Irmã Tea Frigério, mmx

Ensaiar uma nova imagem de Maria

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

12 de outubro de 2021 
Sou caipira pirapora
Nossa Senhora de Aparecida

Nossa Senhora de Nazaré, Aparecida… são muitas as denominações, os apelidos, não importa, todas no seu tempo, em algum lugar, em situações concretas da vida. Em toda denominação, Ela é reverenciada, enaltecida e, quase sempre, em sua maioria, pelas mulheres.

O que foi, o que aconteceu? Qual foi sua origem? Nos perguntamos a cada apelido oferecido.

Como belenense de adoção, vou fixar meu olhar sobre a Nossa de Nazaré, padroeira da Amazônia, Nazinha como carinhosamente é invocada em Belém do Pará. Experiência que está sendo vivida nestes dias e que muita relação tem com Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil.

O Círio de Nazaré, conhecido também como ‘Natal paraense’ começa com intensa peregrinação que acontece durante o todo o mês de setembro até a culminância da festa que se realiza no segundo domingo de outubro. 

Nesse período que antecede a festa, o protagonismo das romarias é das mulheres. Elas são as grandes lideranças, aquelas que assumem e facilitam o encontro: lideram a saída de casa em casa, as conversas, a troca de experiências, o fortalecimento na fé.  É um tempo forte, tempo de conversar, partilhar, se solidarizar. É tempo de tecer relações novas e de reatar relações rompidas. É tempo de…. Nesse contexto, a fé assume um colorido de libertação porque aproxima e gera vida. Sim também neste tempo de pandemia, salvos os cuidados sanitários!

Na véspera da festa as romarias se intensificam, parece que as diferentes categorias querem com seu jeito próprio homenageá-la, reverência que se prolonga por mais quinze dias. São dias de oração, shows, missas, expressões culturais, intenso movimento que se forma ao redor da Nazinha.

A mulher Maria de Nazaré supera os confins das expressões religiosas: encontramos a Mãe Nangetur no Auto do Círio; as comunidades periféricas sejam elas luteranas, católicas romanas, anglicanas, umbanda, candomblé e outras denominações a celebram, reconhecendo seu valor histórico, seu valor mítico, seu valor evangélico, valor que inspira homens e mulheres.

Maria nos convoca a penetrar no seu mistério. Nos convida a tirar os mantos que a envolvem e a escondem de nós. Ao longo do tempo os teólogos nos apresentaram Maria revestida de mantos que ao mesmo tempo que a divinizaram a desumanizaram. Atrás dos mantos a esconderam, idealizando, manipulando-a para nos manipular. Virgem-Mãe modelo inacessível. A pintaram de humildade, silêncio, submissão, obediente, serva para ser modelo a todas nós. Seu sim o nosso sim, seu silêncio o nosso silêncio. 

Nazinha faz despontar um novo olhar, pré-anúncio de busca e humanização de Maria de Nazaré, mulher que soube responder aos apelos da história de seu tempo e assim torná-la nossa referência. Nestas buscas, encontramos Maria no nosso cotidiano e aos poucos ousamos tirar seus mantos.  Ao fazer isso descobrimos uma mulher de coragem, determinação, acolhida, atenta às necessidades e que precisou de estratégias para sobreviver aos conflitos gerados por assumir uma maternidade fora dos padrões convencionais. Encontramos sua firmeza e determinação capaz de enfrentar a dor diante da morte injusta de seu filho na cruz. Encontramos sua capacidade de amar a todos e todas incondicionalmente. Esse encontro se espelha em nossa vida, nos fortalecemos mutuamente, pois, nos sentimos mais próximas dela, porque nela encontramos o divino no humano. 

A Nazinha, embora com seu manto nos fala da escolha dos últimos, da periferia, das águas, dos encantados que vivem nos rios e igarapés, na floresta. Nos convida a reconhecer ‘as conexões sagradas’ tema do Auto do Círio deste ano. Nos desafia a juntar nossa voz à Dela para dizer NÃO aos projetos que ameaçam a Amazônia, seus filhos, os povos originários, quilombolas, amazônidas. Nos impele a dizer sim às comunidades, mulheres e homens que ensaiam projetos sustentáveis, amanhecer do Bem-Viver. 

Nossa Senhora de Nazaré, que apareceu a um caboclo no igarapé na periferia de Belém. Nossa Senhora da Conceição Aparecida, que foi pescada nas águas por humildes pescadores. Nossa Senhora de Guadalupe, que apareceu com seu manto de rosas ao índio Juan Diogo. Maria com feições indígenas, negras, caboclas nos convida a tirar seus mantos, encontrar a mulher que marcou com sua presença a história, dando-lhe novo rumo, com as cores da salvação, libertação.

Sou caipira pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura
E funda o trem da minha vida

Romaria, de Renato Teixeira

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