(Continua a série de artigos sobre o Ser humano)
Para o Ser humano, “ser-no-mundo” historicamente significa não só “ser-no-mundo” socialmente (como vimos), mas também, “ser-no-mundo” individualmente. O Ser humano histórico “é-no-indivíduo” (é em-si-mesmo como indivíduo), “é indivíduo”. Trata-se de um indivíduo social, porque influencia e condiciona dialeticamente a sociedade. O Ser humano histórico é individualidade na socialidade (e socialidade na individualidade).
Mais especificamente, o Ser humano histórico é num indivíduo historicamente determinado: indivíduo concreto, empírico. A dimensão da “individualidade” (como a da “socialidade”) é constitutiva do Ser humano histórico.
Por fim, o Ser humano histórico é um ser totalmente individual (indivíduo), mas a individualidade não é a totalidade do Ser humano histórico.
Analisando e refletindo sobre o Ser humano individual em graus crescentes de profundidade (não por partes separadas ou compartimentos estanques) e tendo sempre presente sua unidade pluri-dimensional e pluri-relacional, percebe-se que o Ser humano individual é corpo (corpóreo), é vida ou bio-psique (vivente ou bio-psíquico) e é espírito ou pessoa (espiritual ou pessoal).
O Ser humano individual é – ao mesmo tempo – totalmente “corpo”, totalmente “vida” ou “bio-psique” e totalmente “espírito” ou “pessoa”.
Para o Ser humano histórico, “ser-no-mundo” individualmente, significa, antes de tudo, “ser-no-mundo” corporeamente. A dimensão da corporeidade é constitutiva da individualidade humana. O Ser humano individual “é-no-corpo”, “é-corpo”. É corpo individual ou indivíduo corpóreo.
A primeira experiência existencial (concreta) que o Ser humano individual (o indivíduo) faz de si mesmo é a percepção de sua corporeidade.
A palavra “corpo” (soma) ou – na cultura semítica – “carne” (basar, sarks) significa o Ser humano individual todo enquanto ser corpóreo (carnal, físico, material, frágil, fraco). Quando se diz que o Ser humano individual é “corpo”, o sujeito é o Ser humano individual todo (integral), mas a ênfase (o destaque) é colocada na sua corporeidade (carnalidade, fisicidade, materialidade, fragilidade, fraqueza).
De fato, olhando para um Ser humano individual concreto (um indivíduo) e refletindo sobre ele, a primeira coisa que se constata é que o indivíduo todo – e não uma parte dele – é corpo (carne, matéria). O Ser humano individual “é integralmente corpo” (MOUNIER, E. O Personalismo. Livraria Morais, Lisboa, 19642, p. 39).
A corporeidade diz respeito ao Ser humano individual todo (integral), mas não é a totalidade do Ser humano individual.
Enquanto corpo (ser corpóreo), o Ser humano individual relaciona-se com o mundo material, é natureza material e identifica-se com ela. Como “ser de natureza material”, o Ser humano individual tem suas raízes na matéria. “Fruto de uma vasta evolução das espécies antropomórficas, a natureza do indivíduo humano é, em primeiro lugar, a dos seus átomos e moléculas: a mesma de qualquer pedaço de matéria; deste ponto de vista, o Ser humano individual não constitui uma exceção no universo” (GIMÉNEZ, G. Hacia una Ética de Liberación social. Universidad Católica, Assunción, 1972, p. 101 (Mimeo).
O Físico, por exemplo, enquanto cientista, pode provar – pela verificação experimental – e afirmar com razão que todos os fenômenos humanos individuais são totalmente corpóreos (físicos, materiais): produtos de um conjunto de átomos e moléculas. O mesmo Físico, porém, sempre enquanto cientista, não pode provar e nem afirmar que o corpóreo (o físico, o material) é ou não é a totalidade do Ser humano histórico-individual.
Termino esse texto com um esclarecimento que – nessas alturas das nossas reflexões – torna-se necessário.
Considero equivocada a posição daqueles/as que – a partir de uma visão pseudocientífica – colocam a “questão antropológica” em termos alternativos: ou sou “monista” ou sou “dualista” (ou “pluralista”); se sou monista, ou sou “materialista” ou sou “espiritualista” (ou “idealista”); se sou materialista, ou sou “fisicalista” ou sou “biologista”.
Entendo que posso ser, ao mesmo tempo, totalmente monista e totalmente dualista (ou pluralista), enquanto reconheço que no Ser humano há uma “dualidade” dimensional, a histórica e a meta-histórica (duas grandes dimensões), que – por sua vez – se desdobram numa “pluralidade” dimensional.
Como totalmente monista, posso ser, ao mesmo tempo, totalmente materialista e totalmente espiritualista. Como totalmente materialista, posso ser, ao mesmo tempo, totalmente fisicalista e totalmente biologista. Evita-se, assim, o reducionismo (a posição reducionista) monista ou dualista (ou pluralista); o reducionismo materialista ou espiritualista (ou idealista); o reducionismo fisicalista ou biologista.
(Continua no próximo artigo)
Compartilhando:
Para uma visão mais aprofundada e abrangente dos temas tratados, leia: Ética da Libertação. Uma abordagem filosófico-teológica. Lutas Anticapital, Marília – SP, 2023 (p. 384).
Se houver interesse no assunto, leia também: Eclesiologia da Libertação: Reflexões teológico-pastorais. Editora: a mesma – 2022 (p. 120).
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 10 de março de 2024