“Quando a mulher está para dar à luz, entristece-se porque a sua hora chegou; quando, porém, dá à luz a criança ela já não se lembra dos sofrimentos, pela alegria de ter vindo ao mundo um ser humano” (João 16,21).
Num momento de profunda crise as comunidades dos e das discípulas amadas recordam que Jesus comparou o momento de dor que estavam vivendo à hora da mulher. Ao fazer isso ele se enxertou na tradição bíblica de comparar a história, em momentos de crise, a dor e alegria que a mulher vive ao dar à luz (Is 13,8; 26,17-18; 66,7-14; Mq 4,9-10; Ap 12,1-3). Somos convidados/as a entrar nesta corrente, sentirmos a dor e indignação pelas mortes da pandemia que podiam ser evitadas, pela morte que está sendo causada à Casa comum.
Percorremos nestes artigos a memória do discipulado de mulheres que as comunidades nos deixaram como herança e agora nos fazem o convite de fazer acontecer a hora. As mulheres ao se encontrarem com Jesus o ajudaram a compreender a sua hora e a identificá-la com a hora das mulheres.
A “hora” de Jesus é a hora da cruz. A hora em que seu coração, transpassado pela lança, vai derramar sangue e água (19,34), como a mulher ao dar à luz derrama água e sangue. E ao romper das águas e do sangue o coração de Jesus se torna útero que dá à luz a nova comunidade, a nova humanidade. A hora de Jesus se torna a hora dos discípulos e discípulas amadas. A hora de despir o manto e vestir a toalha para ser comunidade que serve e realiza os mesmos sinais de seu Senhor e Mestre (13,12-15).
A mulher conhece em seu corpo o mistério da “hora” e, é agora a hora da mulher segredar, comunicar às Igrejas sua experiência única, intransferível: a de ser mulher real, verdadeira, ser simbólico místico, ser Igreja.
Hora de a mulher segredar às Igrejas de apreender com ela a ser espaço habitável, espaço de gestação, espaço de nascimento, renascimento. Hora de segredar a arte de ser harmonia entre espaço e tempo, ser ritmo de vida. Ser cúmplice na capacidade de expelir o que não serve para vida, purificar-se de tudo que a torna madrasta. Apreender juntas, mulher-igreja a recomeçar sempre de novo, renovar-se, recriar-se: mistério de fluidez, dinamismo, transformação. A de ser útero de misericórdia, mistério de amor, efusão de amor, efusão da Ruah.
A hora de a mulher segredar e ensinar às Igrejas viverem a diakonia: como a Mãe no antecipar da hora que transforma a água em vinho, tornando a festa mais festa; com a Samaritana no serviço da universalidade do crer e do amar que bebe no poço da água viva; com Marta na intrepidez e ousadia que questiona e faz suas as palavras da confissão: Tu és o Cristo; com Maria derramando o bálsamo da profecia, boa notícia de mulher até hoje; com a Mãe no amor de oblação que entrega e acolhe; com Maria de Magdala que na busca, encontra, reconhece, anuncia.
Hora de a mulher acordar – recordar seu mistério: efusão, transbordar da Ruah, sendo: testemunhas do crer que coloca no centro a vida; testemunhas da alteridade, reciprocidade, parceria universal na água viva; testemunhas da ressurreição na empatia das lágrimas, na ousadia do crer; testemunhas da Boa Notícia da mulher no bálsamo derramado que profetiza e perfuma até hoje; testemunhas do amor oblativo na circularidade que nasce da dor aos pés da cruz; testemunhas do homem e da mulher nova, da vida que vence a morte, no envio, no anúncio como no jardim; testemunhas da Ruah derramada na água e sangue. Ruah, sangue e água, três em um, no corpo da mulher, por isso o Ressuscitado as escolheu para serem as primeiras testemunhas da vida que vence a morte, escolheu-as para serem apóstolas, para dizer aos seus discípulos Ele vive, para anunciar a Ressurreição.
Conclusão… Continuação… Ensaio, principiar… Ensaio, intuição, perfume a ser perseguido… Parece-me que os rastros, as pegadas estão aí… O papel da Ruah, aquela que Jesus derramou sobre nós do alto da cruz, do seu coração aberto é memória, recordar, ensinar tudo o que não podeis compreender…
Ousadia que me faz exclamar: qual a beleza que salvará o mundo? Qual a beleza que salvará as Igrejas?