Mais de 400 lideranças se unem na construção de diálogos democráticos contra o avanço do autoritarismo
Com o tema “Égbé – eu e o outro”, o Encontro Nacional de Povos de Terreiro é realizado em Belo Horizonte (MG) desde quinta-feira (13) até o próximo domingo (16). A programação contém análises sobre a conjuntura política do Brasil e do mundo, mesas de discussão sobre temas como mulheres negras e saberes ancestrais, racismo religioso, representação simbólica das culturas negras e das religiões de matriz africana, educação e estratégias de defesa dos corpos e da natureza, entre outros.
Segundo o Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-brasileira (Cenarab), o objetivo é analisar com profundidade o cenário atual para que sejam traçadas, coletivamente, estratégias e táticas de luta, resistência e organização.
Fabya Reis, Secretária de Estado da Promoção da Igualdade Racial da Bahia, reforça a importância do encontro para discutir e traçar estratégias contra o racismo religioso, e de continuar organizando os povos de terreiro para garantir políticas públicas de combate à intolerância. Ela valoriza a força ancestral das religiões de matriz africana para subverter a dor da escravização forçada e o processo de negação de direitos.
“Fomos submetidos à barbárie civilizatória da escravização de pessoas livres. Não deixemos aprisionar nossas mentes, e no esforço de viver os desafios contemporâneos – parafraseando também mãe Estela, nossa saudade –, tenho a certeza de que o nosso tempo de agir é agora pela vida dos jovens negros, pela vida das mulheres negras, pelos povos de terreiro livres, por ‘Lula Livre’, sim”, ressaltou.
A mesa de abertura trouxe para o debate a conjuntura internacional, de modo a pensar como os povos de terreiro podem formular um processo de resistência contra os avanços do autoritarismo nos territórios. A resistência é celebrada a partir da ancestralidade, do cuidado e do respeito. Assim, as lideranças presentes iniciam o compromisso de lutar conjuntamente contra a injustiça social e combater o preconceito com as religiões de matriz africana.
Representantes do Brasil, Venezuela, Haiti, Estados Unidos, Uruguai, Cuba e Nigéria trocaram experiências de luta atravessadas pelo racismo institucional dos países e pelos retrocessos em políticas públicas de inclusão e aceitação dos povos de terreiro em todo o mundo – principalmente no atual contexto de ascensão de governos autoritários.
O primeiro passo para a organização política das religiões de matriz africana na luta por reconhecimento e liberdade é a unidade. É o que afirma a deputada estadual Andreia de Jesus, segundo a qual a organização e a unidade são o caminho para costurar tecidos de diálogo possíveis entre os que lutam. “Os europeus, ao colonizarem a América, globalizaram a África. Estamos hoje em vários países, nós somos maioria em vários países, e a nossa força está nisso”, disse.
Uma das propostas do encontro é articular um comitê de observação das denúncias de casos de racismo religioso, de violação aos direitos de negras e negros no Brasil e de ataque a práticas religiosas de matriz africana.
Nesta sexta-feira (14), dia de Greve Geral pelo Brasil, os participantes do encontro produziram uma carta em apoio aos manifestantes e contra a reforma da Previdência.
Publicado em 15 de junho de 2019 13h07 Por Agatha Azevedo
Da Página do MST
Confira na íntegra:
“Carta dos Povos de Terreiros em defesa dos direitos sociais e da Greve Geral
A lógica de sobrevivência e resistência mais antiga é nós por nós, sempre! Um princípio Ubuntu que é uma palavra africana com origem na língua zulu e que tem como significado: ‘’uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas’’ ou seja, EU SOU POR QUE TÚ ÉS.
Com esse sentimento amplamente secular de proteção aos valores mais fortes, nós Povos de Terreiro de esquerda, unidos no Encontro Nacional Ègbé – Eu e o outro, acreditamos e defendemos a importância e legitimidade do enfrentamento à crescente onda neofascista que assola o Brasil e os demais países da América Latina por meio de uma aglutinação aquilombada.
Somos mulheres e homens de Axé, muito diferentes, plurais, continentais, mas com algo que nos unifica: a fé, nossa ancestralidade, nossos terreiros. Sabemos através do Itans, Orikis, como a construção coletiva de nossas práticas religiosas se deram na diversidade de pensamentos. Hoje somos herdeiras/os de uma tradição mágica, na qual ser diferente foi fundamental para assegurar a manutenção da unidade na adversidade.
Desta forma, criar um espaço de compreensão de nossas posições políticas centradas no pensamento de esquerda é fundamental para consolidarmos uma aliança entre os que se organizam e têm como parâmetros as tradições de nossa religiosidade. Esta é, para nós, a forma mais eficiente de combate à teocracia no Estado brasileiro, ao racismo religioso e às intolerâncias correlatas.
A democracia e o estado laico vem insistentemente se fragilizando com as construções de arcabouços jurídicos com intencionalidades políticas afim de potencialização da ultra direta no pais, através de conspirações que enjaularam violentamente o companheiro Lula, por exemplo. E, nessa mesma linha o encarceramento da população negra, assim como o racismo religioso que torna robusta o sem-número de violações às religiões de matrizes africanas como os assombrossos dados trazidos pelos institutos de pesquisas na atualidade.
Nesse sentido, queremos um espaço de construção de uma grande “teia”, que construa os pontos de nossa unidade: sobreviver e resistir ao Estado neofascista, implantado em nosso país, partindo da premissa que a direita se organiza buscando avançar e destruir a unidade, a democracia e o estado de direito não só no Brasil, mas numa escalada mundial. E essa organização ela deve ser com o conjunto da classe trabalhadora. Só o povo organizado é capaz de derrotar as contra-reformas propostas pelo governo Bolsonaro, sobretudo a da previdência, a trabalhista e o desmonte da educação e do SUS.
Por isso, nesta sexta-feira (14), a capacidade de mobilização do povo brasileiro é um indicativo do tamanho da resistência das organizações do campo popular para enfrentar esse período. Reafirmamos que assim como muitos setores da classe trabalhadora, nós, os Povos de Terreiro, estamos construindo a luta e resistência cotidiana em nossas comunidades e nas ruas. A unidade da classe trabalhadora pressupõe a construção de táticas e de estratégias organizativas que também considere a na luta cotidiana em defesa de nossos territórios, de nossas tradições.
Portanto, além de reafirmamos a necessidade de buscar formas de juntas/os mantermos coesas nossas organizações, nossos templos e nossas práticas, também é preciso pensar que mais do que nunca nossa unidade é a possibilidade de sermos de fato o que na minha tradição se chama de Ubuntu: Só Somos Porque O Outro É. Por isso que nos colocamos em defesa dos direitos sociais e da Greve Geral como instrumento legitimo de luta, pois a unidade tecida entorno de um projeto político para o país, deve envolver a população negra deste país, que luta para manter viva a sua ancestralidade e sua existência.
Ègbé – Eu e o outro – Encontro Nacional dos Povos de Terreiro
Belo Horizonte – Minas Gerais, 14 de junho de 2019″.