A vida religiosa sempre foi presença determinante na evangelização da Amazônia. As Irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo chegaram na região amazônica mais de setenta anos atrás. Atualmente sua coordenadora regional é Elsie Vinhote, nascida em Borba, na beira do Rio Madeira, afluente do Amazonas.
Escutar as pessoas que nasceram, cresceram e vivem sua vida religiosa na região, pode ser uma boa metodologia para encontrar pistas que permitam avançar nos novos caminhos para a Igreja e para a ecologia integral propostos pelo Sínodo da Amazônia, que a religiosa vê como “um olhar do carinho de Deus pela Amazônia”, como “uma forma de escutar como atuamos aqui, e a vida religiosa, a Igreja, se encarna na vida cotidiana do povo”.
Um dos grandes desafios para a Igreja na Amazônia são as comunidades do interior, onde a presença é muito esporádica. Por isso, a irmã afirma que “o trabalho é estar com eles, ajudar no processo de liderança, de crescimento… com mais tempo, para conviver com eles, escutá-los, e ter mais formação, formação processual, sistemática”. De cara ao Sínodo, os novos caminhos, segundo a religiosa, têm que ser “preparação de lideranças, dar oportunidade para as pessoas daqui”.
Na Amazônia se faz necessária uma Igreja em saída, porem a irmã Elsie pensa que “a formação ainda está muito voltada para o templo”. Tem que se fazer presente “esse Deus que ama primeiro, que vai ao encontro, que chega…, falta muito essa saída, e na formação eu creio que está faltando isso”. Ela afirma que a formação provoca que muitas religiosas e padres se distanciem do povo.
Qual é sua impressão de cara ao Sínodo como amazonense e religiosa, o que isso significa desde essas duas perspectivas?
Como mulher amazonense é um olhar do carinho de Deus pela Amazônia, que não é só agora, mas agora parece que se expressa um pouco mais através do Sínodo. Mas ao mesmo tempo, segundo o tema, novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, é uma forma de escutar como atuamos aqui, e a vida religiosa, a Igreja, se encarnar na vida cotidiana do povo.
Como indígenas ou descendentes de indígenas, ou como dizemos no Amazonas, somos descendentes das três raças, uma mistura de migrações também, é um sentimento ao mesmo tempo de alegria, de reconhecimento, mas um olhar para dizer que nesses quinhentos anos, ou trezentos anos na Amazônia, ou duzentos anos na minha Prelazia, que é Borba, a evangelização, ao mesmo tempo que ela evangeliza, ela forma lideranças, também dispersa um pouco das lideranças, porque as vezes as lideranças não estão muito presentes nas próprias decisões da Igreja. As lideranças da Amazônia ficam um pouco a parte da realidade.
Essa presença da Igreja na Amazônia, sobretudo nas comunidades mais distantes, não tem sido tradicionalmente uma presença muito esporádica?
Muita desobriga, como dizia, na minha Prelazia de Borba, a atenção maior foi na cidade, Nova Olinda, Borba, Novo Aripuanã, Autazes. No interior, tem uma visita esporádica para os sacramentos, para a formação no tempo da Campanha da Fraternidade, encontro de catequese de maneira geral, isso na minha época. Agora sentimos que ainda existe essa formação, porém, é muito esporádica, essa é a palavra.
Eu trabalhei em Itacoatiara durante três anos, e acontece que num ano vai e no outro ano as pessoas até já mudaram de religião, porque parece que é mais fácil, ou eles chegam mais, ou então tem mais empoderamento. Como um pastor de repente vira pastor e para estudar para ser padre ou leigo comprometido é difícil, às vezes é difícil chegar na cidade. Não vou dizer que a formação dos evangélicos é melhor, só que ela é muito rápida, se centra na Bíblia e eles já vão pregando. A nossa, para celebrar culto, para fazer encontros, as vezes tem dificuldade de lideranças, de comunicar.
Nós como Adoradoras, quando avaliamos, dizemos sempre que se saímos de um lugar e o povo não sabe fazer, sinal de que estamos fazendo por eles, não com eles. Não empoderamos, fazemos por eles e as lideranças ficam dependentes de uma vida religiosa, de um padre, de uma liderança. Eu penso que o trabalho é estar com eles, ajudar no processo de liderança, de crescimento. Eles devem assumir as suas próprias responsabilidades na comunidade, não depender do padre, da irmã que vem uma ou duas vezes ao ano.
Essa presença do padre, das irmãs, não deveria ser muito mais formativa, procurando a autonomia das pessoas, do que sacramentalista?Sim, isso eu penso, deveria ser com mais tempo, para estar com eles, conviver com eles, escutá-los, e ter mais formação, formação processual, sistemática e tanto na presença como deixar algum material para eles estudarem em grupos e depois fazer uma outra visita, partilhar o que eles aprenderam, seguimento formativo.
Mas muitas vezes, o que o povo espera, sobretudo dos padres, é o sacramento, que muitas vezes nem entendem o que realmente significa esse sacramento porque nunca ninguém explicou para eles.
As vezes a formação é muito rápida, faz uma formação e logo depois já vai celebrar o sacramento. Outras vezes, é no que chega tem que explicar e já realiza, ou encarrega os próprios leigos sem muita fundamentação e os leigos em algumas realidades, alguns coordenadores de comunidade, são mais, não sei se diz assim, exigentes, eles pedem participação, mas ao mesmo tempo é um pouco de imposição. O sacramento fica como uma forma de estar na Igreja porque senão não recebe, não é uma gratuidade, não sei se é uma forma de dizer.
Mas ao mesmo tempo, é uma herança cultural ter todos os sacramentos. Mesmo os que não participam, batizam, fazem a Primeira Comunhão, passa um tempo e, senão está participando, tem que crismar, tem que voltar para a Igreja. Aí sempre dizemos que a crisma é a celebração de despedida da Igreja porque depois sai. O bom é que o povo quer os sacramentos, quer ser batizado, quer fazer a Primeira Comunhão, depois os pais querem que os filhos se crismem, nem sempre os filhos querem se crismar, mas são os pais que querem, e alguns jovens, quando são de alguma pastoral, querem ser sacramentados, mas às vezes ficam muito mesmo no rito, sem uma fundamentação da vivência e do compromisso.
O que fazer para mudar essa dinâmica dentro das comunidades amazônicas?
Nós estamos aí com um livro da CNBB (Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil), o da Inserção à Vida Cristã (IVC, 207), que tem propostas. Eu estou trabalhando mais o documento 105 com os leigos, dando um incentivo nesse outro documento, fazer com que as famílias evangelizadas possam evangelizar às famílias, os vizinhos, os grupos próximos. Mas tem que partir com uma vivência como tínhamos em Nova Olinda, que é onde eu tenho mais experiência de comunidade, depois Itacoatiara, que tínhamos nossos círculos bíblicos, nossa Novena de Natal para o conhecimento, e ali, familiarmente fazer os encontros.
Agora, como minha família vive em Manaus, dada a situação de violência, nós fazemos em casa, Novena de Natal, Terço em Família, quando é celebração de aniversário. Depende de cada família, mas para que essa família seja dessa forma preciso chegar às famílias, convencer, conhecer, a aproximação que fala o Papa Francisco, acho que uma aproximação sem posição e falando dessa importância do Deus conosco.
Sempre digo quando vou para os encontros da juventude e em outras comunidades, a missa é uma profissão de fé, onde dizemos que Ele está no meio de nós. Temos que acreditar que Ele está no meio de nós, não só lá na Igreja, lá no templo, Ele está nas famílias, está nos grupos. E com um planejamento que envolva às pessoas, porque nós sempre dizemos que é muito importante isso, os missionários de fora e também os de dentro. Nós temos que envolver todas as pessoas no serviço, porque se envolve uma parte e outra não, fica a desejar.
Será que a Igreja na Amazônia, sobretudo o clero, está preparado para essa mudança que supõe deixar de ter o templo como referência para passar a ter a presença fora da Igreja, a presença nas casas?
Acho que a formação ainda está muito voltada para o templo, porque mesmo o Papa Francisco falando de uma Igreja em saída e vendo a vida de Jesus como Ele vai ao encontro dos discípulos, às vezes a gente pensa que isso é só um lazer, ou então faz só entre nós, não vai encontrar as pessoas onde estão. Eu li que em Salvador, a Pastoral do Turismo fez um programa muito bonito na última Semana Santa, porque nesse tempo as pessoas vão às cidades turísticas, para ir ao encontro.
As pessoas estão na praia, descansando, visitando a cidade e as vezes a Igreja ainda quer que as pessoas cheguem até lá. Com uma definição da fé, nós vamos, mas aqueles que ainda precisam amadurecer a fé, é preciso que façamos como Deus faz, vai ao encontro, Deus que ama primeiro. Mas esse Deus que ama primeiro, que vai ao encontro, que chega, ainda falta muito na nossa Igreja. A gente gostaria que as pessoas viessem ao templo, à Igreja. Falta muito essa saída, e na formação eu creio que está faltando isso, porque ultimamente encontrei os jovens da coordenação da Pastoral da Juventude e eles dizem, que aconteceu na formação da irmã fulana, do padre fulano, porque ele era do grupo de jovens, ele era da comunidade e agora ele é uma pessoa distante da gente? Para o jovem dizer isso, ele reconhece que na formação não houve um processo de como ele vivia na comunidade. Inclusive padres nossos, irmãs nossas.
Quando faz os votos, às vezes fica num ministério mais para dentro, não para fora. Isso é um desafio na minha congregação. Quando nós falamos que temos que trabalhar o carisma, porque muitas vezes nas paróquias, o clericalismo e o machismo ele está acentuado, as irmãs tem que trabalhar três irmãs um salário mínimo, a congregação que tem que dar a outra parte, e daí sai tudo. Os padres não sei se ganham um ou dois, mas às vezes eles têm mais direitos do que as irmãs. Quando eu digo vamos trabalhar procurando o auto sustento, aí já fica um pouco mais difícil porque elas se preparam para dar aula, assessorar encontros e vai ter que fazer crochê, bolo para vender, mais ou menos essa ideia.
É difícil porque a gente tem que se auto sustentar, as paróquias não estão mais nos valorizando no sentido de que liberem às irmãs para o serviço também. Algumas irmãs já disseram, vamos trabalhar entre nós, no nosso projeto “Semente Esperança”, nas nossas escolas. Aí eu sinto que é um voltar-se para dentro. É claro que dentro daí tem as pessoas, tem as famílias, mas às vezes é retroceder. A intercongregacionalidade, estamos dentro desse desafio.
Voltando ao tema do Sínodo da Amazônia, quais são os elementos que podem fazer que o Sínodo da Amazônia se torne presente na vida do povo e que provoque o surgimento desses novos caminhos que o Sínodo quer?
Agora tem o Documento Preparatório e não só esse documento. Penso que nós como religiosos, agentes de pastoral, toda a Igreja tem que dar essa Boa Noticia a todas as comunidades, às escolas também, porque às vezes pensa que é aos grupos da Igreja, das pastorais. Penso que a escola é um campo grande de evangelização, na própria paróquia, nas famílias, nos meios de comunicação. Todas as oportunidades, e não somente vamos falar de nós, mas nós também estamos incluídos nessa perspectiva.
Diante do Sínodo eu sempre estou com uma interrogação, que novos caminhos são esses, será que não são os velhos caminhos? Novos caminhos como preparação de lideranças, dar oportunidade para as pessoas daqui, tanto na preparação como na inclusão, porque às vezes não tem muita preparação, porque também as pessoas têm o mundo do trabalho, tem sua família para cuidar, as religiosas têm vários tipos de serviços e às vezes não tem muita formação e quando tem, não é incluída no processo.