Sabemos que o Evangelho deste domingo antecede à Paixão e Morte de Jesus. Então, por que colocá-lo no contexto de Ressurreição? E a razão está centrada na atuação mesma de Jesus. Ele antecipou, na sua vida pública, que o destino definitivo do ser humano é o coração de Deus. Somos de Deus; em Deus, já “somos seres ressuscitados”.
O grupo mais próximo de Jesus está vivendo um momento de máxima tensão e medo. O ambiente está carregado: a traição de Judas, o anúncio da negação de Pedro, a revelação da Sua partida. Apesar do temor e da inquietação pairando no ar, Jesus diz coisas que nunca dissera antes: palavras condensadas, luminosas, mobilizadoras, procurando quebrar o clima pesado e convidando os seus amigos à calma, à confiança e revelando que na casa do Pai há muitas moradas. Todos estão (estamos) envolvidos por este amor providente e cuidadoso do Deus Pai e Mãe; no seu coração cabem todos.
O contexto tenso vivido pelos discípulos nos revela que o medo e a angústia estão presentes no ser humano desde as origens. Todo ser humano atravessa certos momentos da vida marcado pela experiência do medo e, em algumas ocasiões, de angústia.
O medo é uma vivência forte e intensa que sentimos diante da presença de um perigo, mais ou menos imediato e concreto.
A angústia, que no seu sentido original latino (“angustus”) significa estreito, apertado, sem espaço, é um estado afetivo doentio que aparece como reação diante de um perigo desconhecido, difuso, mas que afeta e trava toda o nosso ser, até seu último neurônio.
O medo e a angústia podem impregnar nossa vida e pode provir das causas mais diversas: medo diante da enfermidade, do fracasso, dos problemas afetivos e econômicos, da pandemia… Seja como for, o medo e a angústia podem fazer-se presentes em nós e bloqueiam nossas vidas, paralisando toda iniciativa e criatividade.
Quando estamos atravessando uma crise grave, como aquela vivida por Jesus e seus discípulos na véspera da Paixão, é reconfortante entrar na profundidade de nosso ser e deixar ressoar estas palavras: “não se perturbe o vosso coração; tende fé em Deus, tende fé em mim também”.
É a experiência do encontro com o Ressuscitado que nos pacifica, mesmo em situações de crises, fracas-sos, horizontes sem saída…, quando o medo e a angústia se manifestam com mais força.
A serenidade é uma vivência profunda, íntima, salutar… De repente, alcançamos uma paz inspiradora, uma paz que ninguém pode nos comunicar; uma alegria serena que pacifica nosso interior. Basta permanecer nessa paz, na nossa morada interior.
Por isso, Jesus fala de lugares, de moradas…, espaços que pacificam e nos livram das angústias e medos. E o coração de Deus é a morada pacificadora por excelência. O “lugar” do ser humano é Deus; viemos de Deus e retornaremos a Ele. “Só Deus basta” (S. Teresa).
É da nossa condição humana buscar um espaço, um lugar hospitaleiro e acolhedor, o lugar onde nos situamos no mundo e onde podemos ser encontrados. Como é bom experimentar que todos temos lugar, espaço! Deus mesmo se faz espaço amoroso para nós, nos concede um lugar inspirador.
Sabemos que o ser humano não teria como sobreviver sem um lugar, sem um espaço. Assim como somos seres de inteligência, sensibilidade, relação, etc., também somos seres de lugares (“homo locus”); não qualquer lugar, mas aquele onde possamos nos descobrir capazes de amar e sermos amados, de acompanhar e sermos acompanhados, de contribuir e sermos criativos, de realizar e sentir-nos realizados.
O espaço faz parte do ar que respiramos em nível fisiológico e biológico, como faz parte das nossas experiências interiores.
A nossa sociedade parece estar indo à deriva justamente porque não sabe mais reconhecer “espaços diferentes e vitais”, porque tudo se torna igual e os lugares não falam mais, pois carecem de sentido e se revelam como lugares vazios. Os espaços são violados, os “lugares sagrados” são profanados, os “ambientes” carregados de sentido e de história já não revelam mais nada…
Esse é o primeiro sintoma de uma visão humana desastrosa e desastrada. Na insignificância e no achata-mento dos espaços está o primeiro e mais grave esmagamento do pensamento e da consciência, a ruptura das relações sociais, a frieza ecológica e o definhamento das experiências religiosas.
Neste mundo disperso, carente de espaços humanizadores, o evangelho de hoje nos dá referências e amparo. E a primeira referência que nos pacifica é a “casa”. “Na casa de meu Pai há muitas moradas”.
Caminhamos para a “casa” de Deus, sendo “casa” do mesmo Deus. Podemos, então, afirmar que quem realmente habita “nossa casa” não é o “eu”, mas Deus. “Em nós, Deus está em sua casa” (Mestre Eckhart). Esta morada interior é o espaço de transcendência, de oração, de admiração, de mistério, de silêncio; morada aberta e acolhedora, ambiente da comunhão, da comunicação, da intimidade; é a partir desta morada carregada de presenças que se vai ao Pai (Grande Morada).
Nesse sentido, a casa é mais do que uma realidade física, feita de quatro paredes, portas, janelas e telhado. Casa é uma experiência existencial primitiva, ligada ao que há de mais precioso na vida humana, que é a relação afetiva entre aqueles que a habitam e com aqueles que nela são acolhidos.
Casa, espaço do mundo que nós escolhemos, preparamos, organizamos, adornamos e fazemos a moradia a partir da qual contemplamos a Terra e o Céu. Por isso ela é reveladora de nossa identidade. “Dize-me como é tua casa e te direi quem és”. Ela é o espelho mais honesto dos nossos hábitos, o abrigo dos nossos medos, a nossa fotografia. É por este motivo, talvez, que muitos fogem da própria casa: não que-rem enxergar a si mesmos.
A casa nos ajuda a fincar raízes neste mundo e em nós mesmos; ela é lugar de referência e nos fornece orientação; ela anima nossa espera e alimenta o encontro; conserva nossa história, acolhe e guarda na memória as nossas alegrias e as nossas tristezas, as nossas conquistas e os nossos fracassos…
Estar em casa é estar no seu espaço, na sua intimidade, no lugar de plena liberdade e espontaneidade. Ela é o cenário principal do enredo e dos episódios de nossa vida; é o lugar seguro que nos possibilita repouso e revigoramento afetivo, bem-estar e proteção… Casa representa segurança e refúgio das ameaças que vêm de fora; ela nos oferece um espaço estabilizador e nutridor, suscitando vigor e saúde integral. Sem ela facilmente perdemos a calma e o equilíbrio, tornando-nos presas fáceis da agitação, da perturbação, do medo e da angústia.
O lugar cotidiano da casa se converte na epifania do divino, no lugar concreto do encontro com Aquele que faz de nossa casa, Sua morada.
Nossas moradas provisórias nos revelam que todos somos peregrinos em busca da morada definitiva; nosso coração anseia pelas moradas eternas: o coração do Pai, onde cabem todos.
Textos bíblicos: Jo. 14,1-12
Na oração: A casa é também a instância configuradora de nossa experiência de fé.
Diante de tantos ruídos e imagens que nos violentam, a casa torna-se o lugar da escuta, do silêncio, da interioridade e da comunhão com o Transcendente, através de mediações simples como uma escuta musical atenta, uma boa leitura ou o exercício diário da oração.
– Entre em sua casa e deixe que o Espírito transite livremente por ela, afastando todo temor, tristeza e angústia…
Foto de capa: Ateliê 15