Quem pode acompanhar os discursos dos presidenciáveis, deve ter reparado que diversos candidatos têm usado o nome de Deus para justificar suas posições políticas. Jair Bolsonaro (PSL) é o principal deles. Mas ao mesmo tempo, o candidato defende a popularização do uso de armas de fogo e faz apologia à violência, ao machismo e ao racismo. Para discutir sobre o uso do discurso religioso na política, o Brasil de Fato conversou com Ronilso Pacheco, pastor auxiliar da Comunidade Batista em São Gonçalo e autor do livro “Ocupar, Existir, Subverter: Igreja, ideologia em tempos de violência, racismo e opressão”.
Brasil de Fato: Pastor, partindo do título do seu livro, a igreja deve ter um lado?
Ronilso Pacheco: Na minha perspectiva tem que ter lado e acho que esse lado está bastante evidente. Pensando na bíblia especificamente você pensar o Evangelho de Lucas, por exemplo, no capítulo 4, o próprio Jesus diz diante da elite, dos religiosos, dos poderosos que ele foi levantado para levar as boas novas aos pobres e libertar os presos, libertar os oprimidos. Portanto, se vamos seguir o exemplo de Jesus, a gente pode dizer que a Igreja tem um lado.
A carta pastoral com mais de 2 mil assinaturas de lideranças religiosas é importante porque traz esse posicionamento, não é?
Sim, acho que mais do que isso. A palavra é: disputa. Nós estamos definitivamente disputando o sentido, disputando esse lado, disputando esse lugar em que a igreja, a religião, a espiritualidade está no sentido da defesa da justiça. A bíblia é o livro de Martin Luther King e também é o livro do Eduardo Cunha. Nós precisamos disputar esse sentido, disputar essa leitura, essa interpretação, disputar esse compromisso de negação do fascismo, do fundamentalismo e da violência mascarada de muitas formas de controle e moralismo.
Mas não é forçada uma interpretação da bíblia que justifique opressão, violência e racismo?
É uma forçação de barra. Sempre foi uma construção de uma mentalidade extremamente opressora e quase sempre vinculada ao poder e a ideia de superioridade. E na verdade os textos foram encaixados dentro dessa perspectiva. Ao invés dessas histórias, que fortalecem a perspectiva da justiça, é reforçada a perspectiva da superioridade, do poder, da opressão, da ambição que envolvem os textos, fazendo com que eles dêem alguma justificativa para aquilo que é injustificável.
Nós vivemos um tempo de muita polarização, de muita desinformação e muita violência. O que deveria unificar as religiões e crenças nesse momento?
Pensando no que pode unir as religiões, eu partiria de um princípio: a tradição de fé cristã, que está em Matheus capítulo 7. De um jeito bem objetivo, essa passagem diz: “trate os outros como você gostaria de ser tratado”. Então acho que esse princípio vale de alguma forma para unir as perspectivas religiosas das muitas religiões. Ninguém quer nenhuma dessas características, dessas ofensas para si, logo elas não devem servir para ninguém. Então, o compromisso das religiões é sair dos pólos, despolarizar, perder a ambição pelo centro e entender esse lugar das lutas mais de diversas religiões podem caminhar juntas.
E aí cabe a cada liderança religiosa, especialmente nesse período eleitoral, não defender um ou outro candidato, mas sim lembrar esses valores, não é?
Sim, com certeza. A gente tem valores, questões, princípios de sobra para orientar nossas escolhas e compromissos. Tendo em vista que aquilo que funda a nossa principal razão e tradição de fé morreu torturado em uma cruz. Isso deveria ser um valor, um princípio. Alguém que considera a tortura razoável fere diretamente a história de alguém que funda a nossa tradição de fé e é torturado até a morte na cruz.
Publicado em Brasil de Fato, 4 de Outubro de 2018