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Missão da CRB em Tonantins – AM: tempo de cuidado da vida ameaçada
Por Luis Miguel Modino

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

A vida religiosa tem sido uma presença samaritana na Amazônia neste tempo de pandemia. Uma dessas experiências tem sido vivida nos últimos três meses na paróquia de Tonantins, diocese de Alto Solimões, estado de Amazonas, onde três religiosas, que trabalham na área da saúde, se ofereceram como voluntárias para desenvolver uma missão de cuidado com a vida.
Convocadas pela Conferência de Religiosos do Brasil – CRB, a irmã Zirlaide Barreto Mendonça, das irmãs passionistas de São Paulo da Cruz, que mora em Brasília, a irmã Alessandra dos Santos Santana, irmãzinha da Imaculada Conceição, que mora em Goiânia, e a irmã Delva Piedade de Oliveira, da congregação do Sagrado Coração de Maria, que mora em Linhares – ES, responderam ao chamado e não duvidaram em chegar num lugar desconhecido.
De volta para casa, nos contam o que tem vivido neste tempo, destacando alguns elementos que se fizeram presentes em suas vidas. Foi um tempo de escuta, especialmente daqueles que sofrem, de acompanhamento, de ajudar a superar medos, de estar, como Igreja itinerante, no meio de um povo corajoso, que nunca perde a fé, a esperança em dias melhores.
Na Amazônia, na sua Igreja, elas dizem ter encontrado muita alegria, simplicidade, acolhida, um povo que agradece pela vida, uma natureza que comunica vida. A Amazônia é uma terra onde elas têm aprendido a silenciar, a descobrir a um Deus que fala pelo olhar, que fala pelos gestos, um Deus Mãe, que vai cuidando do povo, vai parindo novas possibilidades de vida. Com elas trouxeram o apoio de suas congregações e levam de volta o desejo de uma maior presença dessas congregações na Amazônia, seguindo assim o pedido do Papa Francisco. Nas suas mochilas levam gratidão, nomes, a imagem das pessoas e de um rio que gera vida.

Qual foi a motivação para vir participar desta missão na Amazônia, na paróquia de Tonantins, diocese de Alto Solimôes?
Ir. Delva: Eu vi como um chamado de Deus, o convite da irmã Maria Inês, duas irmãs dizendo, por que você não vai? Você é enfermeira, estão chamando enfermeiras. No momento eu estava realmente sem poder sair de casa, fazendo trabalhos internos, participando de lives, então isso me tocou muito. Aí me mandou o telefone da irmã Maria Inês, eu ligue para ela, olha vamos manter o contato, e me deixou de molho uns dias, e isso me chamou a atenção, era como eu estivesse me preparando para vir para a Amazônia. Eu sinto como um chamado a través de outras pessoas que foram me cutucando.
Ir. Alessandra: Para mim, toda essa situação que a pandemia trouxe, de ficar fechada, de nos voltarmos para dentro, também me fez questionar o papel da vida religiosa, também nesse sentido de saída, de missão. E diante da proposta que pediam, pessoas para que saíssem, se doassem, prontamente eu me dispus porque era nesse sentido mesmo de missionariedade, de assumir como esse cuidado da vida, e no momento uma vida que estava ameaçada e necessitada de cuidado.
Ir. Zirlaide: Eu sempre desejei vir, e nunca teve oportunidade, mas quando eu vi a convocação da irmã Maria Inês, eu me lembrei de quando as irmãs foram para minha cidade, que é Barra do Mendes – Bahia, e elas deram uma contribuição enorme nesse sentido da saúde. Então, eu recordei e senti vontade de fazer alguma coisa, e nesse momento eu entendi que era ali que o povo estava precisando mais.

O que tem feito nesses três meses de missão na beira do Rio Solimões?
Ir. Alessandra: Foi uma missão, embora tenha sido pouco tempo, mas muito abrangente. Mas o principal papel foi nessa linha da escuta, da acolhida, de respeito à dor que o outro estava sentido. No meu caso, a fisioterapia, é mais do que reabilitar um caso de COVID, era acolher a pessoa como um todo, e ajudar a que ela se integrasse como um todo, com a sua realidade, nesse contexto de COVID-19.
Ir. Zirlaide: Naquela realidade, como quase todo mundo, o medo estava paralisando as pessoas. Nós encontramos pessoas em casa, que já haviam tido a doença, e permaneciam fechadas em casa, até com plástico na janela. Foi um jeito de ir passando do medo para o cuidado, resinificando os acontecimentos e retomando os sonhos e as atividades pouco a pouco, com cuidado, sair desse medo que paralisa.
O Sínodo para a Amazônia desafia a Igreja na Amazônia a deixar de ser uma Igreja de visita, uma coisa muito típica na Amazônia até agora, para ser uma Igreja de presença.

Pela experiência que tem vivido neste tempo, principalmente no acompanhamento aos doentes, como pode se fazer realidade na Amazônia essa Igreja de presença?
Ir. Delva: Pode ser uma Igreja mais itinerante, que vá ao encontro daqueles que buscam essa fé, que nos demonstram essa fé, a través da esperança de dias melhores, possibilidades melhores de vida, a través de uma inserção mais na sociedade, favorecendo àqueles que tem a necessidade de mais vida, lideranças indígenas, lideranças ribeirinhas, que possam fazer transformação social. Eu acredito numa Igreja que ajude as pessoas a fazer a mudança e que tenham mais possibilidade de vida.
Ir. Alessandra: Por muito tempo, se concebia a presença da Igreja como vai lá, sacramentaliza e retorna. Uma Igreja presente é mais do que tudo estar ali, não como quantidade de sacramentos que se realizam, mas como qualidade de tempo. Tempo para estar, para escutar, e tivemos a oportunidade de também ir em algumas comunidades ribeirinhas pastoralmente, com a equipe paroquial. Nesse sentido, a gente vê que são viagens rápidas, até por toda uma demanda pastoral, paroquial, mas que esse tempo fosse de uma presença mais constante, menos preocupada com o tempo, essa Igreja amazônica também caminharia com um sentido diferente.

Um dos grandes desafios que também aporta o Sínodo para a Amazônia é escutar o povo, especialmente escutar aqueles que sofrem. Diante do sofrimento que o povo tem passado, diante das experiências que vocês têm vivido, o que vocês têm escutado que tem impactado mais na sua convivência com o povo da Amazônia?
Ir. Delva: A falta de uma política pública que atenda a necessidade de possibilidades que o rio traz, mas que muitas vezes falta presença do poder público pelas distâncias. Nós estivemos na comunidade de Alegria, que eles estavam sete dias sem luz. Então, eles comentavam que é o peixe que perde, é o frango que a gente tinha na geladeira, não tinha como ligar o ventilador, e o poder público não estava sabendo o que estava acontecendo lá. E para eles irem, tem a questão também das dificuldades com o combustível para enfrentar o rio. Lideranças que façam acontecer a viabilidade de um poder público que acesse essas pessoas, que dê para eles as condições básicas.
Ir. Alessandra: Escutávamos também, como a irmã Zirlaide ressaltava, nesse sentido do medo, mas também muita vontade de superar, muita coragem. Um povo que fala pouco, mas que a gente tem que escutar o não dito, escutar nos gestos, nos olhares, mas com muita vontade de superação, muita esperança em dizer que vai passar, a gente está superando e dias melhores virão. Além de escutar a dor, é escutar também que há esperança que fala mais forte, que a esperança tem uma palavra que perpassa todas as pessoas que vivem nessas realidades de mais sofrimento.
E é uma esperança muito viva, que a gente vê pela forma como nos acolheram, porque mesmo diante de todo o medo, da gente estar chegando, de ter viajado e estar chegando lá, nos acolheram muito bem. A gente sempre tem ressaltado nesse sentido que mais do que abrir as portas da casa, abriram as portas do coração. E quando abre as portas do coração, ali sempre está carregado de vida, de esperança, que sempre vai se renovando, a pesar do medo, a pesar da pandemia.
Ir. Zirlaide: Para mim, essa questão da esperança é forte, uma certa resignação por parte de algumas pessoas com essa situação política, meio que assim, de entrar nessa dinâmica, de que os candidatos dão emprego, e ali você tem que se submeter mesmo, porque não tem como reagir. E também me chamou a atenção que é um povo que luta, muita gente estuda, pessoas muito simples, que estudam, que fazem mestrado, que sonham em fazer alguma coisa diferente, numa realidade tão limitada, porque nem internet, é muito difícil acessar, e eles conseguem. Tem muito interesse que os filhos estudem, muitas mulheres fortes, que criam os filhos sozinhas, e estudam, e preparam. A gente vê uma situação de fortaleza também, não só de dor.
Ir. Delva: Um biólogo que falava que a mãe dele vendia os ovos na feira e fazia biscoito para que ele pudesse estudar aqui em Manaus. Então, esse acreditar na possibilidade de que um dos nossos pode chegar aonde a gente ainda não chegou.

O que tem encontrado de diferente na Amazônia, no meio do povo, na Igreja?
Ir. Zirlaide: Muita alegria, umas celebrações muito alegres. Eu tive a oportunidade de participar de celebrações que não tinha padre, e que nós chegamos e eles presidiram a celebração. Me encantou o jeito de celebrar, a alegria do povo, o jeito de envolver, isso para mim é muito próprio deles, uma alegria muito contagiante.
Ir. Alessandra: A simplicidade, a gente vive numa capital agora e a gente vê uma liturgia, com todo respeito, com todo carinho, muito engessada, uma liturgia muito quadrada em algumas situações. Ver a simplicidade que o povo celebra a vida, e isso que a gente via cada domingo nas missas e nas comunidades onde nós íamos, isso me enchia de vigor, porque isso é o sentido da missa. Com todas as dificuldades, dar graças a Deus pela vida que está acontecendo, pela vida de cada um. Essa simplicidade me encantou, uma liturgia que é celebrar a vida na Igreja.
Depois, os rios, a gente vê que encantam a todos. Eu brincava que se na Bahia a gente tivesse 5% d´agua que tem aqui no Amazonas, a gente não teria seca. Mas é um rio que tem muitas histórias, que também tem muita vida por baixo dele e por cima, por todos os lados.
Ir. Delva: As lendas, que são inclusivas, dos indígenas, dos ribeirinhos, que acolhem a todos os que chegam. Isso é muito forte, acolhem o padre Gonzalo, que é colombiano, gostam do jeito dele ser, ele vai se adaptando a essa realidade. Então, acho que isso é muito forte, nessa acolhida aos diferentes.

Na Amazônia muita gente descobre as sementes do Verbo, os sinais de Deus. Quais são os sinais de Deus, que vocês têm descoberto neste tempo de missão aqui na Amazônia?
Ir. Zirlaide: O grande sinal de Deus é essa esperança e a fé, eles têm muita fé, eles partilham. Essa liturgia profunda, vivencial, para mim é um sinal grande de Deus. A solidariedade, nas comunidades, muito rápido eles se organizam e se ajudam, celebram, preparam as coisas para a gente, muita gratidão.
Ir. Alessandra: Para mim, o grande sinal de Deus e aprendizado é também no sentido do silêncio, aprender a silenciar, não ficar tanto no barulho, no que se diz, mas naquilo que não se diz e que diz muito, por mais contraditório que pareça. Um Deus que é silencioso, que fala pelo olhar, que fala pelos gestos, e que ensina a través disso também. Para mim foi esse grande sinal de um Deus que fala não falando.
Ir. Delva: Um Deus Mãe, que vai cuidando do povo, vai cuidando da gente, um Deus que vai parindo novas possibilidades de vida.

O Papa Francisco insiste muito em que, sobretudo a vida religiosa, seja cada vez mais presente e abra espaços de missão na Amazônia. Vocês pensam que sua experiência pode ajudar suas congregações a incentivar esse trabalho missionário na Amazônia?
Ir. Delva: Eu creio que sim, porque a possibilidade hoje de vida consagrada vai pela itinerância e pela intercongregacionalidade, porque o número de vocacionadas está diminuindo. Então, é uma possibilidade de unidade, as casas na Amazônia, mesmo das famílias, se ampliam para acolher alguém que chega na comunidade, se ampliam para acolher alguém que sai doente do hospital. É uma família que a gente chama de alargada, na minha congregação, família ampliada Sagrado Coração de Maria. E eu pude vivenciar isso quando as pessoas falavam, irmã, você pode vir para dormir, pode ficar aqui em casa, se você precisar. É uma acolhida que, no dia-a-dia dos grandes centros, a gente não vê isso mais. Mas o pessoal confia e acredita.
Ir. Alessandra: Sim, com certeza, quando vinha as irmãs vibraram muito, e muitas diziam, a gente está indo junto com você. Nesse sentido, fica um apelo muito grande, porque inclusive temos algumas comunidades aqui na região amazônica em processo de redimensionamento ou de quem sabe, fechamento. Vir, estar aqui, sentir, ouvir, pôr os pés neste chão, fez com que despertasse que a gente não pode ficar indiferente a todo o glamour que a região amazônica tem. Inclusive agora, dia 13 de outubro, a gente vai estar tendo uma apertura no Amapá, que é região amazônica também. Justamente nesse sentido de responder ao apelo da Igreja aqui, neste chão.
Ir. Zirlaide: A nossa também, já era para ter aberto em Rondônia, estivemos no Acre, e cumprimos lá o contrato. É um pouco também a ideia da itinerância, a gente não tem mais a ideia de ficar em grandes obras, a gente não tem grandes obras, e é um pouco essa itinerância, ficar um tempo significativo num lugar, ir passando, e eu acho que tenho uma sensibilidade grande para essa realidade.

Finalmente, o que vocês estão levando de volta para suas casas?
Ir. Alessandra: Gratidão, gratidão mesmo, por ter tido essa oportunidade de fazer essa experiência, e com certeza, eu lembro muito de uma frase de Pedro Casaldáliga, que ele diz, no final da minha vida me perguntarão, serei amado, e eu não direi nada, apenas mostrarei meu coração cheio de nomes. Se eu pudesse mostrar meu coração, com certeza seriam todos os nomes, todos os pacientes, todas as pessoas que a gente teve a graça, a oportunidade de visitar, de atender durante esse tempo na paróquia de Tonantins.
Ir. Zirlaide: Eu também fiquei com os nomes, fiquei com a imagem das pessoas, fiquei com os desenhos que fizeram, estão no meu coração.
Ir. Delva: É uma realidade de um Deus que pare, que acolhe, de um Deus que é mais Mãe, que alimenta aquele povo e alimenta aquele rio, para que ele seja vida das pessoas. Eu levo essa imagem de rio, que eu nasci na beira do São Francisco, para mim foi como encontrar com a minha realidade, com a minha família de infância e hoje às vezes muito dispersa.

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