Tudo começou como um comentário. Por isso, não esperem citações bíblicas ou de documentos da Igreja. Falo a vocês como um irmão, que em sua limitação propõe uma reflexão. Peço apenas que não usem o texto para mais ataques, seja qual for a sua posição.
Sabem amigos, fui criado na Igreja. Desde muito pequeno frequento as missas com minha família. Graças a Deus, a Virgem Maria, os Apóstolos, Santos, à Igreja e, em grande parte, à minha mãe, que fez a primeira catequese em minha casa.
Sou de 1971, então só me dei realmente conta da comunidade eclesial lá pelos anos de 1976. Posso falar de muitas coisas sobre a Igreja, desde as orações do terço nas casas, procissões, toda a devoção popular da maioria de nós. Tudo o que aprendi na Igreja me enche de orgulho e acredito que certamente esses caminhos nos levam até Deus.
Mas uma das tradições da Igreja que aprendi desde cedo a admirar e seguir é a Campanha da Fraternidade. Desde cedo admirava as temáticas que pareciam falar das coisas e dos problemas que assistia na TV nos jornais.
Problemas que pareciam difíceis de solucionar: fome, crianças abandonadas, terra para quem trabalha, a falta de moradia, a importância da família… Era criança, mas me encantava com as letras das músicas que ensaiavam antes das missas, as propagandas na TV, as aulas de catequese, as gincanas e via sacra… Recebi a Primeira Eucaristia, o sacramento do Crisma, participei no grupo de jovens, e a Campanha da Fraternidade continuava me acompanhando.
Até que em 1992 veio a CF sobre a Juventude (“Juventude, Caminho Aberto“). Era o nosso momento. A Igreja nos chamava para sermos mais do que cantores ou ajudar nas festas. Ela queria ouvir a nós, jovens católicos, sobre problemas que nos afetavam diretamente, Educação, Trabalho, nossas angústias, nossa linguagem, jeitos de ser…
A Igreja não queria que fôssemos todos iguais, mas, a exemplo de Jesus, mostrava que nos acolhia do jeito que éramos, sem discriminação ou preconceitos. Sem o autoritarismo dos adultos, mas com a misericórdia do Pai que acolhe o filho que vende seus bens e sai de casa, em busca da liberdade.
“O Tempo não para, chegou minha hora…” O refrão do hino da CF falava alto em meu peito. “De braços erguidos a Deus ofertamos aquilo que somos…” Era só o que eu podia dar à Deus, como jovem morador do subúrbio do Rio de Janeiro. Eu e meus amigos – aqueles que fiz na Igreja e aqueles que levei para a Igreja – apostamos nesse chamado.
Fui aprofundando cada vez mais meu papel de cristão católico na sociedade. Aprendi que os meus problemas de jovem católico eram também os problemas de outros jovens não católicos. Percebi que a Igreja era muito maior do que o espaço físico da matriz. Que a Igreja era eu, e eu estava no mundo com a missão de transformá-lo em um lugar muito melhor, o Reino de Deus!
A Campanha da Fraternidade ampliou a minha compreensão do que significava ser cristão no mundo. Mostrou-me que temos um importante papel, como seguidores de Jesus Cristo, o de cumprir seus mandamentos entre as pessoas. E não de virar as costas para o que sofre, mas estender a nossa mão.
Hoje leio, com muita tristeza no coração, todo o ódio contra um trabalho que foi realizado para unir a Igreja, para nos ajudar a viver o Evangelho de Cristo no dia a dia. Vejo como algumas pessoas atacam inclusive ao próprio Papa Francisco.
Sendo assim, levanto algumas questões: será que, se estivesse errado o trabalho da CNBB, os Papas, desde Pio XII, não teriam acabado com ela? De quem estamos duvidando de fato, quando condenamos o trabalho da CF? Da CNBB ou da própria Igreja Católica Apostólica Romana, da qual fazemos parte?
Não quero entrar na briga ideológica sobre a Campanha da Fraternidade. Não sou ingênuo e em minha história na Igreja sei muito bem quem segue a Cristo e quem usa seu nome em proveito próprio. Mas também sei que muitas pessoas de boa intenção estão sendo arrastadas por esses aproveitadores.
Porém, nada sobrevive à desconfiança. Nem um casamento realizado por amor. Todo esse ataque e semeadura de discórdia, confusão e mentiras sobre a Campanha da Fraternidade só vão acabar fazendo mal a nós mesmos e à Igreja.
Talvez você não concorde com tudo o que a Campanha da Fraternidade diz a cada ano. Mas tudo é lixo? Não há nada que possa ser aproveitado? Não há nenhum ensinamento?
Eu já discordei de abordagens, termos e ideias que algumas campanhas traziam. Já achei algumas músicas ruins, outras menos adequadas, mas será que isso me dá o direito de querer acabar com todo um trabalho pastoral? De colocar em dúvida a capacidade e a intenção de quem participou do desenvolvimento? De quem compôs as melodias e as letras das músicas? De quem gravou documentários? Da apresentação do Papa na quarta-feira de cinzas, só porque a “linha” dele era diferente da minha?
Estamos cruzando uma perigosa linha que mais nos separa do que nos coloca em diálogo, assim como nos pede a CF 2021. Que coloquemos a mão na consciência durante essa Quaresma, e de fato olhemos para dentro de nós mesmos e pensemos a favor de qual projeto estamos trabalhando.
A Campanha da Fraternidade sempre foi um convite, nunca uma imposição. Mas de uma coisa eu sei. Quando a Igreja nos convida é o próprio Jesus quem está nos convidando, assim nos ensina nossa Fé. Um abraço fraterno a todos e todas.
(Esse texto foi originalmente postado no perfil do autor no Facebook)
* Reynaldo Silva foi da Pastoral da Juventude. Fez o CAJO (Curso de Assessores/as de Jovens) no extinto Instituto de Pastoral da Juventude de Porto Alegre. Atualmente é Professor de Física em uma escola estadual na Baixada Fluminense (RJ) e Coordenador de Pastoral do Colégio SIC-AIACOM, dos Padres Agostinianos, no Rio de Janeiro.