Por Pe. Manuel
Londrina ferveu no último final de semana. A Igreja Católica realizou na cidade um evento nacional de uma parcela específica que a constitui, chamada CEBs (Comunidades Eclesiais de Base). São pequenos grupos que nasceram nos anos 60 e 70 num contexto de ditadura e de desrespeito aos direitos humanos e, que por força das circunstâncias, se politizaram o suficiente, ao ponto de participarem ativamente da política partidária. Há quem diga que o próprio PT teria nascido no seu seio, embora essa seja uma análise muito simplista. Seja como for, até hoje essas comunidades eclesiais de base são lutadoras e por esse Brasil afora defendem bandeiras importantes geralmente do meio ambiente, dos direitos e das minorias.
Londrina mostrou o rosto desse jeito diferente de ser Igreja, a quem na verdade não o conhecia! O impacto foi forte e as reações foram desproporcionais ao que na verdade foi apresentado. Quem participou do evento sabe, que salvo raras exceções e algumas faixas claramente partidárias, as discussões foram seríssimas e muito pertinentes para o contexto eclesial e social em que vivemos. Na verdade, as fake news tão em uso no mundo atual, corroeram as mídias sociais londrinenses. Demonizou-se um evento em detrimento da verdade. Não foi a Igreja Católica que se partidarizou! Foram os que não toleram pensamentos diversos, que a incriminaram e a execraram! E o pior! Não foram os evangélicos ou partidários de outras religiões que vieram a público retransmitir ou endossar visões preconceituosas sobre o assunto! Foram os que no ninho, se alimentando cotidianamente com os ensinamentos da “sua família”, aproveitaram a deixa para questionar posicionamentos políticos de seus líderes que eventualmente não rimam com o que a seu critério é o certo, no momento. Foi o subjetivismo se impondo com uma intolerância e intransigência que Londrina não via há muitos anos!
Meu relacionamento de padre com o arcebispo dom Geremias é quase nenhum, pois nunca conversamos desde que ele aqui chegou! Inclusive já me manifestei publicamente contrário a algumas suas decisões internas. Divergências são, não só comuns, mas a meu ver, profícuas e benfazejas quando há transparência. O “evento” papa Francisco abre espaço suficiente para essa diversidade de opiniões. Nunca a Igreja Católica foi tão democrática neste sentido. No entanto, o que nós assistimos nesse final de semana escapa de longe à liberdade de expressão! Foram ataques diretos a pessoa do bispo em si e do homem Geremias! Inaceitáveis em todos os sentidos. São mentirosas porque não refletem o todo do acontecido no evento e são preconceituosas e injustas porque põem em dúvida a idoneidade moral do arcebispo.
E se dom Geremias fosse um “homem de esquerda”?! Onde estaria o pecado? E se ele fosse de direita? Por que deveria ser elogiado por isso? Ora, medem-se os homens públicos por suas convicções partidárias?! Onde chegaríamos com isto? As mensagens que geraram furor nas mídias sociais são rancorosas e depõem contra quem as “inventou”! Um católico não fala assim do seu pastor! Existem canais completamente abertos para que dúvidas e discordâncias sejam apresentadas. O encontro desse final de semana foi coordenado por quem de direito, ou seja, o bispo local. Se exageros lhe escaparam, num evento desta magnitude, é perfeitamente normal e tolerável. Se radicalismos existiram, refletindo partidarização dos participantes, não pode isso ser imputado ao arcebispo.
Vivemos tempos difíceis no Brasil. Além da crise que nos assola, todos buscamos firmeza nas instituições e na independência dos poderes, pois será sempre aqui, que encontraremos a proteção da democracia. A Igreja Católica no Brasil dispensa comentários quanto à presença ativa nos vários momentos da história recente. Se alguns membros ainda se contentam ou privilegiam uma religião de sacristia ou uma fé intimista, isso não corresponde em última análise ao genuíno ensinamento do Mestre. Outrossim, como protagonistas e não apenas como destinatários, todos os católicos terão o direito de questionar e criticar posicionamentos que revelem miopia ou revelem manipulação seja de quem for. A história avança com tensões, mas a exploração do que nos separa em detrimento do que nos une é combustível de destruição.
MANUEL JOAQUIM RODRIGUES DOS SANTOS é padre na Arquidiocese de Londrina
Artigo publicado na Folha de Londrina, em 30 de janeiro de 2018.
Fotografia: retirada da internet
link original: https://www.folhadelondrina.com.br/colunistas/espaco-aberto/a-intransigencia-que-mata-999142.html