O Sínodo para Amazônia que neste mês de outubro completa um ano de sua Assembleia Sinodal, foi um momento marcante na vida da Igreja da Amazônia, mas também na vida de quem participou desse momento. Um dos auditores foi Francisco Lima, Secretário Executivo do Regional Norte 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que o define como “algo que marcou muito a minha vida”.
Na Igreja da Amazônia, ao longo do processo de preparação, o Sínodo “criou uma expectativa muito grande”, resgatando elementos presentes desde o encontro de Santarém, em 1972, e trazendo “um sinal de esperança muito grande para as nossas comunidades, para as nossas igrejas particulares”, em palavras do diácono permanente. Segundo ele, o Sínodo evidenciou o rosto dos povos da Amazônia e a presença muito forte que as mulheres têm nas comunidades, sendo importante “continuar esse processo de valorização dos povos da Amazônia, de valorização das mulheres que estão nas comunidades da Amazônia”.
O propósito é envolver as dioceses e prelazias “para que assumam essa continuidade do Sínodo para a Amazônia”, insistindo na questão da presença nas comunidades como o grande desafio. Para alguém que é diácono permanente, que o Documento Final apresentou como uma possibilidade de presença nas comunidades, esse “é um caminho longo que ainda precisaremos avançar na reflexão, no discernimento”, mas ele considera que ele “é um caminho provável”.
Estamos comemorando um ano da celebração da Assembleia Sinodal do Sínodo para a Amazônia. O que significou na sua vida participar de um Sínodo da Igreja?
É um momento histórico na vida da gente, nunca eu imaginaria de poder participar de um momento desses na Igreja. Foi algo que marcou muito a minha vida, o fato de estar lá, em Roma, naqueles dias, exatamente um ano atrás, poder viver aquele tempo, que na verdade foi todo um processo que culminou naquela Assembleia Sinodal lá em Roma.
Isso de fato marca muito a vida da gente, tanto no âmbito mais pessoal como também de atuação junto às comunidades, no serviço que a gente exerce. Participar de algo assim, muda completamente até a visão que a gente tem de Igreja. Isso a gente vai revisando depois de um momento tão significativo, que não terminou com a conclusão do Sínodo, mas que começou toda uma nova missão dentro desse contexto da Igreja da Amazônia.
Para alguém que nasceu na Amazônia, que conhece a realidade da Igreja da Amazônia, especialmente do Regional Norte 1, que compreende grande parte do estado do Amazonas e o estado de Roraima, onde trabalha como secretário executivo, o que tem representado o Sínodo para a Amazônia para a Igreja local?
A Igreja do Regional Norte 1, o processo que nós fizemos no Sínodo, criou uma expectativa muito grande. Representa uma esperança para a vida das comunidades e da Igreja, a pesar de que o Sínodo vem, também por outro lado, resgatar muitos aspectos que essa Igreja da Amazônia já vem construindo, e que talvez por um tempo ficou meio que esquecido. Se a gente retoma, por exemplo, o encontro de Santarém, em 1972, e a gente pega o documento Querida Amazônia, a gente vai perceber que tem muitos elementos que vem de ali, que é um processo que essa Igreja caminhou, que foi se perdendo no caminho, e que o Sínodo resgata.
O Sínodo para a Amazônia, ele traz um sinal de esperança muito grande para as nossas comunidades, para as nossas igrejas particulares aqui do Regional Norte 1. O próprio Sínodo, ele reforça esse rosto dessa Igreja amazônica, que é um rosto de uma Igreja de leigos e leigas, um rosto de uma Igreja constituída por muitas mulheres que ao longo do tempo mantiveram a fé dessas comunidades. Então, o Sínodo traz de fato essa esperança dessa Igreja viva que está no meio das comunidades, e que precisa acordar, que as vezes a gente percebe que em algum momento, ela esteve adormecida. O Sínodo vem para mexer com essa estrutura e fazer com que essa Igreja retome esse caminho.
Por outro lado, o Sínodo, desde seu processo inicial, ele fez com que surgissem também novos olhares, novos caminhos, uma nova proposta. O Papa Francisco já tinha lançado a Laudato Si´, isso também trouxe novos elementos para essa Igreja da Amazônia. A pesar de, como eu disse, trazer essa esperança, de trazer esse acordar dessa Igreja, também aponta novos rumos, novos caminhos.
Você fala sobre as mulheres, e de fato a presença das mulheres e dos povos indígenas foi considerada por muitos dos participantes da Assembleia Sinodal como algo importante, inclusive determinante. O Documento Final do Sínodo e Querida Amazônia impulsionam o papel das mulheres na Igreja da Amazônia. Como trazer para a vida das comunidades, onde muitas vezes são as mulheres as que estão na frente, como reconhece Querida Amazônia, toda essa reflexão do processo sinodal?
O Sínodo, ele nos traz um processo diferente de construção. A Amazônia, eu sempre tenho dito isso, ao longo da sua história, mesmo a Igreja, em muitos momentos, ela foi muito pensada de fora para dentro. Esse rosto da Amazônia, esse rosto dos povos da Amazônia, nunca foi tão evidenciado quanto no Sínodo para a Amazônia.
Desde o momento inicial, quando o Papa Francisco convoca a Igreja da Amazônia para um processo de escuta, e ele diz que é preciso ouvir esses povos, que é preciso valorizar o que esses povos pensam, o que esses povos dizem, e que é preciso dar voz a esses povos.
O Sínodo vem e reforça tudo isso, e a presença de tantas mulheres, de tantos indígenas, de tanta gente que foi da Amazônia para Roma, para participar daquele Sínodo, evidencia isso com muita força. Acho que é um momento histórico que a gente está vivendo e que a gente conseguiu, de certa forma, conquistar, que é os povos da Amazônia ganhando voz, ganhando vez, ganhando visibilidade. Isso o Sínodo conseguiu concretizar, e nós não podemos perder isso, nós precisamos dar continuidade.
As nossas comunidades na Amazônia têm uma presença muito forte das mulheres, o Papa Francisco, ele reforça isso na Querida Amazônia, o Documento Final do Sínodo reforça isso, nós temos que continuar esse processo de valorização dos povos da Amazônia, de valorização das mulheres que estão nas comunidades da
Amazônia, no sentido de que, cada vez mais esses personagens, essas pessoas, esses povos, sejam protagonistas da história, da história também da Igreja aqui na Amazônia. Nós precisamos, de fato, dar continuidade a esse processo.
Na Querida Amazônia, o Papa reforça isso. Todo o processo sinodal, nós ouvimos muita coisa, sobretudo na questão das mulheres, era preciso que as mulheres estivessem nas instancias de decisão da Igreja. Só que o Papa disse, olha, para isso não é preciso clericalizar, dá para a gente fazer isso numa forma que valoriza as mulheres, valoriza os povos da Amazônia, insere eles nesses espaços, sem a necessidade da clericalização, sobretudo por causa do modelo que a gente tem de formação, de clero.
Isso nos dá um ânimo e nos dá também possibilidade de continuar esse processo que iniciamos com o Sínodo e que precisamos continuar, que é tornar cada vez mais os povos da Amazônia, os indígenas, as mulheres, os ribeirinhos, os quilombolas, todos os povos que constituem esta Amazônia, serem protagonistas, não só no campo do clero, mas a partir da vocação deles mesmos. Isso é muito importante, a gente não pode perder isso, a gente precisa continuar esse processo que o Sínodo nos traz, essas possibilidades que o Sínodo nos traz e que o Papa nos convoca a continuar.
Você fala sobre continuidade, a Igreja do Regional Norte 1 está preparando a Assembleia do Regional. Como essa continuidade vai se tornar possível nas nove dioceses prelazias que fazem parte do Regional Norte 1 da CNBB?
Aqui no Regional, de fato, a gente já deveria ter feito a assembleia que aprova as diretrizes para o quadriênio, o ano passado. Mas exatamente por causa do Sínodo, se espero para que a gente pudesse ter o Documento final do Sínodo e a exortação apostólica, para que a gente pudesse construir umas diretrizes de acordo com aquilo que o Sínodo apontava. Nós estamos vivendo esse processo preparatório dessa assembleia, e estamos levando muito em conta o caminho que nós fizemos no Sínodo para a Amazônia.
A assembleia, nós estamos trabalhando para que seja de fato fruto desse processo, e que de fato a gente consiga envolver as nove dioceses e prelazias do nosso regional para que assumam essa continuidade do Sínodo para a Amazônia. A gente sabe que os desafios são muitos, não depende só do regional, senão da própria igreja local, do bispo, do seu clero, de todos os agentes, de cada diocese. Mas temos muita esperança de que nós consigamos com essa assembleia, envolver essas igrejas locais aqui do regional, e cada vez mais, ajudar com que elas se comprometam com aquilo que o Sínodo para a Amazônia aponta.
Em diálogo com alguns bispos e algumas lideranças, aquilo que mais tenho ouvido também, sobretudo das comunidades, é aquilo que também ouvimos no processo do Sínodo, que a questão da presença. Essa assembleia, provavelmente, vai atuar também nesse campo, como trabalhar para que a Igreja seja cada vez mais presente nas comunidades. Retomando aquilo que a gente já falou anteriormente, sempre a partir daquilo que já tem, das lideranças que estão lá, dos catequistas, dos ministros leigos. Essa presença da Igreja, constante ali, é muito importante e uma das coisas que nós estamos procurando trabalhar na perspectiva dessas novas diretrizes do regional, essa questão da presença da Igreja nas comunidades.
Nessa presença, para alguém que é diácono permanente, sabendo que uma das grandes polémicas do Sínodo foi o tema da ordenação de homens casados, e que um dos caminhos, como aparece no documento final, seria ordenar diáconos que depois seriam ordenados presbíteros que acompanhem a vida das comunidades. O Papa Francisco assumiu o documento final, não fechou definitivamente nenhuma porta. Você pensa que esse é um caminho de futuro possível para a Igreja da Amazônia, para fazer realidade essa Igreja presente?
É um caminho, um caminho que não vai ser tão curto, eu penso que é um caminho longo, que ainda precisaremos avançar na reflexão, no discernimento. Eu me lembro que numa das entrevistas no Sínodo, eu dizia que a gente sempre tem que trabalhar na perspectiva vocacional. Então, é um caminho, uma possibilidade, mas não esquecendo que cada pessoa, que cada indivíduo tem a sua vocação própria, no campo eclesial, no campo da Igreja. Então, continuar esse processo de discernimento, essa reflexão. Mas eu penso que é um caminho provável, é um caminho que se o Papa avança, as Igrejas da Amazônia poderão encontrar aí uma saída para essa questão da presença.
Mas enquanto a gente não consegue chegar a isso, precisamos avançar, e aqui no regional a questão das escolas diaconais tem avançado. Nós temos praticamente, quase que em todo o regional, escolas diaconais, sejam em andamento ou iniciando. Agora, a gente nunca deve esquecer que, para que a gente consiga avançar nesse campo, é preciso refletir muito o processo formativo. Na Igreja da Amazônia, nós temos características próprias, nós temos uma realidade própria, que a gente precisa levar em conta no processo de formação. Não dá para trazer, importar outros modelos, a gente precisa construir outros modelos de diaconato na Amazônia.
Acho que com essas escolas diaconais nas dioceses, com esse processo em andamento, a gente aos poucos vai dando passos e tem muita esperança de que a gente vai conseguir avançar nessa questão do diaconato, e quem sabe, no futuro, essa perspectiva de uma Igreja mais aberta também a essa questão dos ministérios ordenados, sejam os homens casados e até também, que surgiu no Sínodo, a questão das mulheres, sobretudo no ministério diaconal. Eu acho que são reflexões que o Sínodo trouxe e que vai continuar, e acho e espero que avançando, numa perspectiva de que são saídas, e eu diria que não é só para a Igreja da Amazônia, mas para a Igreja toda. Porque nós temos os nossos desafios, mas quantos lugares no Brasil, no Nordeste, no Sudeste, que tem esse desafio da presença da Igreja nas comunidades. É um caminho que o Sínodo provocou, que o Papa assume no Documento Final, ele não fecha na Querida Amazônia isso. Acho que é uma porta que vai se abrindo e que a Igreja vai continuar refletindo.
Finalmente, algo que a gente poderia considerar uma anedota, para você, que já celebrou embaixo de uma árvore, na beira dos rios da Amazônia, o que significou poder servir o Papa, na Basílica de São Pedro, na celebração final do Sínodo?
Nossa, é de fato uma experiência muito forte que a gente viveu, é quase que inexplicável. Primeiro a figura do Papa, o Papa que é o nosso líder, é aquele que é o sucessor dos apóstolos, aquele que dá continuidade na nossa Igreja. Papa mim, que sai lá da Prelazia de Tefé, daquela realidade, e estar ali, naquele momento, celebrando ao lado do Papa Francisco, isso é, de fato, de arrepiar mesmo. Nos provar que a Igreja, ela não é uma Igreja tão distante assim, que a gente, ao mesmo tempo que está longe, está perto, e a presença do Papa ali, significa isso também.
Uma diferença enorme, você estar ali, com toda aquela estrutura, liturgicamente falando, aqueles ritos todos, e aqui de uma maneira tão simples. Mas o Papa é também um homem simples, quantas vezes ele deixou a segurança para lá e seguiu sozinho. Um homem que é muito próximo, e essa proximidade dele ajuda muito também nesse discernimento de que a nossa Igreja, a pesar de ser uma instituição hierárquica, ela está próxima. Estar ali, para mim significou muito isso também, essa proximidade do Papa com toda a Igreja, e o carinho que ele tem também para com essa Igreja que está na Amazônia.
Os últimos documentos que ele tem escrito, sempre faz referência à Igreja da Amazônia, sempre faz referência aos povos da Amazônia, essa valorização que a gente sente no Papa Francisco. Com certeza, participar daquela celebração nos torna diferentes, não no sentido de arrogância, mas no sentido de comprometimento mesmo, sentir-se mais comprometido ainda com a Igreja aqui. Acho que isso é algo que fica marcado na vida da gente, outra oportunidade dessa, dificilmente terá. Foi assim, um momento único, que marca a vida da gente para toda a vida mesmo.