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Não ter medo de se reinventar e continuar evangelizando em tempos de pandemia. Testemunho de Maria Luiza Lahan
Por Luis Miguel Modino

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

No dia 12 de fevereiro, a exortação pós-sinodal Querida Amazônia completou um ano de sua publicação. Nela, o Papa Francisco nos diz que “sem as mulheres, ela [a Igreja] se desmorona, como teriam caído aos pedaços muitas comunidades da Amazónia se não estivessem lá as mulheres, sustentando-as, conservando-as e cuidando delas”. Essas palavras nos ajudam a entender as histórias de vida que fazem parte da Igreja da Amazônia. São histórias com rosto feminino, como a de Maria Luiza Lahan Lamarão, alguém que é só um exemplo dentre os muitos que a gente pode encontrar na Amazônia, no Brasil e no mundo.

Ela é uma das coordenadoras da comunidade de São Raimundo, na paróquia do mesmo nome, formada por três comunidades. Mulher sempre presente no dia-a-dia da paróquia, situada num dos bairros mais antigos da capital do Amazonas, numa pequena colina na beira do Rio Negro, a pandemia a impactou, “foi uma surpresa grande, que me levou a me perguntar, como é que eu vou fazer para continuar contribuindo”. Mulher acostumada a olhar a vida com esperança, ela conta que “eu aprendi no caminhar a não ficar para trás, sempre olhar para frente, e Deus sempre mostra uma alternativa em meio aos desafios e dificuldades”.

Sua vida nunca foi fácil, mas sempre soube dar a volta por cima e continuar. Ela mesma conta que grávida de 7 meses do seu filho mais velho, ela perdeu seu pai, “e fui eu quem deu coragem, esperança para minha família”. Mais tarde, com 37 anos, Maria Luiza ficou viúva, com 3 filhos, o mais velho com 13 anos. “No momento da morte do meu marido chorei, gritei, mas depois rezei e me coloquei pronta de novo, de pé, para seguir a vida”, conta alguém que aprendeu a ver a vida a partir da confiança em Deus.

Diante da pandemia, que tem afastado ela da presença física na igreja, Maria Luiza diz que “junto ao meu dever na coordenação da comunidade, eu me senti exigida a ter presença mesmo nessa situação”. Foi aí que ela não teve medo de aprender a usar a tecnologia. Ela mesma diz que “o Edgar, que é meu afilhado de caminhada e também meu parceiro na coordenação, ele é novo e entende tudo de tecnologia, e eu fui me colocando à disposição para aprender a lidar com a tecnologia para que eu não ficasse longe das pessoas, das famílias, e a coisa foi acontecendo, eu fui procurando me enquadrar nas videoconferências, participando”.

Neste tempo de isolamento, “tem sido muito intenso também a minha dedicação às orações, hoje eu digo que eu rezo muito mais do que eu rezava antes, eu me dedico muito, muito mesmo, para minha própria espiritualidade”, afirma Maria Luiza. Segundo ela, “quando a gente se dedica à missão, a gente transborda tudo o que tem dentro da gente, o amor que a gente tem, o Espírito de Deus, e aí a gente precisa se recarregar”. Para isso tem aprofundado na leitura orante, na oração, “aprendi um outro modo de rezar”, ela insiste, afirmando que tem cuidado de continuar evangelizando sua família, mesmo de longe, “de estar sempre motivando os filhos, as famílias deles, a continuar rezando, se unir mais na oração”.

Um dos dons de Maria Luiza é a música, ela estudou música e foi colocando seus conhecimentos ao serviço da Igreja. Ela lembra que sua mãe, que foi quem a incentivou nesse campo musical, “quando a gente estava na frente do caixão do meu marido, ela me disse, nunca abandones a comunidade, nunca deixes de celebrar a fé, que isso é o que vai lhe manter”, algo que, “mesmo com todas as dificuldades, com meus 3 filhos, nunca deixei de ir para as celebrações, para a igreja, nunca deixe de ter minha participação, meu serviço, sempre dentro das minhas disponibilidades, das minhas possibilidades, mas primeiro a minha fé, e eu acho que eu ajudei muito meus filhos na questão da educação na fé”.

Durante a pandemia, junto com seu neto de 13 anos, que mora com ela, começou tocar o culele, “eu descobri que isso ia me ajudar a servir a minha igreja, na liturgia, com o canto, também ajudando as pessoas que precisavam, gravando áudio para os agentes da música aprenderem as músicas”. De fato, ela tem criado seu canal de YouTube onde realiza seu trabalho evangelizador através da música. “Eu tenho uma coisa comigo, de nunca deixar de me doar, isso para mim é uma questão de natureza espiritual, de fé, de me doar, me doar para a igreja, me doar para as pessoas”, insiste Maria Luiza. Ela vê que “realmente, nesse tempo, eu estou me recriando, tem sido muito gratificante para mim”.

Querida Amazônia faz a proposta de “que as mulheres tenham uma incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na guia das comunidades”, algo que faz parte de Maria Luiza. Junto com isso, um mês atrás, o Papa Francisco promulgava um motu proprio em que abria oficialmente os ministérios do leitorado a acolitado às mulheres, uma prática comum em muitos lugares, dentre eles a Arquidiocese de Manaus.

Ao ser perguntada sobre como ajudar as pessoas a se sentir comunidade neste tempo de isolamento, Maria Luiza reconhece que é bem complicado. Mas logo, com seu otimismo afirma que “como eu já tinha um trabalho intenso na comunidade, e sou muito conhecida, as pessoas me procuravam, as pessoas queriam me ouvir, as pessoas querem se sentir acolhidas, mesmo distantes”. Ela diz que “eu sempre procuro dar uma palavra de motivação para as pessoas não deixarem de se sentir parte, de se sentir igreja. Nas minhas falas, nas redes sociais, nos meus áudios que eu falo pessoalmente para cada um pelas redes sociais, pelo WhatsApp, foi uma descoberta também de como eu posso ser útil com a minha fala, mas também escutar, sempre gostei de escutar as pessoas”.

Maria Luiza insiste em que “isso de um certo modo, dá uma credibilidade, uma confiança para as pessoas. As pessoas não tem medo de falar comigo as coisas”. Ao mesmo tempo, ela afirma que “eu também aprendi a silenciar quando alguma coisa não me agrada, muitas vezes é melhor escutar e ficar calada do que responder”. Ela afirma que “eu tenho ajudado assim também, nas redes sociais, telefonando, perguntando como estão as coisas, as pessoas ligam para mim. Eu sinto que a igreja é a extensão da minha casa e a minha casa é extensão da igreja. Eu vivi toda a vida assim, e eu digo que quando eu cuido das pessoas, Deus cuida de mim”.

As últimas semanas tem sido um tempo de muitas mortes em Manaus. A grande maioria das pessoas viram como gente próxima, familiares, amigos, conhecidos morriam, muitas vezes sem o atendimento necessário. “Algumas partidas eu senti muito, eu chorei a partida de muitos. Mas eu senti que eu deveria ser anunciadora da esperança de dar a minha solidariedade, mas também de mostrar que Deus não abandonou aquele que passa por momentos de sofrimento”, afirma Maria Luiza.

Ela, que é uma das voluntarias da Rede de Escuta Espiritual criada pela Arquidiocese de Manaus, diz que “sempre aconselho para no momento que puder se juntar e contar quanto a pessoa foi significativa na nossa vida, como ela deixou uma semente do amor”. Movida por um sentimento de esperança, ela afirma que “a gente tem que continuar essa semente, ela vai estar presente através das nossas recordações, das nossas saudades e de ter ainda esse laço, de saber que ele já ocupou o lugar que lhe foi reservado lá no céu, e nós também vamos estar um dia na mesma condição”.

Diante de tantas situações de morte, Maria Luiza afirma que “a morte às vezes nos assusta, mas a gente tem a compreensão de que é uma passagem para Deus, nós não sabemos quanto tempo, e a gente tem que se preparar”. Para isso, ela afirma a necessidade de “a gente vigiar, orar, não deixar de contemplar esse Deus maravilhoso, esse Deus que é bondoso, que é justo, que é misericordioso”. A agente de pastoral insiste em que “não tenho medo da morte, e sempre encarei a morte dessa maneira”, um testemunho que cobra sentido em alguém que ficou viúva com 37 anos.

A situação vivida desde há quase um ano é vista como “uma grande experiência de fé e de missão”. Maria Luiza, que é ministra da Eucaristia, diz que “o que mais me doeu foi não poder mais levar a comunhão, todos são idosos, pessoas de risco, isso me incomodou, eu não poder levar a Eucaristia para as pessoas, mas agora todos nós estamos na mesma condição, sem poder participar da Eucaristia, sem poder comungar concretamente o Corpo e Sangue de Jesus”.

Diante disso, ela diz que “eu aprendi a comungar espiritualmente também, isso foi uma experiência muito grande para mim. No início eu chorava porque eu não ia comungar, chorava porque eu não podia levar a Eucaristia para quem precisava, mas depois eu aprendi que o fato de eu não poder ir, não significava e não significa que eu não comungasse. Eu comungo da Palavra, tenho consciência disso, e a Eucaristia, quando eu celebro, eu me sinto parte. Isso para mim foi um grande aprendizado”.

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