Neste dia 05 de junho, passa a vigorar a Constituição Apostólica Praedicate evangelium (Pregai o Evangelho) do papa Francisco, legislando sobre os encargos centrais na vida da Igreja Católica, ou seja, a máquina burocrática conhecida como “Cúria Romana”.
Durante muito tempo, esta máquina burocrática assustou o episcopado de todas as nações. Para Lutero, esta máquina era “a grande prostituta”. Para um cardeal de Turim, era a mais “diabólica das instituições dentro da Igreja”. Tendo uma espécie de vida própria, a Cúria tratava logo de submeter um novo papa aos seus parâmetros. Uma hidra difícil de matar.
Lançada no dia 19 de março, no início do décimo ano do pontificado de Francisco, esta Constituição é o fruto de um trabalho lento e difícil, levado com dificuldades pela comissão de 9 cardeais nomeados ainda em 2013. O lançamento feito às pressas, com um texto ainda não definitivo e sem os preparos adequados de divulgação mostram que as resistências enfrentadas pelo papa não foram poucas. Mas o que se pode dizer é que Francisco venceu uma batalha que nem Paulo VI nem João Paulo II conseguiram levar a bom termo. Com esta Constituição, o clericalismo, o grande ponto da discórdia, foi atingido de morte. Se de fato morreu apenas os próximos anos dirão.
O ponto central da Constituição está nas reflexões introdutórias. O texto deixa claro que a Cúria Romana, ao contrário do que defendem seus membros, não possui um poder próprio, mas um “poder vicário”, ou seja, o poder está no papa, que o delega aos seus auxiliares. Ou seja, se o papa quiser que uma freira assuma o Dicastério da Vida Consagrada, pode fazê-lo. Sendo assim, a Constituição mostra que a fonte do poder de uma pessoa está no sacramento do batismo e não mais no sacramento da Ordem. Este é o golpe fatal no clericalismo: para ter poder dentro da Igreja Católica não há mais necessidade da ordenação. Qualquer leigo ou leiga poderá ocupar qualquer posição ou encargo (missio canônca) nos mais diferentes ofícios eclesiásticos. Um leigo capacitado poderá presidir um tribunal eclesiástico, por exemplo.
Outro passo importante é a busca de um freio ao carreirismo eclesiástico. Qualquer encargo terá um mandato de cinco anos podendo ser renovado. Os que não forem renovados deverão voltar às suas Dioceses ou Congregações. Assim, acabam as carreiras dos curiais que se aposentavam e continuavam a viver nos amplos apartamentos mantidos pelo erário pontifício. Apartamentos de mais de mil metros quadrados, onde um solitário cardeal aposentado fica contemplando sua coleção de obras de arte ou mesmo de armas sofisticadas. A recente morte do cardeal Sodano deixa uma excelente cobertura à disposição dos interessados.
Sinais de fim de festas. A promulgação da Constituição Apostólica Praedicate evangelium; a ampliação do colégio eleitoral cardinalício para 133 eleitores, 13 a mais do limite estabelecido; a convocação de todos os cardeais a Roma no final de agosto para um consistório; bem como os sinais de que sua saúde está fragilizada, tudo isso aponta para o final do pontificado de Francisco. Nestes dez anos, Francisco foi profundamente fiel ao que foi debatido nas discussões da Congregações Gerais que antecederam sua eleição. A tão pedida e necessária reforma da Cúria está feita. A universalização do Colégio Cardinalício está completa. Um grande símbolo do espírito deste pontificado é que o arcebispo de Milão não é um cardeal, mas o Delegado Apostólico na República da Mongólia é. Como o velho Simeão, ele agora pode rezar: “agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz…”
Claro que o clericalismo e o carreirismo não vão desaparecer como um passe de mágica. Que o diga a Igreja aqui no Brasil e algumas nomeações recentes. Mas que Francisco o golpeou de maneira fatal, não podemos negar.