A espiritualidade tem sua origem na palavra ‘espírito’. E ‘espírito’ é alento, é respiração, é ‘Ruah’ que anima nossos corpos e nos permite estar vivos.
A palavra ‘espiritualidade’ foi usada também no sentido das coisas ou dos gestos que nos ajudam a viver melhor. Assim, a palavra espiritualidade evoca algo que nos harmoniza, um certo ‘bem estar’ consigo mesmo proveniente de ‘algo bom’ que nos ajuda a viver. É como se na afirmação da palavra espiritualidade incluíssemos a busca de uma força que de certa forma nos ajudaria a enfrentar as dificuldades do cotidiano e nos ajudasse a estar bem com as outras pessoas e até sermos melhores.
É nessa linha que a tradição cristã fala do sopro vital do Espírito e dos dons do Espírito Santo. Vamos lembrá-los.
São eles: conselho, entendimento, fortaleza, sabedoria, piedade, ciência e temor a Deus. De uma forma ou de outra em todas as religiões há o incentivo de práticas no estilo dos sete dons que nos convidam a dar e receber conselhos, a buscar a compreensão das coisas da vida, a sermos fortes sobretudo nas adversidades, a termos piedade o que significa termos compaixão uns em relação aos outros, a termos ciência ou seja a desenvolvermos o conhecimento de nós e do mundo e a termos temor a Deus, ou seja, a termos atitudes que respeitem o conjunto da criação que não é obra nossa, mas que encontramos aí quando nascemos. Viver uma espiritualidade é educar-se a viver na linha desses dons do Espírito.
Há assim uma espécie de fundo genérico para o que chamamos espiritualidade. Porém, as religiões, sobretudo os monoteísmos e o cristianismo em particular, colocam nesse movimento da vida humana os chamados intermediários. Os intermediários são pessoas, ou a Bíblia interpretada de diferentes formas, ou os catecismos, ou comportamentos sacrificiais propostos, ou orações repetitivas que seriam uma espécie de modelos e de instrutores que nos conduziriam na vida ou nos inspirariam a realizar tais e tais ações em favor de nós mesmas e dos outros. Assim por exemplo muitos intermediários durante a celebração da Quaresma nos convidam a sacrifícios corpóreos como se reproduzíssemos em nós os sacrifícios de Jesus Cristo.
O problema maior ou as dificuldades para nós quando nos submetemos sem pensar aos intermediários é que muitas vezes podemos nos escravizar às suas vontades ou a regras estabelecidas e não desenvolver em nós um dom do Espírito que não é citado claramente nesses sete dons, embora esteja presente, e que se chama LIBERDADE.
A Liberdade como dom não é fazer o que se quer, mas perguntar o sentido do que nos dizem que é para fazer, e ajustar esse sentido à realidade de nosso tempo e de nossa vida comum. O dom da Liberdade nos convida a refletir sobre nós mesmas/os e sobre os efeitos reais do que os intermediários nos oferecem como espiritualidade.
Cada tempo e cada grupo de pessoas tem uma espiritualidade, um ‘bom ar’, uma boa respiração que lhes pode ajudar a levar a vida de forma digna. Caso a espiritualidade nos escravize e nos faça sofrer é preciso revisá-la. O dom da liberdade interior que nos abre ao bem comum deve comandar todos os dons e, portanto, deve estar presente na nossa espiritualidade cotidiana. A liberdade não é dada espontaneamente. É cultivada, aprendida, renovada como o ar que respiramos. A liberdade é como o vento que sopra onde quer e é capaz de renovar a nossa vida se ousamos respirá-lo.