No início dos anos 2000 muitos estudiosos da Igreja Católica no Brasil dirigiram seu interesse para a Renovação Carismática Católica (RCC). Alguns partiam de uma avaliação de que as Comunidades Eclesiais de Base, tão importantes para a Igreja Católica e a sociedade brasileira nas décadas anteriores, haviam desaparecido, ou estavam em decadência. Mais sério que isso, agentes de pastoral, e mesmo alguns bispos, passaram a dizer que as CEBs não existiam mais.
Naquela época, o Iser Assessoria continuava acompanhando as CEBs em diversas regiões de nosso país e, por isso, sabíamos que se tratava de uma falsa premissa. As CEBs estavam vivas. Se bem que em muitas regiões haviam perdido prestígio, apoio e relevância no interior da Igreja Católica. Ao mesmo tempo em que outras experiências ganhavam visibilidade e incentivo em diversas dioceses. Era um contexto marcado pela maior diversidade do campo religioso brasileiro, com o crescimento das igrejas neopentecostais; pelo avanço do projeto centralizador de Roma e suas repercussões na América Latina; e pela implementação de políticas neoliberais nos anos 90, e seu impacto sobre a mobilização social. Aqui não há espaço para retomar mais detalhes da dinâmica sócio-eclesial duplamente desfavorável daquele período. Ao mesmo tempo, como relatei na coluna passada, assessores/as e articuladores/as que apoiavam as CEBs começavam a se perguntar o que de fato aconteceria no cotidiano das CEBs, que não era revelado nos festivos Intereclesiais. E aqui cabe uma correção: este debate aconteceu em um seminário de preparação do 10º Intereclesial (Ihéus/2000), e não em preparação ao 9º encontro.
Foi partindo destas questões: “As CEBs morreram, ou estão em crise?”, “Como elas vivem seu dia-a-dia?”, “Como o novo contexto social e religioso impacta as formas de existir e de atuar das CEBs?” que o Iser Assessoria realizou em 2003 uma pesquisa sobre o Cotidiano das CEBs. A proposta era ambiciosa: fazer uma pesquisa nas diversas regiões do país. Mas como não havia recursos disponíveis, resolvemos fazer um projeto piloto, afinando a metodologia, em dois estados brasileiros (RJ e MG), que não dependiam de deslocamentos aéreos.
Foram escolhidos três âmbitos para serem analisados: a dinâmica celebrativa; a organização comunitária; e a prática social e política, levando-se em conta, ainda, as diferenças e desigualdades relacionadas a gênero, geração e classe social. A pesquisa teve dupla abordagem: um mapeamento de 67 comunidades, entre as indicadas pelas comissões de CEBs do RJ e de MG, tendo um questionário detalhado como instrumento de coleta de dados; e estudos em profundidade realizados em quatro destas comunidades, uma urbana e uma rural em cada estado. Foram feitos com a presença de pesquisadores/as de campo que permaneceram duas semanas no local, observando e acompanhando as atividades, entrevistando pessoas e grupos. Cada pesquisador/a elaborou um relatório pormenorizado, reunindo as informações em um quadro temático fornecido pela equipe que coordenou o projeto. Isso permitiu a classificação, comparação e análise do material coletado.
Mesmo com abrangência restrita a dois estados, a investigação feita naquela época reuniu informações relevantes sobre as continuidades e as transformações pelas quais as CEBs passavam, e que possivelmente ocorreriam em outras regiões do país.
A pesquisa nos dois estados concluiu que as CEBs continuavam vivas e atuantes, mesmo sem ter muita visibilidade. Constituíam uma experiência consolidada, pois a maioria existia há mais de 20 anos. Mas cerca de 22% das CEBs mapeadas haviam surgido há menos de dez anos, indicando que a dinâmica de sua criação continuava. Outras conclusões são apresentadas em nove tópicos: participação de jovens; de mulheres; composição social; espiritualidade bíblica; ministérios leigos; dinâmica participativa; relações com a RCC; formação; e papel ativo na sociedade.
Um resumo do relatório final foi publicado no caderno As CEBs Hoje (Iser Assessoria / CEBI, 2004). Os links que seguem trazem uma notícia sobre a pesquisa (https://portaldascebs.org.br/2018/06/06/caderno-as-cebs-hoje/) e a íntegra do caderno (https://drive.google.com/file/d/1sbVCg6rTlVH5H3URnrLNjA1VaPO_x0SN/view).
Passadas quase duas décadas, seria muito interessante refazer e ampliar esta pesquisa, para saber da situação atual das CEBs. Fica o desafio!