ColunistasIrmã Ivone Gebara

O que é o Ecofeminismo?

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

Parece que nós seres humanos somos contínuos inventores de novas palavras simples ou compostas. A invenção corresponde à necessidade de dar conta do que estamos vivendo e condensar em uma palavra novas posturas e descobertas. O Ecofeminismo é uma palavra composta de ecologia e feminismo e tem mostrado a relação intima entre a luta pela preservação do planeta com todos os seus biomas e o feminismo como luta diária e plural pelo direito das mulheres numa sociedade tão desigual quanto a nossa.

O Ecofeminismo nasce da consciência de mulheres em diferentes lugares do mundo  desde a década de 1970 e vem denunciando a relação íntima das injustiças sociais em relação às mulheres ligadas à destruição do planeta. Tanto as mulheres quanto o planeta na sua diversidade foram em geral considerados ‘objetos’ de uso e abuso dentro da lógica capitalista da propriedade privada, do mercantilismo e da exploração, tanto da mão de obra de muitas/os quanto dos recursos da natureza. Mulheres reduzidas a ser ‘segundo sexo’, seres obedientes, procriadoras, ‘objetos de cama e mesa’ perceberam a conexão real e simbólica de seus corpos com a exploração do corpo do planeta em benefício de minorias. O planeta Terra deixa de ser o habitat de todos os seres, seu lugar de vida, de nutrição, de acolhida e de cuidado. Passa a ser dividido, saqueado, suas populações nativas exterminadas, as florestas e rios devastados e usados para fornecer benefícios e riquezas para grupos cada vez menores, sobretudo dos países mais ricos.

O Ecofeminismo desde os primeiros ensaios reflexivos se esforçou na denúncia desses males e organizou grupos de estudo, congressos internacionais na linha de denunciar essas formas conjuntas de exploração e propor saídas a essa triste situação. Tornou-se uma nova visão antropológica que reflete a vida humana na sua interdependência e complexidade. Nessa perspectiva denuncia as iniciativas de uma visão que reduz o planeta à realização de ideias tecnológicas de exploração do solo, das águas e do ar criando um ambiente cada vez mais nocivo à vida, particularmente dos mais vulneráveis. A forma desenvolvimentista capitalista não só agride a natureza e muitos grupos humanos mas têm dificultado particularmente a vida das mulheres. A partir da divisão social do trabalho e da fina sensibilidade ao cuidado com os outros, as mulheres têm sofrido com a luta pela preservação da vida. Buscar água e alimentos sadios na situação de penúria de muitas famílias, sobretudo nas periferias da cidade onde a carência de água potável, de energia elétrica, de transportes e sistemas sanitários, é uma realidade sempre presente para a maioria das mulheres.

O Ecofeminismo na sua dimensão política tem participado de grupos nacionais e internacionais e tem exigido dos governos uma regulamentação rigorosa na exploração de terras, na construção de barragens, no desvio de rios, no uso invasivo de agrotóxicos. A partir de uma perspectiva feminista vem refletindo e atuando com diferentes grupos no resgate das jovens mulheres do campo e da cidade, vítimas da exploração sexual e da utilização de seus corpos como mão de obra gratuita nas diferentes atividades domésticas. Constata-se que as mulheres e sua prole, por conta de sua estabilidade doméstica maior, são mais vulneráveis quando os desequilíbrios naturais se tornam presentes através da intervenção desastrosa das empresas capitalistas. Por isso muitos grupos estão se organizando em diferentes lugares para dizer NÃO a essas iniciativas que prometem o progresso e o bem estar, mas na realidade são ameaças à vida comum. Estamos, através do Ecofeminismo, a organizar-nos para fazer pressões sociais e políticas para que planos governamentais e empresariais nefastos não sejam executados. Tudo isso tem exigido de muitos grupos de mulheres um aprendizado sobre diferentes empresas de exploração de minérios ou de construção de barragens, numa tentativa de compreender seus objetivos a curto e longo prazo. Nessa linha, a vida no campo e na cidade tem exigido de nós um alargamento de horizontes, em vista da compreensão e da ação sobre um mundo real muitas vezes aceito pelos homens porque lhes fornece trabalho, porém danifica a vida e especialmente a vida das mulheres. Estamos nos educando a fazer frente, a abraçarmos por nós e os nossos filhos/filhas causas aparentemente maiores do que nossas possibilidades. Estamos exigindo explicações ‘em nossa língua e com nossa linguagem’ dos projetos que nos apresentam como sendo para o nosso bem comum. Num primeiro momento não entendemos nada ou quase nada do que explicam. Porém estamos aprendendo a perguntar, a pedir explicações e exemplos para que entendamos ao menos algo. Depois nos reunimos entre nós e com a ajuda de algumas profissionais de boa vontade que se dispõem a ajudar-nos procuramos entender o que querem de nós e de nossa terra. Assim nosso sim e nosso não pode ser mais claro e comprometido com os nossos ideais e necessidades de vida. Esta é uma parte da pedagogia ecofeminista que muitas mulheres em diferentes partes do mundo estão utilizando para tentar mudar as relações humanas entre nós e com o planeta. A vida tem mostrado que algo já estamos conseguindo.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal das CEBs

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