O COMEÇO DE TUDO
Talvez fosse bom começar dizendo quando pela primeira vez você ouviu dizer que existiam comunidades eclesiais de base? De onde veio isso? Como isso apareceu? Talvez fosse melhor começar por aí.
CARLOS MESTERS: Eu acho que o trem já estava andando há muito tempo quando eu fiquei sabendo que ele existia. Eu voltei de Roma em 1963, e aí fui chamado para ajudar em São Paulo no nosso seminário. A primeira vez que entrei em contato direto com o trabalho bíblico foi com dom Marcos Noronha[1], que para mim foi uma pessoa muito importante. Ele foi bispo de Itabira, MG.
Um dia, teve um padre na diocese dele que divulgava as coisas do Concílio Vaticano II, mas era um pouquinho apressado e estava dividindo uma comunidade em Água Fresca, perto de Itabira. O Marcos apareceu lá em casa e me disse: “será que você não tem alguma coisa na Bíblia? Porque eu acho que a comunidade não deve ficar dividida por causa de Jesus e talvez a Bíblia possa ajudar”. Foi a primeira vez que eu entrei em contato bem concreto com um problema de comunidade. Fui lá na periferia, num quarto bem pequeno, com um quadro negro, e eu com giz tentando falar da Bíblia para ver se unia a comunidade. Porque a Bíblia ajuda, e o povo aceita. Isso foi difícil para mim porque eu não sabia…
Em que ano isso mais ou menos?
CARLOS MESTERS: Devia ser 1968, por aí, eu não lembro mais. Muitas vezes eu voltei lá no Marcos Noronha. Uma vez fui porque tinha uma moça, diziam, que era possuída do demônio e que ela evocava o demônio. Ele me chamou para eu falar da expulsão dos demônios nos evangelhos. Foi num lugarzinho bem no interior de Minas, onde o trem também não havia chegado. Uma coisa muito interessante era ver como o pessoal ficava atento, mas eu não lembro mais o nome do lugar.
Noutra ocasião ele me contou também de um Sr. Clemente, eu acho que ele era de um bairro de Itabira. Naquela ocasião, ele estava tomando posse como Bispo, viu esse senhor, com cabelo já branco, na fila, e como Jesus fez com Zaqueu, ele disse: “Clemente, depois vou tomar um cafezinho na sua casa”. Esse Clemente foi o grande animador das comunidades em toda aquela região até a morte dele. São coisas pequenas, mas que revelam um pouquinho de Marcos Noronha. Ele dizia assim: “no passado nós tiramos a palavra do povo, a primeira coisa que temos que fazer é o povo poder dizer a sua palavra. Porque a palavra do povo foi seqüestrada”, e isso ficou na minha memória. Marcos era muito preocupado em fazer com que o povo pudesse de novo dizer a sua palavra. Marcos não foi compreendido. Sofreu demais nessa nossa igreja e é por isso que aconteceu tudo o que vocês conhecem. Eu me lembro quando eu fui acusado em Roma, lembram? Eu recebi um telefonema: “Carlos, aqui é Marcos, não responda, não responda, não responda, conselho de amigo, tá?” E desligou. Nunca respondi. Isso era o Marcos! Ele falava para não responder porque eles queriam alguma coisa para poder me atacar. Não respondi nunca. Eu acho que a melhor coisa é não responder nem a Roma e nem a polícia, para o trabalho poder continuar escondido!
E quando você ouviu falar, pela primeira vez, de círculos bíblicos?
CARLOS MESTERS: Para mim foi numa quaresma em Belo Horizonte, há muitos anos atrás, acho que foi em 1968 também. Alberto Antoniazzi[2] chegou lá em casa e disse assim: “nós temos aqui uns seiscentos grupos de reflexão na diocese”. E eu nem sabia que existiam. Por isso eu disse que o trem já existia e eu nem sabia. E ele disse: “eu queria saber se nós poderíamos fazer alguma coisa com a Bíblia, e se você poderia ajudar”. Essa foi uma provocação. Então eu me lembrei de uma senhora, numa vez, que no ônibus ia conversando com outra mulher, e ela dizia assim: “Vim com a família do interior para a cidade, aqui de Belo Horizonte, em busca de emprego, mas não deu nada certo. Eu esperava melhorar de vida, mas… e agora já faz três anos e nada aconteceu”. Ela dizia isso quando estava voltando para a sua terra. Essa conversa me lembrou os discípulos de Emaús. O primeiro círculo bíblico que eu fiz foi sobre Emaús com a conversa dessas duas donas. Eu tentava colocar o texto da Bíblia com o texto da vida. Quem me ajudou muito foi o irmão de Dom Fragoso[3], Domingos Fragoso, que agora está impossibilitado na cama porque teve um derrame; ele era filósofo, falava em texto, pré-texto e contexto, filosoficamente. Depois me arrependi de ter usado essas palavras. Ao invés de pré-texto, se deve colocar a realidade; ao invés de contexto, a comunidade e o texto é o próprio texto bíblico. O triângulo veio daí. As conversas com frei Domingos Fragoso, que era professor de filosofia, me ajudaram muito para entender que Bíblia sozinha não funciona, nem abre os olhos. O que abriu os olhos dos discípulos de Emaús foi o contexto da comunidade, o ambiente comunitário de amizade em que eles se encontravam com Jesus. Tudo isso sempre foi muito útil para mim.
Então, ao menos para mim, o trabalho com os círculos bíblicos começou em Belo Horizonte. Naquele começo, durante vários anos os fiz e o Padre Antônio Gonçalves os publicava. Ele ainda está bem vivo por lá.
E todo ano nós fazíamos o material para os círculos bíblicos, livrinhos pequeninos que Antônio Gonçalves, da igreja de Santos Anjos, publicava todo ano numa série, para os grupinhos de Belo Horizonte. E de lá foi que nasceu a coleção dos círculos bíblicos da Editora Vozes. As Vozes publicaram no começo dos anos 70 uma coleção de 40 Círculos Bíblicos, cuja fonte está naqueles de Belo Horizonte.
Carlos, sua primeira tentativa de sistematizar o que seria mais tarde a Leitura Popular da Bíblia foi seu livro Palavra de Deus na História dos Homens. Quando e onde surgiu a primeira edição desse livro?
CARLOS MESTERS: A primeira edição de A Palavra de Deus na História dos Homens foi feita por Pascoal Rangel da editora O Lutador[4] e aí frei Ludovico[5] veio falar comigo: “vem ficar conosco”. Até hoje me arrependo; não deveria ter feito, mas em todo caso até o Rangel compreendeu. Foram dois livrinhos que saíram muito, e nasceram quando os padres franceses[6] foram presos em Belo Horizonte em 1968[7]. Eles apanharam dos militares que lhes disseram: “voltem para casa, franceses!”. Aí eu me lembrei do profeta Amós, quando a polícia lhe disse: “volta para sua terra, profeta!”. Aí fiz um artigo bem curtinho no Diário de Belo Horizonte com o título: “Ninguém gosta de profetas”. E, várias vezes, escrevi artigos sobre a Bíblia, ligados com a situação daquela época.
Ivo Lesbaupin: Eu lembro que em 1970, na prisão, eu ouvi falar dos círculos bíblicos, por isso que eu estou…
CARLOS MESTERS: Em 1970, quando você, Fernando, Betto e Tito estavam na prisão, o Fernando, um pouquinho antes, tinha preparado a publicação de Rezar os Salmos Hoje, pela editora Duas Cidades, que era dos dominicanos, lembra?
Ivo Lesbaupin: Estou tentando lembrar…
CARLOS MESTERS: Frei Fernando trabalhava na Editora Duas Cidades que era dos dominicanos. No momento em que ele foi preso, tinha quase terminado o livrinho Rezar os Salmos Hoje para o qual consegui como prefaciador Dom Clemente Isnard que era o responsável pela linha da Liturgia da CNBB[8]. Fui até Nova Friburgo e Dom Clemente logo aceitou fazer o prefácio. Era na época em que se começava a rezar o Ofício em português. Eu fiquei até um pouco preocupado e lhe disse “Dom Clemente, não é para Ofício Divino, não. É para rezar nas comunidades”. Assim, o livrinho foi publicado. Vocês estavam presos e, durante toda da prisão de vocês, nós rezávamos os Salmos do livro Rezar os Salmos Hoje. Lembro que, durante uma semana, ele apareceu uma vez entre os dez livros mais vendidos. Eu até mandei um recado para vocês na prisão. Visitei vocês duas vezes, uma vez na prisão em São Paulo e uma vez no interior de São Paulo na prisão de Presidente Wenceslau, senão me engano. Aí levei o livrinho para Fernando. E aí Fernando disse: “você ainda tem que cumprir a promessa de fazer o comentário do evangelho de Mateus”. Fernando insistia sempre, até hoje.
Ivo Lesbaupin: Eu sempre disse, acho que até escrevi isso na tese, enfim, mas a minha idéia é que a raiz do caráter subversivo das comunidades de base, ninguém percebeu, mas foi você quem tinha colocado. A Santa Sé demorou uns trinta anos para abrir processo contra você, mas lá no começo você percebeu que as comunidades sem discussão bíblica não teriam tido fôlego. Foi essa possibilidade de ler sem alguém entendido, o padre, a freira que explicasse, porque antes era preciso alguém para explicar a Bíblia senão o pessoal não poderia ler. A minha idéia é que você criou instrumentos para que o próprio povo pudesse ir lendo e dando sua interpretação mesmo.
AS ORIGENS DO CEBI
Como é que foi que surgiu o CEBI?
CARLOS MESTERS: Sempre digo que o CEBI começou antes de começar a existir. Quer dizer: já existia a leitura que o povo fazia da Bíblia, independente de nós. Nas conversas do grupo de Petrópolis[9] se dizia: Existe a CPT, existe o CIMI e existe a CPO. Agora se tem que criar alguma coisa que possa dinamizar essa leitura que mantenha o povo no seu caminhar, pois a leitura da Bíblia é como a gasolina escondida que mantém o motor funcionando. Aí Jether Ramalho[10] disse: “você tem que entrar nisso”. – E como é que faz? – “Você tem que dar cursos”. – Que cursos? – “Três cursos: capacitação, atualização e de base”. A capacitação deve ser de quatro semanas, em nível nacional, o de atualização deve ser de dez dias ou de duas semanas, em nível regional, e o de base deve ser de um fim de semana, em nível local. Aí fizemos o primeiro curso de atualização em Volta Redonda e depois um curso de capacitação em Angra dos Reis, com vinte pessoas. Acho que foi um dos melhores, porque lá a gente captou o método. Foi assim: a semana tem sete dias e a gente trabalha seis dias. Quatro semanas vezes seis dias são vinte e quatro dias de trabalho. Aí, arrumei vinte e quatro assuntos, para cada dia um assunto de Bíblia. Mas o pessoal não queria esses assuntos. Eles queriam aprofundar e estudar os problemas relacionados com o uso da Bíblia nas comunidades. Lembro que entre os participantes estavam frei Pedro, padre Moacir de Aratuba, Antônio Muniz que hoje é bispo de Guarabira. Havia gente do Brasil inteiro. Nós não abrimos inscrições gerais, com propaganda, mas convocamos pessoas as quais sabíamos que estavam interessadas no assunto da leitura popular da Bíblia. E aí passamos os primeiros dois ou três dias para saber quais os problemas que tínhamos e depois como é que poderíamos resolver esses problemas. Em seguida, fizemos quatro grupos de cinco e toda noite nos reuníamos até dez horas. E quando se terminava de preparar as coisas, o pessoal dizia: “E agora você vai preparar o assunto para amanhã!”. Então, muitas vezes, a gente trabalhava até meia noite, duas horas da manhã, durante um mês. Pra mim foi bom, só acho que abusei um pouquinho da saúde.
Assim foram quatro cursos de quatro semanas. O primeiro foi em Angra dos Reis. O segundo foi em Caxias do Sul na casa de padre Orestes[11], o terceiro foi em Goiânia no centro de treinamento de Dom Fernando. O quarto, senão me engano, foi em Vitória, no Espírito Santo. Depois destes, houve muitos outros de dez dias, como foi no Acre, em Belém do Pará, e no Brasil todo. A partir daí foram nascendo os grupos regionais, mas a leitura popular não depende do CEBI. O CEBI está ajudando, articulando, mas acho que já existia no meio do povo esse jeito de ligar a Bíblia com a vida. Foi lá que o aprendi.
A LEITURA POPULAR DA BÍBLIA
Para você, quando foi que começou a leitura popular da Bíblia?
CARLOS MESTERS: Para mim começou com a repressão das lideranças no ano de 1964. Muitas lideranças foram cortadas e perseguidas, e muita gente se deu conta de que era necessário um trabalho muito mais capilar e muito mais respeitoso da cultura e da religião do povo. Eu lembro de um padre que vivia numa cadeira de rodas de Belo Horizonte. O nome dele era Felipe. Ele trabalhava junto com um padre polonês. Acho que o nome deste era Cândido. Padre Felipe dizia: “acho que a gente tem que respeitar um pouco mais a religião do povo”. Isso ficou na minha cabeça. Muitos pensavam que, depois do golpe de 64, fosse haver um levante do povo e não houve nada. Nós comíamos sopa com o garfo! Sabe o que é comer sopa com garfo? Já tentou? Os métodos usados no trabalho com o povo não eram o que deviam ser. Não conseguiam o resultado que se desejava. Então as pessoas perceberam que temos que levar muito mais a sério a maneira de pensar do povo. No Nordeste houve um grupo bom que fez isso. Eles se enfiaram nas comunidades, debaixo da proteção do grande guarda-chuva ou do chapéu da igreja, que os protegia. Eles começaram o trabalho nas comunidades com a Bíblia. Para mim isso foi um dos começos mais importantes, onde as comunidades criaram força e consistência e começaram a ir em frente.
Uma vez, numa conversa entre Oscar Beozzo[12] e Dom Luís Fernandes,[13] numa praia no Espírito Santo, disseram que seria bom a gente se unir e se encontrar. Esta conversa entre os dois foi a semente do I Encontro Intereclesial de CEBs. Fui convidado para participar. Para preparar o intereclesial, eles fizeram um formulário com algumas perguntas para as comunidades. Todos os assessores e assessoras receberam cópia das respostas e tiveram que fazer uma reflexão em cima disso. Isso foi publicado, vocês devem ter[14].
Outra coisa que eu acho, é que… o Espírito estava soprando muito. Ah! sim, uma outra coisa que também ajudou muito foi a atividade dos evangélicos que iam nas casas do povo com Bíblia na mão. O católico criava um complexo de que não sabia Bíblia. Isto nós víamos nos encontros bíblicos em que perguntavam, por exemplo: “Frei como é que responde, Jesus teve mais irmãos?” Essa pergunta toda vez vinha, por causa dos evangélicos que batiam nas portas das pessoas. Indiretamente isto trouxe um grande benefício, pois provocou em nós o retorno para a Bíblia.
Nem sempre era fácil. A gente teve que aprender muito! Uma vez, em São Mateus no Espírito Santo, com Dom Aldo,[15] houve um curso de Bíblia para o pessoal das comunidades de lá. Teve um momento em que os participantes começaram a fazer perguntas. Lembro que a primeira pergunta foi “qual a fruta que Eva pegou?”. “Quantos dias demorou o dilúvio?” Estas e muitas outras eram perguntas de linha fundamentalista. No ano seguinte eu voltei lá. Durante aquele ano a pastoral da diocese tinha começado a fazer um trabalho de higiene, de saúde popular. Pois, sabe que um ano depois as perguntas eram outras? Já não eram, na linha fundamentalista, mas tinham a ver com a vida do povo. Aí eu percebi que as perguntas que o povo tem sobre Bíblia têm muito a ver com a maneira com que a comunidade está inserida na vida do povo. Aí cai o fundamentalismo e nasce outro tipo de pergunta que tem a ver com a vida. Então, como no episódio de Emaús, a Bíblia sozinha não abre os olhos; o que abre os olhos é a comunidade inserida no meio do povo concretamente.
Uma irmã comboniana, secretária da diocese de São Mateus, fez o relato desses cursinhos tanto do Antigo como do Novo Testamento, e foi publicado no boletim da diocese. Depois foi reimpresso e até hoje circula por aí. O que eu queria dizer é que a leitura popular da Bíblia foi de uma força muito grande para as comunidades.
Este curso foi antes ou depois dos primeiros intereclesiais?
CARLOS MESTERS: Eu acho que foi antes do primeiro. Eu me lembro que no intereclesial havia o padre Lucas e o padre João, dois portugueses que eram muito abertos. Depois se tornaram mais conservadores. Engraçado né, como são coisas da vida. Eles eram da diocese de São Mateus e me lembro de os ter encontrado num encontro em Vitória, e já os conhecia desde São Mateus, nos anos de 1970.
Importante para mim foi o seguinte: aconteceu entre 1969 e 1970. Eliseu[16] era do Ceará. Ele foi convidado pelo padre Moacir, vigário de Aratuba, no Ceará. Frei Cláudio, eu e Eliseu fomos a um encontro de camponeses em Sobral, também no Ceará. Foi a primeira vez que entrei em contato com o mundo rural do Nordeste. Aí o pessoal sentou lá e começaram a contar as várias formas de “sujeição” da vida deles. Sujeição e dominação na família, na terra, na religião, no comércio, dos latifundiários, … Enquanto eles estavam falando, eu lembrava das aulas do Padre João Paul Audet, professor de Bíblia, sobre o paraíso terrestre. Então, a fala dos camponeses clareou para mim o curso, e o curso me ajudou entender esses camponeses.
Este curso eu fiz lá de Jerusalém, onde estudei nos anos 1960 a 1962. Deste confronto entre as aulas de João Paul Audet e a experiência dos camponeses do Ceará nasceu o livrinho Paraíso terrestre, Saudade ou Esperança?[17] Nasceu lá.
Foi lá no Ceará que assisti pela primeira vez a uma missa sem batina, sem paramento. Pensei comigo: “Como é possível?” Teve uma hora que pediram para eu presidir, e eu disse: “mas eu tenho que colocar os paramentos”. Senão não conseguiria. Não é engraçado? Quando eu colocava os paramentos, parecia que me encontrava. Hoje acontece o contrário comigo. A gente mudou um bocado. Nesse encontro estava Dom Fragoso, estava muita gente boa. O encontro durou seis dias e para mim foi muito importante.
Foi desse curso que se originou aquele livro sobre os porões…?
CARLOS MESTERS: Não. Certa vez, Dom Fragoso me convidou para ir para lá. Ele me disse: “você não poderia vir para pregar um retiro para nós?” Então, eu preparei o retiro e escrevi 200 páginas, com o título “A roça de Deus”; era um texto para os camponeses, e quando cheguei lá disseram “não queremos isso, não”, e ficou tudo perdido, está lá em casa ainda. Quanto ao retiro, correu tudo bem e foi uma boa lição para mim, pois tive que elaborar tudo lá mesmo. Todo ano, no mês de dezembro, eu voltava a Crateús. Depois, em 1975, eu consegui passar meio ano e fiquei de vigário em Poranga, que fica na fronteira entre Ceará e Piauí. E lá, certa vez, íamos visitar as comunidades na região da Macambira. Seria no lombo do jumento, eram oito léguas, mas na véspera entrei numa rede para dormir, e a corda rebentou e cai no chão. Isso doeu um bocado. Aí disseram: “não dá para ir de jumento, não!”, e fomos de jipe. Fomos descendo até chegar a um lugar que chamam de Pitombeira. É lá que o vento faz a curva e Judas perdeu as botas. O porão da humanidade! Lá ficamos uma semana inteira. Um povo alegre e hospitaleiro. Para não esquecer eu anotava algumas coisas num papel bem pequeno, e escrevia, cada dia, só umas três ou quatro palavras. Terminada a visita, olhei aquelas palavras e escrevi tudo. Em uma noite escrevi aquele livrinho.
Qual era o título do livro?
CARLOS MESTERS: Seis Dias nos Porões da Humanidade[18]. E aí Dom Avelar Brandão[19], que era bispo de Salvador, vinha muito na nossa casa no Rio, e eu dei para ele ler esse livrinho e ele disse: “eu gostei muito mas não gostei do título, não. Eu colocaria Uma luz no Fim do Túnel”, mas ficou esse título Seis Dias nos Porões da Humanidade, mesmo.
Uma vez num encontro de formação você nos contou uma experiência que você teve com pescadores analfabetos. Foi nesse período que você esteve lá no Nordeste?
CARLOS MESTERS: Foi o encontro que depois chamaram “A fé vem pelo ouvido”. Foi um encontro difícil porque era com gente que não sabia ler. Ao todo umas trinta pessoas. Fui junto com a irmã Agostinha[20].
Foi no começo do CEBI. Deve ter sido em 1978. Então, lá reunimos umas trinta pessoas. Ninguém tinha livro na mão, também não adiantava, né? Colocamos uma Bíblia aberta no meio da roda. Aí eu perguntei: “o que é melhor, ela fechada ou aberta?” Eles responderam: “para nós tanto faz”. Eu disse para eles: “antes de saber o que tem dentro desse livro para nós, eu quero saber como as letras entraram nesse livro”. Eles ficaram curiosos. Irmã Agostinha tomava nota de alguma coisa. Perguntei: “Agostinha, diga uma frase que você tomou nota ontem?” Ela leu uma frase. Perguntei: “Quem foi que disse essa frase?” Todos responderam: “Foi o Damião!” Perguntei: “Damião, você sabe ler e escrever?” – ”Sei não!” – ”E agora tem palavra sua escrita!” Esta dinâmicas, a gente pensava juntos. Nos reuníamos de noite, até meia noite, para saber como continuar no dia seguinte, para ter uma dinâmica. Porque o pessoal não deixa você falar cinco minutos. Quando não agrada, eles dizem: “dá licença, vou tomar água”. E teve uma hora lá que mais da metade do grupo estava tomando água. Aí nos demos conta que algo não estava certo. Então inventamos uma outra dinâmica. Eu disse: “gente, eu saio como Carlos e volto como Jacó está bom?” Aí eu cheguei e disse boa tarde! Eles responderam: “boa tarde Sr. Jacó, como vai? De onde o senhor vem?” – “Eu venho lá da Palestina” – “E como é lá, como vive o povo de lá?” Aí eu fui contando. Fiz de conta que eu era do tempo de Abraão, dialogando com eles. Todo mundo entrou na conversa. Era teatro sem público. Ficou bonito, viu!
Esse encontro foi feito com a irmã Agostinha, e depois dele a gente escreveu um texto: A fé vem pelo ouvido. O texto era para ser publicado pelo CEBI, mas não foi publicado, são muitas páginas.
Este texto não saiu publicado em lugar nenhum?
CARLOS MESTERS: Deve estar por aí, mas acho que certas coisas têm vida e morte. Já passou o tempo delas. Acho que foi uma pena não ter publicado, porque tinha toda uma dinâmica e refletia a dificuldade que tivemos no encontro. Depois, no fim daquele encontro, fizemos uma avaliação, e o que mais me chamou a atenção foi um menino que disse assim: “o que eu mais gostei deste encontro, foi aquela hora que o senhor pegou uma cadeira para aquela dona poder sentar”. Eu achei interessante, que os gestos ficaram na cabeça do menino.
Outro momento importante foi um encontro em Aratuba, no Ceará, na região da serra. Lá tem mais de cem comunidades acompanhadas pelo padre Moacir. E lá o encontro comunitário era assim, começava às dez da manhã nos domingos, uma vez por mês e ia até três da tarde. Aquela vez que participei, havia no encontro uma senhora chamada Beá. Ela tinha andado com duas crianças na mão e uma na barriga a noite toda na chuva, e chegava lá de manhã cedinho. Perguntei pra ela: “Beá, a senhora não cansa?” E ela dizia: “o que a gente gosta não cansa”. Estive depois na casa dela, e era uma casa sem piso, sem telhado, sem parede, sem porta, sem janela. Você pode imaginar? O chão era comum, as paredes eram de taipa, a porta um buraco maior e a janela um buraco menor, o telhado de folha de bananeira. E lá estava a Beá participando do encontro com as crianças. Havia também duas freiras participando. Numa hora, disseram para a irmã: “Irmã, a senhora tem alguma coisa para nos dizer?” Ela disse: “Posso fazer uma pergunta?” Eles disseram “pode”. – “Vocês não rezam?” Um olhou para o outro assim, mas não deram resposta e continuou o encontro normalmente. Depois, o Moacir escutou dois camponeses, que estavam deitados na rede descansado, um disse para o outro assim: “você viu? Aquela irmã acha que nós não reza” e o outro disse assim: “deixa pra lá, ela não entende”. Você vê, essa é uma outra maneira de ver as coisas.
Nesta mesma paróquia de Aratuba, Agostinha e eu fizemos um encontro de Bíblia e no fim uma avaliação. Eu disse: “Vamos avaliar o que vocês descobriram?” Falaram de tudo, menos de Bíblia. Eu disse: “Moacir, o encontro foi de Bíblia”, ele disse: “Pode deixar”. Aí, quando você tem na mão uma esponja cheia de água, você não vê água, mas basta apertar que sai água. Quando Moacir fez a pergunta direta só saiu Bíblia. Durante aquele encontro teve uma missa que começou às oito da manhã e terminou às duas da tarde, só foi interrompida pelo almoço. Nela se falou de tudo. Tudo o que foi vivido foi falado, e o povo participava. Padre Moacir sabia fazer isso.
O padre Zé Maria, não sei se vocês conheceram o padre Zé Maria, ele chegava nas comunidades chinelo de dedo no pé. O pessoal dizia: “O padre está aí; será que vai haver missa ou casamento? Alguém morreu?” – “Não!”. – ”Então o que o Padre veio fazer aqui?” Zé Maria respondia: “Vim visitar vocês”. Uma senhora disse: “Me cai o queixo! Mas estou gostando! Pode começar pela minha casa!” Gestos assim modificam na cabeça do povo a idéia que eles tem de padre.
LEITURA BÍBLICA E CELEBRAÇÕES
Para você, por que é importante leitura bíblica e celebrações?
CARLOS MESTERS: Celebrações, para mim, são como cimento que une os tijolos na parede. Se você não tem cimento e coloca muito tijolo, a parede não tem consistência e tudo cai. A celebração para o povo que participa é algo muito importante. Na semana passada estive em Angra dos Reis num curso de Bíblia; tinha duzentos e cinqüenta pessoas na igreja. Todas as noites de 19:30h às 21:30h. No fim foi uma celebração para encerrar tudo e você sente que de repente as coisas se ligam. Você já viu quando a água começa ficar muito gelada? De repente, o gelo parece que fecha tudo e cria a consistência. Às vezes é numa celebração que eles vão entender as coisas que foram faladas antes. Celebração e explicação andam juntas.
Uma outra coisa nova que estou percebendo, não sei se estou certo. Aconteceu em Goiânia, no Curso de Verão[21]. Havia muitos jovens. A fala era na linha libertadora, mas as atitudes, os cânticos e os gestos eram na linha carismática. Na interpretação da Bíblia, eles misturavam as duas coisas. Tudo misturado! Era um fenômeno novo que eu não sabia explicar bem. … Vocês também não têm a impressão de uma certa mistura que está havendo entre uma linha libertadora e uma linha carismática? Depois fiquei pensando, acho que isso é positivo, se for possível um casamento entre a linha libertadora e a linha orante-carismática. Isto me faz lembrar uma frase de Marina,[22] que agora é Ministra, ela foi cria do Dom Moacyr[23]. Dom Moacyr até hoje se pergunta porque será que ela foi para a Assembléia de Deus? Ela mesma dizia: “Para a luta em favor do povo preciso da teoria da libertação mas para rezar eu vou nos crentes, para a Assembléia de Deus”. A Benedita[24] diz a mesma coisa. Talvez aí esteja uma coisa para a gente refletir um pouquinho mais sobre a importância da oração para o povo. Quando num encontro as celebrações mexem com a vida, o pessoal sai animado, e sai animado também com as explicações do texto bíblico. Ficam muito agradecidos. São as três coisas: a pergunta concreta da vida, o aspecto comunitário da celebração e a leitura do texto bíblico. Café, leite e açúcar, os três. Ver, julgar e agir.
O que significou o encontro de Santo Domingo[25] para a caminhada bíblica?
CARLOS MESTERS: Quase ninguém mais fala de Santo Domingo. Em Santo Domingo, tudo tinha sido preparado com o método nosso, da América Latina: ver, julgar e agir. Mas Roma derrubou e desorganizou tudo… Dom Vital[26] estava lá. O único monumento antigo da cidade que não foi iluminado para o evento, sabe qual foi? A estátua de frei Antônio Montesinos, frade dominicano. O primeiro grande profeta da América Latina. Vi essa estátua. Em 1513, ele deu o primeiro grito profético. O monumento foi deixado no escuro. Acho que é por isso que a conferência de Santo Domingo impressionou tão pouco. Se não fosse Dom Luciano,[27] nem documento teria saído. Foi uma confusão total, por causa da imposição de Roma. Graças a Deus que não se fala mais nisso.
Também quem me ajudou muito foi Dom Waldyr Calheiros[28]. Muitas vezes fui lá para ajudar nos cursinhos de Bíblia para as comunidades com Eliseu, que era secretário do CEBI. Dom Waldyr tinha uma intuição muito clara do que o evangelho quer realizar na vida do povo. O povo gosta dele. Naquele tempo, havia muitos grupos bíblicos na periferia de Volta Redonda.
O que você destaca dos encontros intereclesiais de CEBs?
CARLOS MESTERS: Dos primeiros intereclesiais eu lembro vários: O primeiro e o segundo de Vitória, no Espírito Santo. O terceiro de João Pessoa com umas 200 pessoas ou mais. Lá tinha uma senhora, de Osasco, chamava-se Paulinete. Deram para ela o texto do Êxodo: “eu ouvi o clamor do meu povo”. Aí, eu não sei mais quem era o coordenador, pediram que ela fizesse um comentário. Foi de improviso. Ela fez o seguinte comentário que jamais esqueço: “aqui diz que Deus escutou o clamor do povo e não diz que Deus escutou a oração do povo; não digo para não rezar, mas “Deus escutou o clamor”. E nós primeiro queremos que o povo reze e só depois vamos escutar o clamor dele. Deus faz o contrário”. Esse tipo de comentário revela um olhar diferente. O povo faz comentários e perguntas diferentes.
Certa vez, no interior de Minas, em Lajinha de Mutum, alguém observou depois da leitura da ressurreição de Lázaro: “Quem pode mais, pode menos”. Perguntei a ele: “O que você quer dizer com isso?” – “Quem pode ressuscitar morto também pode dizer: pedra vai embora, Lázaro vem para fora. Por que Jesus mandou o povo tirar aquela pedra pesada? Podia dizer: pedra vai embora e Lázaro vem para fora”. São perguntas bonitas, não acha? Aí eu disse “eu não sei. Faça um cochicho para ver se a gente acha a resposta”. Um disse: “Eu sei. A nós cabe tirar a pedra. Tem lugar onde o povo não quer tirar a pedra, aí Deus não ressuscita a comunidade”.
Também perguntaram: “O que fizeram com o vinho que sobrou em Caná, que eram seiscentos litros para um casamento pequeno?” E eles disseram: “Estamos bebendo até hoje…”. Depois, eu fui falar com Johan Konings[29] que é especialista no evangelho de João. Eu disse: “Johan, me diga se isto está certo?” Ele disse; “esse é o significado. O Evangelho de João é simbólico do começo ao fim. O povo percebe a dimensão simbólica melhor do que nós!”
Um outro exemplo: em Linhares, no Espírito Santo, eles leram o texto que diz: “Vocês não podem comer carne de porco!” Eles queriam saber o que Deus nos quer dizer com essa frase: “Vocês não podem comer carne de porco”. Conhecem essa interpretação? Eles disseram Deus quer dizer a nós: “Vocês devem comer carne de porco”. – “Por que?” – “Porque na Bíblia a gente percebe do começo ao fim que Deus está preocupado com a vida do povo. Depois que saíram do Egito, eles entraram no deserto. Quando você mata um porquinho naquele deserto, sem água, no dia seguinte a carne já está podre. E estava dando doença no povo e matando gente”. Aí disseram: “Deus não quer que a gente coma carne de porco não, porque naquele tempo a carne de porco estava matando muita gente. Mas hoje nós temos geladeira, temos água e sal e a única carne que temos são os bacurizinhos que tem aí no terreiro, e se a gente não der essa carne para os filhos, vai prejudicar a saúde deles. Portanto, a nós, hoje, Deus manda comer carne de porco”. Isso é um comentário que o povo faz. Ele pega o sentido pelo contexto. Tira as coisas lá do fundo do baú.
Você acha então que os círculos bíblicos vieram antes de se começar a falar de uma leitura popular da Bíblia?
CARLOS MESTERS: Sim, já existiam. Nós não somos donos dos círculos bíblicos. Isso já existia. O Espírito Santo sabe o que faz. Em Belo Horizonte havia seiscentos grupos, dizia padre Alberto Antoniazzi. Eu não sabia que lá existiam tantos grupos. O povo mineiro gosta de rezar. Também não sei dizer se eles se reuniam sempre, e não dá mais pra perguntar ao padre Alberto que já está com Deus. Creio que eram grupos que se reuniam, sobretudo no período da quaresma. Esta era uma iniciativa da diocese de Belo Horizonte. Talvez o padre Antônio Gonçalves possa dar a resposta. Ele publicava os livrinhos com os roteiros que a gente fazia. Tem uma porção desses livrinhos que foram feitos.
Em muitos lugares, a gente sabe, depois do Vaticano II, se criou o costume da novena de Natal, onde se lia a Bíblia. A novena favoreceu os círculos bíblicos e os círculos bíblicos influenciaram as novenas.
CARLOS MESTERS: Eu acho que é como a primavera: aqui aparecem as flores e por lá vem voando as andorinhas. Vem tudo ao mesmo tempo, mas uma coisa não está ligada com a outra. Está ligada é com o conjunto da época; eu acho que é mais ou menos assim. Naquela época estava surgindo a renovação da liturgia, na língua vernácula, foi publicada a tradução da Ave Maria[30] que já deve ter cento e setenta edições. São vários milhões de exemplares. Tudo começou com o padre franciscano Josué de Castro. Acho que o nome deste homem, como o de tantos outros daquela época, não pode ser esquecido. É uma força grande que foi suscitada no povo por meio desta tradução pioneira da Bíblia. Ela fez acontecer muita coisa. A bíblia da Ave Maria é uma tradução brasileira da assim chamada Bíblia de Maredsous, cidade na Bélgica, onde fica um mosteiro de beneditinos que fizeram a tradução do hebraico para o francês. Uma vez, com Valmor[31] nós tivemos que ir à Bélgica, numa reunião da FEBIC, no convento de Maredsous, onde morava o frade que tinha feito a tradução do hebraico para o francês. Nós levamos a centésima vigésima edição da Ave Maria, em português, e a entregamos a ele. Em nome do povo brasileiro, de milhões de brasileiros, nós fizemos um agradecimento. Tinha um frade que dizia: “e os direitos autorais?” Mandei ele verificar a introdução do frei Josué de Castro, onde tudo está esclarecido. Acho que esta Bíblia fez um bem muito grande. Eu vejo por mim mesmo: a gente começou a rezar o Ofício em português pela Ave Maria. Agora existem mais de quinze traduções diferentes em português.
Voltando ao assunto que você perguntou, acho que a leitura popular já estava existindo, o pessoal estava comprando a Bíblia, começava a ler e se reunir, em todo canto. Esse movimento dos círculos bíblicos ajudou o povo a se organizar melhor, o pessoal começa a se congregar e se conhecer. Era a época da repressão dos anos 64 e 68. Abandonado por todos, o povo começa a se reunir e se encontrar.
Outra coisa que ajudou muito foi o método ver, julgar e agir. Este método mudou na cabeça do povo a concepção que tinham da revelação de Deus. Antes, a gente pensava assim: tudo o que Deus tem a nos dizer Ele já o falou no passado e nos é transmitido pelo catecismo e pela Igreja. Mas este método de ver, julgar e agir, antes de olhar o que Deus falou no passado, manda olhar os fatos que estão acontecendo. Só depois procura jogar sobre os fatos a luz da revelação, isto é, da Bíblia e dos ensinamentos da Igreja. O método modifica a visão que você tem da revelação de Deus. Você descobre que Deus não só falou no passado, mas ele fala é hoje. A Bíblia é como um espelho para iluminar onde Deus fala hoje. É como aquele espelhozinho que capta a luz do sol e a joga na cara do outro. A Bíblia capta a luz de Deus e você a joga em cima dos fatos. Assim, se vê que a revelação, a fala de Deus, o apelo de Deus está lá nos fatos, iluminados pela Bíblia.
Mas quando se dá o encontro da leitura bíblica com o método ver, julgar e agir que era utilizado pela Ação Católica?
CARLOS MESTERS: Acho que esse encontro já existia quando nós o descobrimos.
Quando surgiu a lógica do círculo bíblico: o fato da vida, o fato da Bíblia, a celebração/compromisso, este método já estava implícito?
CARLOS MESTERS: Sim, no começo se falava em pré-texto, texto e contexto. Depois, a partir do texto do episódio de Emaús se começou a falar em Realidade, Bíblia e Comunidade. Jesus primeiro pergunta pela realidade: “De que vocês estão falando?” Só depois começa a usar a Bíblia. E a Bíblia sozinha não abre os olhos. O que abre os olhos é o gesto comunitário: convite para entrar, rezar juntos, comer juntos, a fração do pão, a memória de Jesus.
E quando se reflete assim que na verdade o círculo bíblico é também uma derivação pastoral do método Paulo Freire? Você tinha ouvido falar no método Paulo Freire? Você conhecia isso?
CARLOS MESTERS: Não. Quem fez essa ligação foi o Rogério[32]. O Rogério fez uma tese sobre o método de Paulo Freire e a sua ligação com a interpretação que se faz da Bíblia. Assim fiquei sabendo. Eu gostava muito do Paulo Freire, mas nunca tinha conhecido o homem. Também não tinha lido muito. Lia um pouquinho. Acho que são coisas que também já estavam no ar, e que a gente captava. Fui na missa de sétimo dia da morte da Elza, esposa dele, porque a gente deve demais a ele. Acho que ele impulsionou isso tudo com o método dele. São muitos os fatores que contribuíram: ver, julgar e agir; as comunidades de base; a própria repressão da ditadura militar. O povo abandonado tanto pelo governo como pela Igreja oficial se encontra consigo e com Deus através dos círculos bíblicos. Um reencontro!
Isso foi ainda na década de 60?
CARLOS MESTERS: No dia 31 de março de 1964 eu estava em Itu, São Paulo, pregando um retiro para seminaristas nossos, quando se deu o golpe, “a gloriosa”[33], com Castelo Branco. E muita gente estava de acordo. De 64 a 68 houve uma mudança muito grande na Igreja. Em 1968 eu estava em Belo Horizonte quando foi dado o golpe dentro do golpe. Aí a visão da gente já era completamente diferente. Foi aí que vocês foram presos, não foi Ivo? De 1968 até 1972. Em 1972, esses encontros em Petrópolis promovidos por vocês foram muito importantes.
Quando você foi julgado?
CARLOS MESTERS: 1968 e 1969. Éramos trinta, e aí um general, acho que foi o irmão de Figueiredo, perguntava: “Você acha que Jesus faria aquilo que vocês fazem?” Eu disse: “Acho que sim!”. – Ele dizia: “Que nada! Jesus era um homem de amor e fraternidade, nunca faria coisas desse tipo”. Eliseu disse: “Vamos combinar o seguinte: eu sou o culpado, eu assumo tudo”. Grande Eliseu! E depois todos nós fomos absolvidos.
E por que foram julgados?
CARLOS MESTERS: Porque houve um manifesto. No Rio de Janeiro mataram um menino e não sei mais o nome. Creio que se chamava Edson[34]. Este Edson foi morto numa passeata e houve um manifesto contra o ato de violência redigido por Eliseu e André, os dois dominicanos.
Isso foi em Belo Horizonte?
CARLOS MESTERS: O manifesto foi em Belo Horizonte. Uns trinta assinaram e todos nós fomos enquadrados no processo. Tivemos que ir para Juiz de Fora. Fomos defendidos pelo irmão de Dom Fragoso que estava lá. Ele foi nosso advogado. Depois fomos absolvidos e o juiz que nos absolveu disse assim: “quando o padre termina a missa ele diz ‘ide em paz, e que o Senhor vós acompanhe!’– e ele, no coração, pensa ‘tomara que voltem da próxima vez’. E eu digo a vocês ‘ide em paz’ e no meu coração desejo e penso que vocês nunca mais precisem voltar aqui”.
E o chamado Grupo de Petrópolis?
CARLOS MESTERS: Eu posso falar um pouco sobre isso? Estavam lá o Eliseu e o Orestes. Eu falava muito com Orestes – éramos muito amigos. Eu dizia: – “Orestes, eu não me sinto bem lá, não. Porque parece que estamos todos aqui, estamos discutindo a mesma coisa, olhando para a mesma realidade, mas é como se eu olho por uma janela diferente de vocês. Não capto a partir de onde vocês falam. Estou aqui com vocês, gosto do que escuto, aprendo muito, mas alguma coisa resiste dentro de mim. Aquele livro da Marta Harnecker[35] que alguém me deu para ler. Li aquele livro e não consegui engolir aquela maneira de ver e analisar a realidade”.
Ivo Lesbaupin: No ano passado o grupo completou trinta anos. E aí se pediu que cada um escrevesse sua experiência no grupo, umas duas páginas. E eu pus no papel que no início, quando formamos esse grupo, a gente reuniu Leonardo[36], Libânio[37], Mesters, três dos grandes teólogos e exegetas do Brasil. A idéia era que o pessoal não conhece Marxismo. Então precisaria que conhecessem o Marxismo, a luta de classes. Então, vamos reunir um grupo para discutir em torno disso. E durante vários anos a gente conseguiu entrar um pouco nessa dinâmica, o Libânio também, mas o Mesters nunca entrou. Quando a gente passou o livro do Fernando Belo, Leitura Materialista de Marcos, o Mesters sempre lia. – “E aí, gostou?” Ele dizia: “gostei, mas parece que ele tenta enfiar o evangelho e não cabe, o evangelho extrapola”. E a gente pensava “o Mesters não pegou ainda o negócio”, aí o tempo passou e o Mesters sempre resistiu; ele nunca tentou, era o jeito dele e ele dizia o que estava pensando. Com o tempo nós vimos que o Mesters nunca cedeu e hoje nós vemos que ele tem razão, nós é que estávamos enganados, estávamos tentando forçar a barra de tudo quanto é jeito.
CARLOS MESTERS: Tive uma falha na minha formação porque nunca estudei bem a filosofia moderna. Mandaram-me estudar em Roma e eu perdi metade do ano, em 1954. A partir de Hegel eu nunca estudei; acho que essa é minha falha, sabe? Tentei ler coisas a respeito, mas não completa a falha que houve.
Frei Carlos, em 1975 surgiram os Intereclesiais e em 1974 surgiu o Grupo de Emaús. Havia uma relação ou era outra coisa?
CARLOS MESTERS: Acho que o Grupo Emaús foi muito importante. No começo ele não tinha nome. Depois chamaram de “Grupo Zero”. Dele nasceram muitas coisas: nasceu o CEBI, nasceram os intereclesiais, nasceu o CESEP e várias outras iniciativas. Foi um grupo muito importante. O CEBI nasceu de lá, das conversas desse grupo.
Queria falar de outro assunto. O livro que vocês vão publicar vai ter como título O DNA das CEBs. Eu não colocaria esse título, não. Sabem por quê? Não sei se estou certo, mas quando você diz o DNA das Comunidades Eclesiais de Base, você se apresenta como uma pessoa que sabe. E acho que nós não sabemos. Temos que reconhecer que não sabemos. Quem sabe, aludindo ao texto de São Paulo na carta aos romanos, um título como “As dores de parto das Comunidades de Base” descreveria melhor, mas não dizer DNA, porque as CEBs não têm DNA. Eu acho um pouquinho presunçoso!
PENSANDO O FUTURO
Na atual conjuntura que perspectivas você vê para os grupos de base?
CARLOS MESTERS: Há um fechamento na nossa Igreja. Acho pena! Os 26 anos do pontificado de João Paulo II tiveram muita influência. Quando João Paulo II foi eleito, o Coetus Internationale Patrum[38], que era um grupo de bispos conservadores, recuperou a hegemonia. Eles perderam a hegemonia durante o Vaticano II. Na eleição de João Paulo II, eles a recuperaram. Ficaram 26 anos no poder e prepararam tudo para poder continuar. Vai demorar muito até que isso acabe… Às vezes fico pensando, desejando, que o próximo Papa seja uma pessoa não muito forte, porque, como diz o povo, “debaixo de pé de manga não cresce capim”. E não cresceu capim, mesmo, durante 26 anos. Acho que tem que diminuir um pouco o Vaticano para que a periferia da Igreja possa reaparecer e ter mais influência, pois o Papa não pode pretender ser o pároco do mundo.
Eu acho que do ponto de vista bíblico a caminhada continua com força, mas há também a leitura fundamentalista, que ficou muito mais forte. Ela cresceu demais, ficou mais forte em todas as Igrejas. E se for comparar uma com a outra, a leitura fundamentalista pega 80%. E talvez a leitura que a gente faz atinja uns 10%. Mas ela é como o sal. Sal nunca pode ser 80% da comida. O sal tem que ser pouquinho. A leitura que a gente faz da Bíblia tem que ser como o sal, não pode ser demais nem de menos. Tem gente que diz que as comunidades eclesiais de base já morreram. Eu sinto que a árvore não morreu, não, é tempo de poda. Eu sinto assim as comunidades. E a continuidade da caminhada não vai depender de quem for eleito Papa. Acho que não deve nem dizer “dependendo de quem vai ser eleito”, porque não vai depender dele. Nós temos que continuar com o nosso trabalho, com clareza e honestidade, nos ajudando mutuamente. E quanto mais ecumênico melhor, agrupando todas as religiões que acreditam em Deus, para que a religião seja colocada a serviço da vida e não vice-versa.
Aquele tempo do início dos círculos bíblicos foi um tempo de muita fermentação pastoral. E isso aconteceu por causa do Vaticano II, porque os bispos que retornaram de lá, imprimiram aqui uma dinâmica de intensa atualização teológico-pastoral e aí a Bíblia entrou junto.
CARLOS MESTERS: Dom Luís Fernandes, Dom João Mota[39], Dom Estêvão[40], Dom Fragoso, Dom Tomás[41], Dom Pedro[42], Dom Waldyr, e tantos outros. Dizia alguém: “Quem faz o padre é o povo, e quem faz o bispo são os padres”. Então esses bispos não eram isolados. Tinham um grupo ao redor deles. E eles se encontravam. Havia os encontros dos bispos. Vocês devem ter notado que os encontros destes bispos mais abertos foram importantes para a caminhada. E a base disso tudo que movimentava as comunidades era e continua sendo a leitura da Palavra de Deus, a Bíblia. Um exemplo concreto: participei de uma reunião lá no Ceará. Havia lá um fulano que tinha ido pro Sul, deixando a mulher dele no Ceará como “viúva de marido vivo”. Aí, alguém mandou uma cartinha para ele dizendo que um outro fulano, chamado Neco, estava bulindo com a mulher dele. Aí ele voltou e dizia a todo mundo: “eu vou matar o Neco”. E aí o pessoal da comunidade disse a ele: “mas antes de você matar, vamos fazer uma reunião”. Então, nessa reunião estavam todos sentados num roda, e ele também participou, mas estava fora da roda. E aí o pessoal pegou a Bíblia e leu um trechinho da Carta aos Gálatas, para quê, eu não sei. Alguém disse pra ele assim: “ó, João, se você vai matar o Neco você vai fazer duas viúvas”. – “Duas?” – “É, a mulher dele e a sua” – “Por que?” – “Porque você matando não pode mais viver aqui, você vai ter que fugir e sua mulher ficará como se fosse viúva”. – “É, é mesmo”. E não matou. São essas coisas que você não sabe como é que funcionam. Os comentários que o povo faz são muitos e diferentes do que nós padres fazemos. Por exemplo, aquele texto de Jesus e a Cananéia. Lemos juntos o texto e pedi para que nos grupos comentassem a atitude de Jesus. Era numa reunião dos Clubes de Mães. Todas eram mães de família. No plenário, nenhum dos grupos comentou a atitude de Jesus. Todas elas comentaram a atitude da mãe de família, da Cananéia. Porque olharam no espelho e disseram: “graças ao amor que a mãe teve pela filha nós estamos aqui, pois ela forçou Jesus, obrigou Jesus, a abrir o horizonte para além do povo judeu e se dirigir também aos pagãos”.
Como é que você conheceu o trabalho de Leonardo Boff e de Gustavo Gutierrez[43] sobre a Teologia da Libertação?
CARLOS MESTERS: Gustavo Gutierrez eu encontrei pela primeira vez, acho que foi no segundo Encontro Intereclesial das Comunidades de Base, em Vitória[44]. Ele apareceu por lá e fez uma palestra bonita sobre espiritualidade. Depois, ainda em um outro encontro que teve de teólogos em São Paulo. Tinha muita gente. E aí estava também um padre chileno … como é que se chama?
Sérgio Torres[45]?
CARLOS MESTERS: Sim, Sérgio Torres. Com Leonardo a gente foi se encontrando muitas vezes nas beiradas dos caminhos. Somos amigos. Uma vez, ele me pediu para fazer o prefácio do livro O Jesus Libertador[46].
Você também fez a introdução para Bíblia das Vozes. Depois, você pegou essa introdução da Bíblia Vozes e criou um curso popular, não foi?
CARLOS MESTERS: Sim, é um desses livrinhos pequenos sobre a Bíblia. Chama-se: Bíblia, livro feito em mutirão.
Além do CEBI, qual é o papel do SAB? É uma coisa mais institucional?
CARLOS MESTERS: O SAB é o Serviço de Animação Bíblica da CNBB. Antes estava ligado à congregação das Irmãs Paulinas, que começaram a promover o mês da Bíblia. Foi a irmã Rosana Pulga que o fundou em Belo Horizonte. Às vezes, a gente tentava ajudar. Nós do CEBI tivemos várias reuniões em conjunto a respeito dos textos para o mês da Bíblia. Inicialmente, elas estavam mais preocupadas em difundir o material de publicação do mês da Bíblia, mas depois foi se alargando. Atualmente, o SAB promove muitos encontros e cursos em todo canto. Agora é a irmã Romi que está organizando. Foi a Rosana que começou. Eles começaram com a Semana Bíblica muitos anos antes do CEBI.
Uma outra coisa que é preciso lembrar aqui é que em várias paróquias começavam a surgir grupos bíblicos como reação ao crescimento das igrejas evangélicas. Eles tinham uma leitura mais ao pé da letra. Às vezes, estes grupos eram mais conservadores. Pois quando se começa a ler a Bíblia ao pé da letra, ela se torna um “tijolaço” que pode matar a fé das pessoas. Mas em muitos casos esta leitura mais conservadora ou apologética foi mudando e se abrindo. Um exemplo bonito disso é o movimento ao redor do jornal O Lutador que nasceu como uma reação aos protestantes, sobretudo no interior de Minas. Mas pouco a pouco os novos foram abrindo e criou-se o MOBON[47]. Sabe quantos grupos ele tem no Brasil? Em torno de quinze mil, espalhados pelo Mato Grosso, Minas Gerais, Rondônia. Quando teve o movimento dos grupos dos “Sem Terra” em direção a Brasília anos atrás[48], quando a marcha parava à noite, os grupos do MOBON que vieram do Mato Grosso se reuniam e faziam o círculo bíblico. Diziam: “Sem a Palavra de Deus não vai!”. É o João Resende[49], sobretudo, um dos grandes animadores do Movimento da Boa Nova. É um movimento que vem do interior de Minas. E Minas trabalha em silêncio! “Quando Minas fica agitada, o Brasil está em perigo”, dizia um político. Vale à pena aprofundar um pouquinho isso. Minas é o Estado que tem o maior número de prefeitos e vereadores do PT. Acho que o MOBON tem muita influência nisto, graças a Deus! Eles têm encontros sobre Fé e Política, todo ano. Este é o MOBON. Acho que também não se pode esquecer o Projeto Palavra-Vida[50], que também nasceu a partir desta maneira de ler a Bíblia que apareceu nas Comunidades Eclesiais de Base.
Por que o Projeto Palavra-Vida foi cortado pela hierarquia?
CARLOS MESTERS: Enquanto foi da CLAR[51] ele foi cortado. Aqui no Brasil, graças ao acordo feito entre CRB e CNBB, ele foi ressuscitado e foi realizado até o fim. Aqui havia um bom diálogo entre CNBB, através do Dom Luciano como presidente e Dom Aloísio[52] como coordenador da Comissão Episcopal de Doutrina, e, pelo lado da CRB, padre Edênio Valle[53].
Eles se juntaram e aí o projeto foi até o fim. Foi um Projeto de formação bíblica na perspectiva popular da vida religiosa no Brasil. Pois, se a vida religiosa voltou a fazer a leitura orante, em boa parte foi porque o povo das comunidades batia nas portas das casas das irmãs e perguntava: “Irmã, como é que explica esse texto?” Nesse caso a vocação veio de fora. Acho que foi desta maneira que nós, religiosos e religiosas, voltamos a exercer um aspecto muito importante da nossa missão primária de ajudar o povo nessa parte da leitura orante da Palavra de Deus. Isto aconteceu em muitos lugares, sobretudo com as comunidades inseridas das religiosas. Acho que sem esses grupos das religiosas inseridas, por esse Brasil a fora, você não explica a renovação da Igreja católica que houve nos anos 60 e 70. Elas é que ajudavam o povo na animação da Palavra de Deus. Foi daí que veio a idéia do Projeto Palavra-Vida. Quando no começo dos anos 80, o Papa passou no Haiti convocando a Igreja da América Latina para se preparar durante uma novena de nove anos para comemorar os 500 anos da vinda do evangelho, em 1992, os bispos chamaram os religiosos e pediram para eles também tomar alguma iniciativa neste sentido. Os religiosos se reuniram, senão me engano foi em Buenos Aires, e procuraram saber o que poderiam fazer para responder ao apelo dos bispos e do Papa. E sabe o que eles disseram? Nós vamos fazer o contrário do que fizeram quando viemos há 500 anos atrás. Pois em 1492 e em 1500 os cristãos vieram falando e não escutaram o povo. Agora vamos aprender com o povo na leitura da Bíblia. Aí nasceu o projeto Palavra-Vida. Originalmente, o título seria “Sub Verbo Dei” (debaixo da Palavra de Deus). Depois mudou para Palavra-Vida. Acho que esse projeto com seus oito volumes foi algo muito importante.
A encrenca que deu foi por causa de Santo Domingo. Antes de Santo Domingo a equipe Latino-americana se demitiu porque não havia mais ambiente nem liberdade para poder trabalhar.
Eu conheci os círculos bíblicos ainda em papel mimeografado. Havia muitas equipes locais encarregadas de preparar os círculos bíblicos aqui na arquidiocese do Rio de Janeiro e por todo o Brasil. Depois, com a organização do CEBI, eu acho que houve uma burocratização desse processo. Todo o Brasil refletindo, pelo menos no mês da Bíblia, a partir do mesmo livro da Bíblia, na mesma perspectiva.
CARLOS MESTERS: O mês da Bíblia já deve ter mais de quarenta anos. No início, a equipe determinava qual o livro a ser estudado mais de perto. Mas a partir do começo dos anos 80, faziam uma pesquisa para saber do povo qual o livro que gostariam de estudar no ano seguinte. Assim, em 1983, a pesquisa teve como resultado a indicação do livro do Apocalipse de João. Este ano de 2005 vai ser sobre Oséias. A partir desta indicação surgem muitas iniciativas de estudo diferentes em torno do livro de Oséias. Existe a indicação de um livro, mas creio que isto não tira a liberdade nem as iniciativas, pois todo mundo continua livre para aceitar ou não a indicação do livro para o mês da Bíblia.
Mas houve uma uniformização. Mas não deveria ser assim. O que os grupos na base reclamavam é que faltava subsídio. Então se começou a preparar um subsídio nacional, porque o mês da Bíblia era nacional, supondo que esse subsídio seria trabalhado e mastigado pela equipe local. O problema é que quando surgiu o subsídio nacional, as equipes locais pararam de preparar o seu material. Esse é o problema.
CARLOS MESTERS: Em muitos lugares eles pegam esses livrinhos e depois adaptam. Também isso acontece. O livrinho serve de inspiração e aprofundamento e, depois, a partir do livrinho, o pessoal trabalha, fazem círculos bíblicos, cursos. Quem deveria fazer a distribuição do material são as equipes locais. Elas precisam adaptar o material a partir da realidade local. Porque se você lê a Bíblia a partir da realidade, alguém tem que falar dessa realidade. É impossível você fazer um livro nacional. A realidade é muito distinta. Reclamam muito do material… isso é uma faca de dois gumes! E a gente às vezes não sabe bem como isso acontece.
Quais são as perspectivas que você vê para as CEBs?
CARLOS MESTERS: É difícil. Mas se você comparar de 1964 até hoje, ou os últimos cinqüenta anos, muita coisa foi feita. Então, baseado no que se passou, a gente vê que a situação pode mudar. Mas espero que acabe esse clericalismo. Acho que a perspectiva deve ser na linha ecumênica, o mais ampla possível, porque do contrário não há futuro. A religião tem de ser um instrumento em defesa da vida, e não ao contrário. Também são importantes as novas leituras que estão acontecendo em torno da pessoa de Jesus. Muita coisa nova está aparecendo, que é um reflexo de como nós estamos lendo e encarando a vida hoje. Acentua-se a insistência no aspecto humano de Jesus. Quanto mais humano tanto mais divino. E não só a dimensão humana de Jesus, mas também a dimensão humanizadora. A vivência da fé em Jesus tem que ser antes de tudo humanizadora, não precisa ser muito religiosa, mas tem que ser humana. Acho que isso é muito importante. A vivência da fé em Jesus deve ser ecumênica, humana e libertadora.
E isto deve ser um processo que começa lá na base da convivência humana, e que procura restabelecer o relacionamento humano. Como diz a última frase do Antigo Testamento, do profeta Malaquias, que fala do retorno do profeta Elias que vem para reconduzir o coração dos pais para os filhos, dos filhos para os pais. Refazer o tecido dos relacionamentos humanos e, assim, preparar a chegada do Reino. Isso eu acho que é básico. Se não tiver isso, o resto é peruca em cima de careca, tinta de óleo em parede molhada.
Você diz que a perspectiva seria de reduzir o clericalismo, ampliar o ecumenismo. Não é exatamente o contrário que tem acontecido?
CARLOS MESTERS: Eu acho que não. Às vezes é assim: você olha para o céu e você vê que as nuvens vão para lá, mas aqui em baixo o vento está vindo para cá. Você entendeu o que eu quero dizer? Existe um movimento hegemônico na Igreja católica oficial, mas na base o pessoal que não concorda sai, porque eles não agüentam, mas não largam o compromisso. Eles inventam outras maneiras. Acho que esse clericalismo não tem futuro. Acho que é a autodestruição. A vida vai brotar e vai arrebentar, implodir isso. O clericalismo ainda vai durar muito tempo, vai ser um tempo de muita confusão e vai ser duro de agüentar.
Eu quero perguntar mais uma coisa: e Jesus Cristo no Terreiro[54]…
CARLOS MESTERS: Isso deu pano pra manga. Uma vez eu recebi uma carta de um bispo, não sei de onde ele é, chama-se Maimônides. Ele disse assim: “eu quero saber, foi o senhor que escreveu? Qual foi o resultado?” Aí eu dei a resposta: “Fui eu” e dei para ele as razões. Não me arrependo de ter escrito aquilo.
E ele contestou?
CARLOS MESTERS: Não lembro. Aquele texto foi feito para figurar como ponto final no último volume do Projeto Palavra-Vida. Depois, caiu na mão de um jornalista da Folha de São Paulo que o publicou. Aí, assim me informaram, muita gente escreveu carta para Roma porque, na opinião deles, isso era demais.
Ivo Lesbaupin: Eu fui dar um curso sobre o campo religioso brasileiro, sábado, lá em Duque de Caxias, RJ. Nesse sábado eu tinha que falar sobre religiões mediúnicas: candomblé e umbanda. Havia umas vinte pessoas mais ou menos. Volta e meia eles perguntavam: “mas professor, porque a gente precisa saber como é que eles fazem pra baixar os orixás? Nos ensinaram que a gente tem que se afastar dessas coisas”. Aí eu falei que era importante o respeito. Eu tive que desenvolver mais o assunto para eles não se assustarem.
CARLOS MESTERS: Uma vez uma senhora veio falar com Dom Fragoso, com uma criança: “o senhor podia benzer a criança?” Ele disse: “Posso”. E aí ele aproveitou e explicou que a melhor benção pra criança é o cuidado que a mãe tem para com ela etc, etc. Falou uns quinze minutos. Depois perguntou: “a senhora entendeu?” – “Entendi, sim, senhor, mas o senhor benze, não benze?”
Uma vez um frade nosso foi celebrar a missa no hospital Santa Helena, há muito tempo atrás. E estava lá um despacho na esquina da avenida com uma garrafa de cerveja e uma galinha morta. Estava todo mundo olhando e ele chegou e se meteu também a olhar. Ele disse: “Vocês têm medo?” Aí ele pega a garrafa de cerveja, coloca no bolso, porque o bolso da batina era grande, e disse assim: “está vendo, não precisam ter medo, não”. Sabe o que o povo disse: “É, sim, mas o senhor é padre!”. Isso ainda vai levar muito tempo, porque são resistências que não obedecem aos argumentos.
Principais obras de Carlos Mesters
Palavra de Deus na história dos homens. 1º. vol., Petrópolis: Vozes, 1969.
Palavra de Deus na história dos homens. 2º. vol., Petrópolis: Vozes, 1971.
Deus, onde estás? Petrópolis: Vozes, 1971, 216p.
Paraíso terrestre: saudade ou esperança. Petrópolis: Vozes, 1971, 162p.
Por trás das palavras: um estudo sobre a porta de entrada no mundo da Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1974, 257p.
Seis dias nos porões da humanidade. Petrópolis: Vozes, 1977, 115p.
A Missão do povo que sofre: os cânticos do servo de Deus no livro do Profeta Isaías. Petrópolis: Vozes, 1981, 194p.
Flor sem defesa: uma explicação da Bíblia a partir do povo. Petrópolis: Vozes, 1983, 206p.
Esperança de um povo que luta: o Apocalipse de São João – uma chave de leitura. São Paulo: Paulinas, 1983, 82p.
Rute. Petrópolis: Vozes, 1986, 67p.
Paulo apóstolo: um trabalhador que anuncia o Evangelho. 2.ed. São Paulo: Paulinas, 1991, 143p.
O Profeta Jeremias – Boca de Deus, boca do povo: uma introdução à leitura do livro do profeta Jeremias. São Paulo: Paulinas, 1992, 151p.
Peregrinos nas estradas de um mundo desigual: salmos de romaria. São Paulo: Paulus, 1998, 60p.
Bíblia: livro feito em mutirão. 23ª. ed., São Paulo: Paulus, 2002.
Apocalipse de São João. A teimosia da fé dos pequenos. (com Francisco Orofino) Petrópolis: Vozes, 2003.
[1] Dom Marcos Noronha, foi o primeiro bispo da diocese de Itabira-Coronel Fabriciano, participou de parte do Concílio Vaticano II. Iniciou o processo de implantação das CEBs na região. Enfrentou muita oposição interna e externa. Diante dessas dificuldades, foi aconselhado a renunciar para ser transferido para outra diocese. Renunciou, mas nunca mais foi nomeado para outra diocese.
[2] Alberto Antoniazzi (1937–2004), padre italiano, teólogo, trabalhava em Belo Horizonte, tendo se destacado pela capacidade de coordenar iniciativas pastorais como o Projeto Pastoral Construir a Esperança. Foi assessor especial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil nos últimos 20 anos. Respeitado por bispos e teólogos de todo o país, teve participação central nos principais documentos da CNBB desse período.
[3] Dom Antonio Fragoso, bispo Emérito de Crateús, Ceará, tem grande participação na história das CEBs no Nordeste do Brasil.
[4] O Lutador é um jornal católico e editora com sede em Belo Horizonte.
[5] Frei Ludovico Gomes de Castro, frade franciscano, diretor da Editora Vozes (1964-1986). Apoiou o trabalho de Leonardo Boff e da Teologia da Libertação.
[6] Em dezembro de 1968, o exército prendeu em Belo Horizonte três padres franceses, da Congregação dos Assuncionistas, acusados de subversão. Eram eles Xavier Berthou, Michel Le Ven e Herve Groennec.
[7] MESTERS, Carlos. Palavra de Deus na História dos Homens (2 volumes). Manhumirim, MG, O Lutador, 203p, 1969. O livro publicado pela Ed. Vozes: Palavra de Deus na História dos Homens, vol. 1, 213 p., 1970. O vol. 2, 206 p., saiu em 1971.
[8] Dom Clemente Isnard, monge beneditino, bispo emérito de Nova Friburgo, RJ, perito em Liturgia.
[9] Grupo informal, ecumênico, que reúne assessores e assessoras de pastoral popular ou de CEBs. Começou a reunir-se em 1974 e hoje tem o nome de “Grupo de Emaús”. O assunto é retomado mais a diante, nesta mesma entrevista.
[10] Jether Pereira Ramalho, formado em Sociologia (UFRJ) e mestre em Educação (PUC-RJ), foi editor da revista Tempo e Presença (1984 até 1998). É membro da Igreja Evangélica Congregacional do Rio de Janeiro, colaborador do CESEP e assessor das CEBs desde 1976.
[11] Trata-se do Centro de Orientação Missionária, que formava padres, religiosas, leigas e leigos do Sul para atuarem na pastoral popular, principalmente no Norte e Nordeste. Fundado pelo Pe. Orestes João Stragliotto, um grande impulsionador da Pastoral popular no Brasil, que depois foi pároco em Nova Hamburgo.
[12] José Oscar Beozzo, padre da Diocese de Lins, SP, coordenador do CESEP (Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular) e um dos fundadores da CEHILA (Centro de Estudos de História da Igreja na América Latina). Participou e assessorou vários Intereclesiais. É um dos principais assessores nacionais das CEBs.
[13] Dom Luís Gonzaga Fernandes (1926-2003), foi bispo na diocese de Campina Grande, PB. Antes fora bispo-auxiliar em Vitória, ES (1965-1981), onde aconteceu o 1º e o 2º Encontros Intereclesiais das CEBs. É considerado um dos ‘patriarcas’ das CEBs.
[14] MESTERS, Carlos et al. Uma Igreja que Nasce do Povo. Petrópolis: Vozes, 1975.
[15] Dom Aldo Gerna, bispo de São Mateus, ES, está presente na caminhada das CEBs desde o 1º Intereclesial de CEBs.
[16] Eliseu Lopes, dedicou-se ao trabalho bíblico popular no CEBI, foi frade dominicano e tornou-se um dos pioneiros das CEBs por sua atuação na Diocese de Goiás.
[17] MESTERS, Carlos. Paraíso Terrestre: saudade ou esperança. Petrópolis: Vozes, 1971.
[18] MESTERS, Carlos. Seis dias nos porões da humanidade. Petrópolis: Vozes, 1977.
[19] Dom Avelar Brandão Vilela, cardeal arcebispo de Salvador na década de 1970.
[20] Irmã Agostinha Vieira de Melo, monja beneditina de grande engajamento pastoral. Está no CEBI desde o seu início e assessora grupos de reflexão, CEBs e a Pastoral popular.
[21] Curso realizado em janeiro de 1999.
[22] Marina Silva, vem da luta dos povos da floresta e da militância no PT no Acre. Converteu-se a uma Igreja Evangélica. Atualmente é ministra do Meio Ambiente.
[23] Dom Moacyr Grechi, foi bispo de Rio Branco e atualmente é arcebispo de Porto Velho, RO. Foi presidente da CPT, membro do Conselho Permanente da CNBB. Sempre incentivou as CEBs e as pastorais sociais.
[24] Benedita da Silva, evangélica, militante do PT e dos movimentos sociais no Rio de Janeiro, foi deputada federal e ministra do governo Lula.
[25] Em Santo Domingo ocorreu a IV Conferência do Episcopado Latino-Americano, promovida pelo CELAM. Ao contrário dos encontros de Medellín e de Puebla, esta conferência foi controlada pela Cúria Romana, e deixou de lado a metodologia do ver, julgar e agir.
[26] Dom Vital Wilderink, carmelita, colega de seminário de Frei Carlos Mesters, foi o primeiro bispo de Itaguaí, RJ. Renunciou à diocese, em 1998, para se tornar eremita.
[27] Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, jesuíta, foi bispo-auxiliar de São Paulo e hoje é arcebispo de Mariana. Foi secretário-geral e presidente da CNBB. Muito respeitado no episcopado e na sociedade, é um dos bispos que mais apóiam a caminhada das CEBs.
[28] Dom Waldyr Calheiros Novaes, bispo emérito de Barra do Piraí-Volta Redonda, foi um dos pioneiros das CEBs. Defensor dos Direitos Humanos e dos direitos dos pobres, foi perseguido na época da ditadura militar. Mesmo emérito, participa ativamente do grupo de bispos que apóia as CEBs.
[29] Johan Konings, teólogo e biblista jesuíta, trabalha no Instituto Santo Inácio em Belo Horizonte. Assessora as CEBs e também colabora com o CEBI.
[30] Refere-se à edição da Bíblia católica traduzida para o português. O mesmo episódio está comentado na parte inicial deste livro.
[31] Valmor da Silva, teólogo e biblista, coordena o mestrado em Ciências da Religião na UCG, participa do CEBI e assessora as CEBs.
[32] Rogério de Almeida Cunha, foi padre salesiano, com grande participação na Pastoral Operária, prestando também assessoria às CEBs. Hoje se destaca no movimento dos padres casados.
[33] Há várias maneiras de se referir ao golpe militar de 31 de março de 1964. Os adeptos ao golpe o chamaram de revolução e de libertação do comunismo no Brasil. As CEBs, juntamente com o pensamento crítico, em geral, entendem que houve um golpe de estado e que entre 1964 a 1985, houve no Brasil uma ditadura.
[34] Edson Luís Lima Souto, foi assassinado pela polícia durante uma reunião de estudantes, em março de 1968, no Rio de Janeiro. A morte do estudante inaugurou a fase das manifestações e da radicalização das ações de guerrilha.
[35] Refere-se ao livro Conceitos Fundamentais do Materialismo Histórico.
[36] Leonardo Boff, teólogo, um dos principais articuladores da teologia da libertação no Brasil. Seu pensamento teológico foi formulado a partir da experiência as CEBs, tendo participado de diversos Intereclesiais, desde o primeiro realizado em 1975.
[37] João Batista Libânio, padre jesuíta, teólogo com inúmeras obras sobre eclesiologia e outros temas de pastoral. Participa desde os primeiros encontros intereclesiais, responsabilizando-se por fazer sua crônica.
[38] Grupo formado por mais de 200 bispos ultraconservadores, que não aceitavam a linha de Paulo VI.
[39] Dom João Batista da Motta e Albuquerque (1909-1984), arcebispo de Vitória, ES, na época em ocorreram o 1º e o 2º Encontros Intereclesiais das CEBs.
[40] Dom Estêvão Cardoso Avelar, dominicano, foi bispo de Marabá e hoje é bispo emérito de Uberaba.
[41] Dom Tomás Balduino, bispo emérito da diocese de Goiás, GO, co-fundador da CPT e do CIMI. Figura de proa do episcopado brasileiro na caminhada das CEBs e na inserção dos cristãos nos movimentos sociais.
[42] Dom Pedro Casaldáliga Pla, bispo emérito de São Félix do Araguaia, MT, identificado com as lutas dos indígenas (CIMI) e pela reforma agrária (CPT e MST), é um defensor dos direitos humanos e da diversidade cultural latino-americana. Mundialmente conhecido por seus poemas e seu profetismo.
[43] Gustavo Gutierrez, dominicano peruano, um dos principais sistematizadores da Teologia da Libertação na América Latina. Assessora diversos cursos promovidos por organismos ecumênicos, inclusive o CESEP.
[44] Aqui ocorreu um engano do entrevistado, porque Gustavo Gutierrez não esteve no II Intereclesial.
[45] Sérgio Torres, teólogo chileno com grande participação na Teologia da Libertação e nas CEBs do Chile. Sua capacidade de articulação está na origem de importantes encontros de teólogos do Terceiro Mundo.
[46] BOFF, Leonardo. Jesus Cristo libertador. Petrópolis: Vozes, 1972.
[47] MOBON – Movimento da Boa Nova, surgiu em Caratinga, MG e inicialmente dedicava-se a um proselitismo católico (combatia o protestantismo). Depois do Concílio assumiu a renovação pastoral.
[48] Refere-se à primeira Marcha do MST a Brasília, em 1997.
[49] João da Silva Resende, irmão sacramentino, grande animador do MOBON a partir de sua casa de retiros em Dom Cavati, MG.
[50] Projeto de formação bíblica da Conferência dos Religiosos/as do Brasil.
[51] Conferência Latino Americana dos Religiosos/as.
[52] Cardeal Dom Aloísio Lorscheider, arcebispo emérito de Aparecida, SP, Secretário Geral da CNBB (06/1968-02/1971); Presidente da CNBB (1971-1978); 1º Vice-Presidente e Presidente do CELAM (1976-1979). Foi arcebispo de Fortaleza, e naquela ocasião deu todo apoio às CEBs, bem como à realização do V Intereclesial em Canindé, CE. Foi um dos protetores da Teologia da Libertação e sempre deu todo apoio às CEBs.
[53] Edênio Valle, padre verbita, psicólogo, presidiu a CRB – Conferência dos Religiosos do Brasil e sempre apoiou a caminhada das CEBs.
[54] Refere-se ao texto publicado no livro-base do IX Intereclesial, narrando como teria sido a visita de Jesus a um Terreiro Afro-Brasileiro.