“O Vaticano II faz-nos passar de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo” (Dom Aloísio Lorscheider).
A Igreja piramidal, por sua estrutura hierárquica, mais do que uma eclesiologia, é uma hierarquiologia. Na medida em que acontece a passagem para uma Igreja-povo, ela se torna circular, com estrutura comunitária. A palavra-chave da Igreja piramidal é “hierarquia”; da Igreja-povo, é “comunhão”. O próprio termo “Igreja” tem origem no grego “ekklesia”, que quer dizer “assembleia”. Mesmo com diferentes funções e responsabilidades, na “assembleia” todos e todas são iguais e têm o mesmo valor.
Para nós cristãos e cristãs, que acreditamos no Projeto de Jesus de Nazaré – o Reino de Deus na história do ser humano e do mundo – a comunhão na fé é uma realidade humana muito mais profunda que a democracia, mas a inclui. Sem democracia, a comunhão não existe, é uma enganação do povo.
No contexto desse raciocínio, surgem naturalmente algumas perguntas. Por que a Igreja (refiro-me aqui à Igreja Católica) – que defende a democracia na sociedade civil – não vive essa mesma democracia em suas estruturas internas? Se a democracia é um valor humano, não é também um valor cristão (radicalmente humano)? A Igreja não deveria ser um modelo de instituição democrática? Na realidade, o que acontece é justamente o contrário. No máximo, as “autoridades eclesiásticas” (como os padres nas paróquias e os bispos nas dioceses) se dignam por benevolência ouvir – às vezes até com interesse – o parecer das diversas categorias do Povo de Deus, mas se reservam sempre o direito de decidir. Tudo – dizem – tem caráter consultivo e não deliberativo.
Em muitos casos, nem essa “benevolência” é praticada. Na nomeação dos bispos – por exemplo – que é uma questão fundamental para a vida da Igreja – tudo é “articulado” com diplomacia (que não é um valor evangélico) e da forma mais secreta e sigilosa possível. No final do processo, costuma-se dizer que foi obra do Espírito Santo. Será mesmo!? Lembremos que, nos primeiros séculos do cristianismo, não era assim. Os bispos eram escolhidos pelas Igrejas locais e, às vezes, por aclamação, como aconteceu com Santo Ambrósio. Que diferença!
Hoje – por iniciativa do papa Francisco – fala-se muito em “Sínodo”. Mesmo assim, a “sinodalidade” (o “caminhar juntos”), na melhor das hipóteses, chega até à prática da escuta atenciosa e respeitosa do povo, mas não chega até à tomada das decisões finais, que continuam sendo uma prerrogativa da “hierarquia” (formada só de homens). Ora, para que haja verdadeira comunhão eclesial (uma eclesiologia de comunhão) deve haver a participação democrática plena de todos e de todas não só nas reflexões e discussões, mas também nas decisões. Como na sociedade civil o voto do presidente tem o mesmo valor do de qualquer cidadão/ã, assim também na Igreja o voto do padre, do bispo (ou papa) deveria ter o mesmo valor do de qualquer cristão/ã. Será que chegaremos lá!
A Igreja não ensina que “pelo ‘senso da fé’ (‘sensus fidei’), o conjunto dos cristãos (…) apresenta um consenso universal sobre questões de fé e costumes”? (A Igreja – LG 12); não ensina também que “o Povo de Deus é santo em virtude da unção do Batismo, que o torna infalível ao crer (‘in credendo’)”? (A Alegria do Evangelho – EG 119). Então, por que a Igreja – consciente ou inconscientemente – tem tanto medo de ser plenamente democrática? Não é falta de fé no Espírito Santo?
Nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) não se usa a palavra Sínodo, mas a palavra Assembleia, mais conhecida e praticada no meio popular. No jeito de ser Igreja das CEBs, todos os ministérios ou serviços são iguais e tem o mesmo valor. Todas as decisões são tomadas democraticamente, na comunhão eclesial de irmãos e irmãs (a chamada “comunhão hierárquica” não existe), com as luzes do Espírito Santo que (diga-se de passagem) não é propriedade das chamadas “autoridades eclesiásticas”.
O Documento da CNBB “Missão e Ministérios dos Cristãos Leigos e Leigas” – 62 (1999) – que infelizmente a própria CNBB logo se encarregou de esquecer – afirma: “Embora o Concílio Vaticano II tenha lançado as bases para uma compreensão da estrutura social da Igreja como comunhão, essa estrutura continua ainda sendo pensada dentro do binômio clássico ‘hierarquia – laicato’”, que “condiciona fortemente o nosso modo de entender e de viver a realidade eclesial e a missão”.
Sugere, pois, que seja repensada toda a estrutura social da Igreja e reelaborada toda a teologia dos ministérios a partir do binômio “comunidade – carismas e ministérios”, que aliás – afirma o próprio Documento – é a perspectiva do Novo Testamento (leia o Documento, sobretudo os números 104, 105 e 106). É esse o caminho para passar de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo. Cabe a nós percorrê-lo. Não sejamos omissos!