Prefeita e Mártir do Povo – MUNDO NOVO-MS – 30/10/1999
Memória de 20 anos de seu Martírio.
Dorcelina nasceu no Paraná, em 1963 e foi assassinada em Mundo Novo, MS, com apenas 36 anos de idade, na varanda de sua casa, no dia 30 de outubro de 1999.
Dorcelina iniciou sua luta social na pastoral da juventude, nas comunidades eclesiais de base, na pastoral da terra e na pastoral familiar, foi líder do Movimento Sem Terra, militante do PT, e prefeita do povo no mais autêntico sentido da palavra. Símbolo da resistência contra a corrupção, amante da natureza, lutadora pela reforma agrária.
Irradiava coragem e esperança. Eleita prefeita numa vitória popular que enfrentou as ameaças do latifúndio e do narcotráfico, mereceu mais de 80% de aprovação popular.
Tem sido definida como eficientíssima “deficiente (pela poliomielite), mãe militante da vida e da ética, alegre e intensa, autodidata, artista plástica, educadora, verdadeira, solidária, cristã”. Recebeu o prêmio Marçal de Souza de 1999.
O Evangelho esteve sempre presente em sua vida. A Bíblia ficava sempre aberta, em sua sala da prefeitura, precisamente no Salmo 27: “Javé é minha luz e salvação; de quem terei medo?”
Dorcelina Folador
Quisera intitular este poema
Com dosséis de flores, bem suficientes,
Todas nuas e inconformadas pelo vento.
Quisera a suavidade e as penumbras
Que chegam sempre do leste, em movimento.
Uma menina no balanço, uma taça
De água limpa colhida ali no monte.
Uns longos dedos cultuando o corpo
Em hipérbole, até nascer semente.
Um culto à sombra que afugenta
O estágio último da lua, arqueada no infinito.
Quisera um orvalho sobre as letras,
Pronto para escorrer no perfume esmaltado na manhã.
Um fio alongado sobre o nada, sempre mais,
Até romper a etérea finitude dos corpos.
Uma ave suspensa numa vírgula, essa que Deus
Inventou para um suspiro diminuído
Antes da palavra final.
Quisera estas coisas pendulares que te cercaram.
Que te deixaram lágrima. Que te fizeram sombra.
Que te visitaram no meio da escuridão
Quando tudo era suspeito, contraído, sóbrio como o medo.
Que te mostraram o vazio. Que te assanharam os pêlos.
Que não te desviaram o rumo.
Quisera teu vigor. Teus motivos e alegorias.
Quisera o que ninguém soube. O que não contaste.
Porque foi isto somente — as insignificâncias,
Que te fizeram mulher, mais Dorcelina,
Por dentro e por fora, o nome do meu poema!
Texto retirado da Galeria dos Mártires, no Santuário de Ribeirão Cascalheira, MT.Poema do livro: Raízes, Memorial dos Mártires da Terra, de Jelson Oliveir