A experiência das Comunidades Eclesiais de Base constitui um campo singular de análise dos processos de formação de cristãos leigos e leigas na Igreja Católica do Brasil. Desde seu surgimento, as CEBs têm sido espaços de formação religiosa e sociopolítica e, ao mesmo tempo, lugar de afirmação de uma cultura de participação e de solidariedade.
Uma parte importante da formação nas CEBs se dá na prática cotidiana: os/as participantes preparam e presidem celebrações sem a presença de padres; realizam a preparação para os sacramentos de iniciação cristã; participam e coordenam grupos de reflexão bíblica; refletem e tomam decisões que dizem respeito à comunidade; se organizam para atender as necessidades das pessoas vulneráveis. Participantes das CEBs, que muitas vezes tiveram pouco acesso à educação formal, são incentivados/as a expressar suas idéias e opiniões, a acreditar na própria capacidade. As CEBs têm ajudado a criar a noção de responsabilidade coletiva, desde o planejamento, a execução e a avaliação das atividades. E os conselhos comunitários são fundamentais neste aspecto.
Outra faceta da formação que acontece nas CEBs é a possibilidade de emergência, entre seus e suas participantes, de uma consciência social crítica e da cidadania ativa. As CEBs têm sido verdadeiras escolas de reflexão e de ação sobre os problemas vividos pela população. O método consagrado na Ação Católica (Ver-Julgar-Agir), assimilado pelas CEBs, muitas vezes está na base de mobilizações sociais por defesa e ampliação de direitos. O cotidiano das CEBs dá origem a um campo de valores e de práticas que seus membros carregam para outros espaços sociais, como escola, trabalho, vizinhança, organizações populares. Membros das CEBs têm sido apontados como pessoas com alta capacidade de falar em público e aptas a organizar atividades que reúnem grande número de pessoas, sempre valorizando a democracia de base e a ação coletiva.
Para além dessa formação que se dá na prática, as CEBs têm proporcionado inúmeras oportunidades de formação que se realizam tanto no interior das próprias comunidades, como por exemplo os cursos do mês da Bíblia, como em âmbitos mais amplos: nas áreas ou regiões que reúnem algumas CEBs, nas paróquias, dioceses, regionais, ou nacional. Estas atividades colocam em contato pessoas vindas de realidades semelhantes, um pouco ou totalmente diversas. E possibilitam o reconhecimento de problemas comuns, de jeitos semelhantes de crer e de viver a fé, contribuindo para a construção de um repertório comum e de identidades coletivas. E promovem a convivência fraterna, para além das realidades diferenciadas dos/as participantes.
São cursos que abordam as mais diversas temáticas e modalidades: temas teológico-pastorais, bíblicos, sociopolíticos, metodológicos, voltados para pastorais ou para ações específicas. Muitas destas são atividades pontuais, de curta duração. Outras são intensivas, ao longo de alguns dias ou fins de semana. Podem ter duração mais longa e grade mais complexa, inclusive há iniciativas de formação mais aprofundada, desenvolvidas ao longo de alguns anos.
A formação desenvolvida nas CEBs tem inspiração no método Paulo Freire de educação popular, que já era base das atividades do MEB (Movimento de Educação de Base), criado na década de 50 do século XX. Trata-se de uma proposta educativa que procura partir e valorizar a experiência dos sujeitos educandos/as, seus saberes e a cultura popular. Entretanto, é interessante perceber que nas CEBs se costuma falar em “formação”, e não em “educação” ou “capacitação”. Além disso, em muitos lugares se prefere utilizar o termo “encontros” de formação, no lugar de “cursos”. Penso esta terminologia foi se consolidando para se distinguir de processos de educação formal. E a ideia está por trás do termo “formação” não é a de colocar numa “forma” (de bolo), para limitar, enquadrar. Mas a de possibilitar a constituição da pessoa, seu desenvolvimento integral, no encontro que favorece a troca de saberes e a construção coletiva do conhecimento.
Neste pouco mais de meio século de existência, as CEBs se tornaram espaços de formação de verdadeiros sujeitos eclesiais e sociais. Todo este caminhar não se deu, no entanto, sem dificuldades e contradições. Assunto para nossa próxima coluna.