O relato a seguir é mais comum do que imaginamos. Contudo, embora seja comum, não deveria ser normal. Ele reflete o modelo de eclesiologia que perpassa em algumas dioceses do Brasil. O nome da pessoa envolvida é fictício para preservar a sua identidade.
Dona Rute é animadora de uma Comunidade Eclesial de Base numa Paróquia de periferia que pertence a uma Diocese onde as CEBs praticamente inexistem, pois o serviço reconhecido lá são os Grupos de Reflexão. Numa das reuniões do Conselho Diocesano de Pastoral, o coordenador dos Grupos de Reflexão que pertence a uma paróquia vizinha, não podendo participar da reunião, pediu para que Dona Rute o substituísse.
Ao iniciar a reunião, o padre, Coordenador Diocesano de Pastoral, solicitou que as pessoas se apresentassem e dissessem qual serviço estavam representando. Quando chegou a vez de Dona Rute, ela apresentou-se como animadora de uma Comunidade Eclesial de Base, sendo interrompida pelo padre, que fez questão de corrigi-la: “A senhora deve ter querido dizer: Grupos de Reflexão”. E ela: “Não. CEBs mesmo!” Meio irônico, ele perguntou: “O que vocês fazem lá nessas CEBs?”
Depois de explicar que procuravam viver como as primeiras comunidades cristãs, que se reuniam em torno da Palavra de Deus, que partilhavam o que tinham com as pessoas que precisavam e que celebravam…, o padre, sem esperar que ela terminasse lhe disse: “Tudo isso, os Grupos de Reflexão fazem!”. E ela replicou: “Se fazem, por que não se chamam CEBs?”. Ao que ele procurou deixar bem claro: “Porque o Plano Diocesano de Pastoral da nossa Diocese, não fala em CEBs e sim em Grupos de Reflexão. Acho que a senhora está fora de lugar”! Sentindo-se realmente fora de lugar, Dona Rute pediu licença e retirou-se. Voltou para a sua Comunidade Eclesial de Base, o seu lugar.
Por que é importante trazer esta reflexão para este espaço? Ao elaborar ou atualizar seus Planos Diocesanos de Pastoral, as Dioceses inspiram-se nas Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil em vigência. Estas servem de espelho para a ação eclesial das Dioceses, além de pretenderem uma caminhada de comunhão e participação.
Assim, o fato das atuais Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil não mais citarem as CEBs, permite que as CEBs também sejam omitidas nos futuros Planos Diocesanos de Pastoral, além de servir de argumento para alguns Coordenadores Diocesanos de Pastoral que, lamentavelmente, sequer sabem o que são as CEBs.
As “Comunidades Eclesiais Missionárias” citadas nas atuais Diretrizes têm os mesmos traços característicos das Comunidades Eclesiais de Base. Isso confirma que as CEBs já nasceram missionárias, são fruto da eclesiologia do Concílio Vaticano II, nasceram sob o impulso do Espírito Santo. Ser missionárias é da natureza das CEBs. Inclusive as mesmas Diretrizes afirmam que “Toda comunidade cristã, é essencialmente missionária, Igreja em saída” (nº 36). Mas, onde reside o “problema” em citar que são de “base”?
As CEBs são constituídas por pessoas que formam a base humana: homens e mulheres, jovens e crianças, adultos e idosos, vizinhos de rua, povoados, trabalhadores do campo ou da cidade, que acreditam numa Igreja viva. É inegável a presença e atuação das CEBs nestes mais de 50 anos junto aos pobres, possibilitando que eles se tornem sujeitos da evangelização. Por que negar esse jeito de ser Igreja que emerge do chão, que emerge da base?
Fica para nós o compromisso de cada vez mais reafirmarmos o rosto das CEBs historicamente inspiradas pelas Conferências Episcopais de Medellín (1968) e Puebla (1979), confirmadas por Santo Domingos (1992) e reanimadas por Aparecida (2007), documento no qual os bispos da América Latina e Caribe reconheceram que “as Comunidades Eclesiais de Base são escolas que ajudam a formar cristãs(os) comprometidos com sua fé, discípulos(as), missionários(as) do Senhor, como testemunhas de uma entrega generosa (…). Elas abraçam a experiência das primeiras comunidades, como estão descritas nos Atos dos Apóstolos (At 2,42-47 – DAp 178).
Enquanto isso, muita gente da base encontrou um jeito de continuar fiel às CEBs: “Somos das Comunidades Eclesiais Missionárias de Base”. Ou seja, das Bases não fujo!
Novembro de 2020