O dia 7 de setembro é a data em que é celebrada a Independência do Brasil, até então colônia de Portugal. Registram os anais que no dia 7 de setembro de 1822, às margens do riacho do Ipiranga, em São Paulo, Dom Pedro I proclamou a separação do Brasil do reino colonizador com o grito “Independência ou morte!” A expressão ficou imortalizada, assim como a cena, sobretudo pela famosa pintura de Pedro Américo. A letra do hino nacional brasileiro, de autoria de Joaquim Osório Duque-Estrada, muito contribuiu para reforçar a referência ao “grito de independência”, já que seu primeiro verso diz: “Ouviram do Ipiranga às margens plácidas / De um povo heroico o brado retumbante”.
É muito significativo que a referência brasileira para falar de sua independência passe pela expressão “grito”, que é uma exclamação sonora forte para chamar alguém, pedir socorro, exprimir dor ou anunciar algo novo. Um brado chama a atenção de quem o escuta. Da parte do sujeito que grita está o interesse ou a urgente necessidade de ser ouvido. Da parte do ouvinte, a possibilidade de voltar a atenção para quem gritou e para decodificar a mensagem emitida.
Gritos são ecoados a todo momento. Nossos olhos se abrem para a história simultaneamente ao grito do primeiro choro, reação natural ao contato primeiro com o ambiente externo ao útero da mãe. Para o recém-nascido é um grito que expressa dor e vida. Para os pais, é um grito que arranca lágrimas de alegria pelo nascimento da prole. Quantos outros gritos cada pessoa dará ao longo de sua vida? E por quais motivos?
No Brasil, país marcadamente desigual, os gritos têm um forte teor social. Gritam os vendedores ambulantes e os feirantes, expondo seus produtos na esperança de comercializá-los. Gritam as torcidas, ora incentivando os jogadores ora provocando os adversários. Gritam os pregadores, entusiasmados, acreditando que a força da palavra de Deus se confunde com os decibéis de seus aparelhos de som. Gritam as diferentes classes de trabalhadores em protestos por melhores condições de trabalho e de justiça nas relações trabalhistas. Gritam mães e pais nas portas dos presídios em motim, aguardando desesperados as listas dos presos mortos. Aqui e acolá alguém grita com o outro na tentativa de convencer ou, até mesmo, como expressão de ódio e de agressão.
Os cristãos também gritam em favor da justiça e da paz. Essa atitude pode parecer uma contradição. A justiça e a paz poderiam ser alcançadas “no grito”? Certamente esse não é o melhor caminho. No entanto, quando queriam calar a voz dos discípulos, Jesus não hesitou em dizer: “Se eles se calarem, as pedras gritarão” (Lc 19,40). Nestes tempos de exclusão, obscurantismos, retrocessos, aumento da desigualdade social é necessário e legítimo gritar, pois queremos independência e vida. Queremos liberdade e dignidade. Para isso, pela defesa da vida, pelo direito e pela justiça, gritemos juntos o lema do 26º Grito dos Excluídos: Este sistema não vale!
+ João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo Metropolitano de Montes Claros
Artigo publicado no site: https://arquimoc.com/
Foto de Capa: UOL