Por Luis Miguel Modino, publicada no portal do IHU.
Ele entende o ministério em função da missão, desde a abertura, desde uma perspectiva de encontro, numa Igreja que conversa e sabe escutar, começando pelos seus dinamismos internos, uma Igreja dialogal, sinodal.
Os seminaristas de hoje fazem parte de uma juventude “muito mais massacrada desde o ponto de vista humano, das suas esperanças, dos seus sonhos”, mas também “na sua interioridade, nas suas perspectivas, nas suas esperanças, nos seus sonhos do que a juventude do nosso tempo”, afirma o reitor do Seminário São José.
Numa Igreja sinodal, os padres, para serem sinodais, têm que ser envolvidos em processos sinodais, algo que segundo o padre Zenildo Lima não acontece no seminário, onde os jovens vivem restringidos ao ambiente de seminário, sem ter em conta “outros sujeitos também fazem parte do processo formativo diretamente”.
O reitor do Seminário São José fala da necessidade de “pautar uma pastoral vocacional na perspectiva da missão, e consequentemente o engajamento ministerial, engajamento de eclesialidade, de serviço à missão, menos pautado nesta realização pessoal, subjetivista do indivíduo, mais a gente vai ter uma pastoral vocacional mais eficaz”.
Eis a entrevista.
Depois de 25 anos de sacerdote, qual a leitura que faz?
Nesses dias eu estou pensando muito nisso, porque estou fazendo de fato esta releitura, qual era a concepção do ministério que eu tinha, há 25 anos atrás, e qual é a concepção do ministério que eu tenho hoje. E essa concepção está sendo muito iluminada por aquele que vai ser o Evangelho dessa missa que a gente vai celebrar para comemorar os 25 anos: Jesus que se abre aos novos horizontes da missão.
Sinteticamente, se poderia dizer numa chave de releitura, que eu compreendo hoje o ministério como uma realidade como uma realidade muito mais aberta, muito mais dirigida a outras pessoas do que aquelas categorias que eu pensava há 25 anos atrás.
Eu pensava em ser padre para a Arquidiocese de Manaus, para as comunidades da Arquidiocese de Manaus, e para os católicos dessa comunidade. Hoje, eu compreendo o ministério para a Igreja que está na Amazônia, para a categoria de pessoas que não estão necessariamente nas comunidades eclesiais. Tem uma abrangência, uma abertura.
Como ser padre hoje numa realidade que 25 anos atrás estava presente na vida da Igreja, mas digamos que estava congelada, e que hoje marca a vida da Igreja, que é uma Igreja sinodal?
Esta pergunta parece muito com a homilia que o bispo fez no domingo da nossa ordenação. Ele perguntava qual a atualidade do ministério do padre. A gente estava beirando o ano 2000, era 96, qual a atualidade do ministério do padre para tempos tão diferentes. E me dei conta que se achamos que a nossa perspectiva é de enfrentamento, cada vez mais a realidade parece desafiadora para o ministério do padre. Se a perspectiva é de encontro, cada vez mais, ela é interpeladora para o ministério do padre.
Nesse sentido, a Igreja sinodal é uma Igreja muito mais de encontro do que de enfrentamento, é uma Igreja que conversa, a partir de si mesma, sabe escutar os seus dinamismos internos. Mas também uma Igreja que é dialogal, que conversa com essa realidade, que ela é desafiadora, mas não é ameaçadora. Aquilo que vale para a Igreja, vale para o ministério, uma Igreja sinodal, uma Igreja que deixa de ser uma Igreja de enfrentamento, no sentido de se confrontar, de enfrentar tudo aquilo que a realidade está trazendo, para ser uma Igreja de encontro.
Agora, essa experiência do encontro vai exigir dela outros tipos de enfrentamentos, mas não aqueles que ameacem a institucionalidade da Igreja, nem que ameacem a institucionalidade do ministério, enfrentamentos em relação a toda a realidade que ameaça a vida. De novo nessa linha da abrangência, sinodalidade hoje é sinal de encontro, encontro dentro da realidade da dinâmica da Igreja, encontro da Igreja com o mundo, Gaudium et Spes.
Ao longo dos 25 anos, a Igreja lhe confiou diferentes serviços, já foi pároco, foi secretário executivo do Regional Norte 1 da CNBB, e agora é reitor do seminário. Antes de ser padre, foi seminarista e hoje acompanha a vida dos seminaristas. Qual a diferença entre os seminaristas de hoje e os seminaristas de 25 anos atrás, entre a formação presbiteral de hoje e aquela que vivenciou 25 anos atrás?
É uma diferença que vai na linha da diferença das juventudes de 25 anos atrás das juventudes de hoje, do contexto de 25 anos atrás do contexto de hoje. Não é possível que a gente faça nenhum tipo de analogia ou de comparação valorativa, o que exige de nós é mais uma capacidade de leitura. Há 25 anos atrás a gente vivia um contexto com uma seria de exigências sobre nossa geração. A gente tinha que entrar mais em situações de enfrentamentos, a gente tinha uma realidade social de bastante dureza, falo de 1989, que foi o ano em que eu ingressei no seminário.
Hoje nós temos uma juventude que enfrenta outros dramas. Na nossa época havia uma latência muito grande dos desafios sociais, de conjuntura que nos rodeavam. Hoje eu vejo a juventude muito mais massacrada desde o ponto de vista humano, das suas esperanças, dos seus sonhos. Nós somos tentados a perceber na geração dos seminaristas de hoje uma fragilidade maior do que a nossa, mas eu acho que seria precipitado fazer uma afirmação assim.
Talvez eu posso dizer que é uma juventude mais massacrada, na sua interioridade, nas suas perspectivas, nas suas esperanças, nos seus sonhos do que a juventude do nosso tempo. Então, a formação presbiteral tem que levar em conta isso. Uma das dificuldades que eu tive no início desse serviço como reitor do seminário, era porque todas as minhas referências eram do meu processo formativo, que não tem mais quase nada a ver com os processos de hoje. Hoje, a gente lida com uma outra juventude, que exige um outro cuidado.
O mais arriscado, ou esse é o discernimento que tento de fazer, é que isso não implica que a gente diminua as expectativas do ministério ordenado para que seja um ministério mais light, continua sendo um ministério muito exigente. E talvez isso implica que a gente acabe exigindo demais da juventude de hoje.
No Seminário Arquidiocesano São Jose de Manaus são formados padres para as 9 Igrejas do Regional Norte 1 da CNBB. Como formar hoje padres com um talante sinodal para a Igreja da Amazônia?
Eu escrevi um artigo sobre isso, que radicalmente a formação tem que ser sinodal. Para formar um padre sinodal, é preciso que ele seja envolvido em processos sinodais, e querendo ou não, a nossa estrutura de seminário, ainda é uma estrutura pouco sinodal, muito pensada e muito terceirizada. Nós retiramos os jovens de convivências dialogais, me refiro à família, a outras realidades, às comunidades eclesiais, e restringimos muito ao jovem a esse ambiente de seminário.
É preciso compreender que outras pessoas e outros sujeitos também fazem parte do processo formativo diretamente. A comunidade forma, a Igreja local forma, as relações que se estabelecem, mesmo fora deste ninho do seminário, ela forma também. É preciso que o seminário se torne mais dialogal, que a formação presbiteral se torne mais sinodal, para que nós tenhamos presbíteros mais sinodais. Senão, a gente vai propor uma ideia de sinodalidade para o presbítero dentro de uma estrutura pouco sinodal que ainda é o seminário diocesano.
Na Igreja da Amazônia, uma realidade muito presente são as distâncias, e em consequência disso a solidão dos padres, sobretudo no interior da Amazônia. São João Maria Vianney viveu essa solidão e essas lutas internas numa realidade diferente, mas similar. Como ajudar hoje, desde a formação inicial, mas também desde a formação permanente do clero, a enfrentar essa realidade que os padres da Amazônia vivem em muitos ambientes?
Aqui a gente tem duas vertentes da gente enfocar essa questão da solidão. Uma é essa realidade geográfica da região, a solidão é uma realidade nua, crua, direta, de quem vive em comunidades distantes, de quem vive em cidades pequenas. Esses jovens são formados nessa metrópole, e durante 7 anos vivem aqui uma dinâmica de mobilidade e de encontro muito intensa, para depois voltar para as comunidades e viver situações de isolamento. Esse é um dado, aquele que a própria realidade impõe para nós.
Mas também há outros dinamismos que empurram para a solidão, o modelo como a gente aprende a conviver ou não conviver as relações da gente, o modelo como a gente opta por estabelecer vínculos, laços com as pessoas. A solidão se torna também um problema para os padres que estão aqui nessa capital, de mais de dois milhões de habitantes. A gente tem que criar estruturas mais leves, modalidades mais leves de convivência presbiteral.
O desafio da formação permanente que está emergindo nesses últimos tempos, sobretudo pelo que a gente tem assistido na Igreja do Brasil, com a questão do suicídio de padres, está exigindo de nós, de um modo muito intenso a capacidade de estabelecermos relações de amizade, de proximidade. Dentro do que a gente podia falar de caminhos mais informais, mas não menos consistentes de convivência presbiteral.
Um outro caminho também, a gente ter uma estrutura de Igreja mais ministerial. Enquanto a nossa ministerialidade for muito verticalizada, isso tende também a empurrar para blocos de solidão. O ministério do bispo é um ministério extremamente solitário, o ministério do padre é um ministério extremamente solitário, e os leigos, que são mais ministeriais, que são mais comunionais, acabam se segurando melhor do que nós. Então somos nós que temos que aprender deles a entrar numa dinâmica de Igreja ministerial, mais horizontal e menos vertical.
No Brasil o mês de agosto é o mês vocacional. Para alguém que tem vivido e desfrutado, evidentemente com momentos de crise, que devem ter acontecido, como animar hoje os jovens, ou a Igreja em geral, para viver a vocação e especificamente para poder se plantear uma resposta à vocação presbiteral dentro da Igreja?
Eu sempre acreditei, levando em conta todo aspecto subjetivo da questão vocacional, da liberdade do sujeito, a Pastores dabo vobis fala de encontro e liberdade, de Deus que chama e o sujeito que responde, mas a missão é o maior paradigma vocacional que a gente tem. Quanto mais a gente pautar uma pastoral vocacional na perspectiva da missão, e consequentemente o engajamento ministerial, engajamento de eclesialidade, de serviço à missão, menos pautado nesta realização pessoal, subjetivista do indivíduo, mais a gente vai ter uma pastoral vocacional mais eficaz.
Me assusta, me preocupa um pouco, uma avalanche vocacional muito entusiasmada por um modelo ministerial bastante subjetivo ou subjetivista, por um modelo ministerial bastante centrado na pessoa. Eu acho que quanto mais a gente promover uma pastoral vocacional centrada na missão, mais a gente vai ter de fato, vocações que correspondam para a missão que a Igreja desenvolve aqui, no lugar, como nossa região amazônica.