Olê Mariê, Olê Mariá/ Mulher tu sai da cozinha /Venha ocupar o teu lugar. Começo esta reflexão com o refrão deste canto popular, cantado nos movimentos de mulheres e nas CEBs espalhadas pelo País há décadas. Com ele, trago na memória do coração, o rosto e a vida de fé e luta de centenas de mulheres que, nas cirandas de resistência, no chão sagrado de suas comunidades, vão rompendo o silêncio e quebrando as barreiras dos espaços a elas definidos e restritos pelos padrões patriarcais, afirmando que: lugar de mulher é onde ela quiser.
Neste mês de celebração das lutas e conquistas das mulheres em todo o mundo, devido à data histórica do dia 08 de março, dia internacional da mulher, convido vocês a refletir sobre a necessidade de tornar as CEBs um espaço de feminismo comunitário.
Muito se tem falado sobre a presença majoritária das mulheres na igreja e particularmente nas CEBs, destacando a importância de seu papel na realização dos diversos serviços, assumindo lideranças. Sem as mulheres, as comunidades, a igreja, não seriam o que é. Sem dúvida, as CEBs são espaços de sociabilidade, convivência, oração e reflexão de fé e vida. Constituíram historicamente lugar de participação e emancipação das mulheres nos âmbitos eclesiais, sociais e políticos.
Nas CEBs muitas mulheres se reconheceram como pessoas de valor, se tornaram críticas das situações de desigualdades, pobreza, violência e opressão causadas pelo sistema capitalista, tornando-se também protagonistas e militantes das causas sociais em espaços diversificados. Em meio a resistências e conflitos, uma parcela delas tomou também consciência das opressões e desigualdades de gênero presentes em seus lares, na igreja e na sociedade, e se engajaram nos grupos e movimentos de mulheres.
Alguns documentos e discursos oficiais das igrejas expressam rejeição às violências e discriminações contra as mulheres e um esforço de valorização de seu papel nas igrejas e na sociedade. Entretanto, a experiência tem mostrado que as CEBs e as Igrejas em seu conjunto têm sido tímidas em adentrar na reflexão e no enfrentamento do sistema patriarcal sexista e misógino que sustenta as opressões, violências e dominações de gênero que recaem sobre as mulheres.
Há no interior da maioria dos espaços eclesiais um rechaço, um certo medo, da expressão feminista. Certamente por que ela carrega em si a força de reunir e unir as mulheres e colocá-las em processos de transformação e empoderamento, protagonistas de sua vida, seu corpo e sua história. E torna as mulheres capazes de denunciar o machismo muitas vezes ocultado nos discursos sociorreligiosos e nos espaços comunitários, reificando os papéis e estereótipos das mulheres como “recatada e do lar”, “dóceis e religiosas por natureza”, “ótimas executoras”. Mesmo diante destas resistências-desafios, as CEBs são ou podem vir a ser espaços de feminismo comunitário.
O feminismo comunitário é um movimento originário da Bolívia na década de 90, pelas mulheres indígenas do povo Aymara, liderado pela ativista Julieta Paredes Carvajal, e tem se ramificado por vários países da América Latina. Trata-se de um movimento das mulheres que carregam nas veias o desejo de mudança a partir do cotidiano de seus territórios: o corpo, a comunidade, a sociedade o planeta. Um movimento focado na construção e defesa dos direitos coletivos e não individuais, a partir da comunidade, da identidade das mulheres. Movimento sociopolítico de luta, com prática descolonizadora, anticapitalista e antipatriarcal.
Nas CEBs, podemos falar da existência ou da necessidade de um feminismo de base protagonizado por mulheres cristãs que rompem o silêncio e lutam por sua libertação em comunidade, e a partir delas se engajam nos movimentos feministas. As mulheres chegam às comunidades tímidas, estigmatizadas e passivas por sua identidade de gênero e condição social, cultural, racial. Em processo, numa convivência coletiva de partilha de vida, troca de saberes, reflexões e práticas de solidariedade umas com as outras, vão se compreendendo e valorizando como mulher, rompendo os silenciamentos e ocupando espaços.
Nesta dinâmica, as CEBs constituem importantes canais de formação, organização e luta de mulheres e homens contra o machismo, o racismo, as múltiplas violências e toda forma de dominação e opressão: tanto do capitalismo, que transforma as mulheres em mercadoria, quanto do patriarcalismo, que insiste em querer mantê-las sob o jugo do senhorio masculino nos espaços familiares, eclesiais, sociais e políticos. Para isso faz-se cada vez mais necessário avançar na compreensão, envolvimento e compromisso de tornar possível a utopia das CEBs como espaço de feminismo comunitário no qual a vida e as pautas de lutas das mulheres importam. Eu acredito que esta é uma utopia possível, e você?