“Eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa de seus opressores; eu conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios e fazê-lo subir desta terra para uma terra boa e vasta, que mana leite e mel”
(Ex 3,7-8b)
Retomo o tema do Rosto Social das CEBs, publicado na coluna anterior, para falar de uma expressão forte no rosto das CEBs: o compromisso e o cuidado com os empobrecidos, prática real da opção pelos pobres, sobretudo, nestes tempos de pandemia, no qual as desigualdades sociais tornaram-se mais evidentes, públicas e os pobres parecem não ser de “responsabilidade de ninguém”.
Para as CEBs, o compromisso com os pobres tem fundamento bíblico e define sua identidade. A Bíblia é lida na ótica dos pobres: o povo de Israel, escravizado, era protegido de Deus – “Javé”: “Eu Sou” – “Eu estou com vocês”, para os libertar da opressão do Egito e receber como herança, a Terra Prometida. Uma conquista feita numa caminhada longa, mas que os ensinou a viver em comunidade, respeitando a lei que regulava os direitos e os costumes do povo. O sonho de uma vida digna estava lá na frente. Mas valia a pena continuar no caminho para encontrar a Terra da Promessa. A esperança guiava: Também sou teu povo Senhor, e estou nesta estrada, cada dia mais perto, da terra esperada…
Quando as CEBs acolhem em seu meio a multidão de injustiçados: negros, índios, moradores de rua, agricultores, sem terra, desempregados, migrantes, mulheres vítimas da violência doméstica, pessoas LGBTQIA+, crianças, idosos, pescadores, catadores de recicláveis, jovens violados em seus direitos, marginalizados, descartáveis dentre outras categorias, elas o fazem sabendo que esta situação é resultado do pecado estrutural em nossa sociedade, contrário ao Reino de Deus e que estes pobres são vítimas da injustiça social perversa. E assumem ficar ao seu lado, como irmãs e companheiras de caminhada, para que sejam protagonistas de sua própria libertação.
Os pobres são acolhidos pelas CEBs porque são o vínculo mais legítimo entre elas e Jesus Cristo. Isto implica em assumir o lugar social dos pobres, que não se trata de “fazer assistência social”, ou catalogá-los para cadastros. A luta constante por direitos, presente nas principais bandeiras reivindicatórias: trabalho, moradia, acesso à educação, saúde… devem continuar. Contudo, o evento da pandemia nos fez retomar a prática da solidariedade, para além das reivindicações, e ir ao encontro dos empobrecidos para levar-lhes os direitos básicos que o Estado se nega a cumprir: acesso à saúde, alimentação, roupa, habitação, moradia…
Assumir o lugar social do pobre é tomar para si que: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração” Gaudium et Spes 1. Fazer esta opção é assumir a vida, assumir um lado, assumir e encarnar o Evangelho, é assumir o caminho de Jesus de Nazaré, que não exclui ninguém.
O que sustenta o compromisso e o cuidado com os pobres é, sem dúvida, a mística e a espiritualidade da libertação, que as CEBs, buscam na Bíblia e na realidade. Neste sentido, Gustavo Gutiérrez, diz que: “Uma espiritualidade da libertação estará centrada na conversão ao próximo, oprimido, à classe social espoliada, à raça desprezada. A conversão evangélica é, com efeito, a pedra de toque de toda espiritualidade. Conversão significa radical transformação de nós mesmos, pensar, sentir e viver como Cristo presente no homem despojado e alienado. Converter-se é comprometer-se com o processo de libertação dos pobres e explorados. (…) Uma espiritualidade da libertação deve estar impregnada de gratuidade”. GUTIÉRREZ, G. Teologia da Libertação. Vozes, 1975, p. 173.
Em 2020, o tema da CF, convocou a Igreja à prática do Bom Samaritano, que ao encontrar um pobre, viu, aproximou-se, cuidou dele. No mesmo ano, o Papa Francisco na Jornada Mundial do Pobre, pedia: «Estende a tua mão ao pobre» (Sir 7, 32), um convite à responsabilidade, sob forma de empenho direto, de quem se sente parte do mesmo destino. E neste ano vivamos a CFE!!