estão totalmente defasados.
- Empréstimo compulsório das empresas com patrimônio superior a 1 bilhão de reais”.
(Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo)
Não sejamos omissos! Participemos!
(Acesse o link: https://www.change.org/p/taxar-fortunas-para-salvar-vidas)
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 13 de maio de 2020