Em apenas três anos, o Brasil vivencia dois grandes crimes ambientais e sociais ligados à mineração. O rompimento da barragem de Fundão/Mariana, que abrigava por volta de 56,6 milhões de m³ de lama de rejeito, matou, em 2015, 19 pessoas, deixou milhares desabrigados e contaminou todo o leito do Rio Doce. No caso do rompimento da barragem de Brumadinho, também em Minas Gerais, são, até a tarde desta terça-feira, 12, 165 mortos, 119 crianças órfãs, e um prejuízo ambiental não calculável com o derrame de 12 milhões de m³ de rejeitos.
As duas tragédias, conforme apontou o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), são consequências do modelo de exploração de minérios adotado pelo país e negligência da Vale, empresa estatal privatizada pelo governo FHC em 1997. No entanto, país afora acumulam-se exemplos de que mais mortes e danos irreparáveis podem ocorrer pela exploração desenfreada dos recursos minerais. Os bispos do Xingu Dom Frei João Muniz Alves e Dom Erwin Kräutler (ex-presidente do Cimi), em carta pública, chamam a atenção da sociedade nacional para o que vem ocorrendo na Volta Grande do Xingu além de outras 45 barragens que correm o risco de romper, conforme mostra o Relatório da Agência Nacional de Águas (ANA).
Os bispos apontam que depois da Usina Hidrelétrica Belo Monte ter sido construída, com efeitos negativos para as populações tradicionais e moradores de cidades como Altamira, a empresa canadense Belo Sun pretende explorar as minas de ouro na Volta Grande do Xingu. “Se o projeto chegar a concretizar-se, ameaçará de modo dramático os sítios arqueológicos e afetará sensivelmente o ecossistema da região”. A Belo Sun explorar áreas às margens do rio Xingu, a apenas 14 km da barragem de Belo Monte. Os movimentos populares de Altamira (PA) realizaram, no dia 31 de janeiro, uma roda de conversa chamada “Da lama à luta: de Brumadinho à Volta Grande do Xingu”. Um documento foi divulgado ao término da atividade.
Além das montanhas de lixo, dos túneis e devastação de áreas de mata para a exploração de ouro, Belo Sun vai construir mais uma barragem de rejeitos na Volta Grande do Xingu, um paredão com 44 m de altura, maior que a barragem de Mariana. Segundo os documentos da própria empresa, um possível rompimento da barragem teria consequências catastróficas. “A cada dia que passa os meios de comunicação nos assustam com nova contagem de corpos achados na lama e anunciam o número de desaparecidos. Estamos horrorizados com a catástrofe que ceifou a vida de tantas pessoas”, diz trecho da carta.
O projeto tem deixado a população e organizações ambientais e de Direitos Humanos em constante alerta. “Apreensivos e temerosos diante dos enormes riscos que esse empreendimento significa para o ser humano e o meio ambiente. Sabemos, no entanto, que as consequências de um desastre serão irreversíveis e jamais haverá recuperação das águas e das áreas atingidas no Xingu”, destaca a carta.
Confira o conteúdo do documento na íntegra:
PRELAZIA DO XINGU
“Quando virdes a abominação desoladora instalada
Onde não deve … fujam para os montes” (Mc 13,14)
A catástrofe de Brumadinho
A cada dia que passa os meios de comunicação nos assustam com nova contagem de corpos achados na lama e anunciam o número de desaparecidos. Estamos sempre mais horrorizados com uma catástrofe que ceifou a vida de tantas pessoas. Ficamos de coração partido pensando nas famílias inconsoláveis pela perda de um ente querido. Partilhamos a sua dor e saudade rezando pelos falecidos e suplicando ao Nosso Bom Deus que conforte com seu amor e ternura os familiares, parentes e amigos aflitos.
Não hesitamos, porém, de denunciar a negligência e omissão dos responsáveis por esse crime e insistir que sejam apuradas as verdadeiras causas do rompimento da barragem. Os desastres de Mariana, Barcarena e de outros lugares ficaram até hoje sem explicação convincente e manifestam a face cruel e desumana da mineração no Brasil.
Na Prelazia do Xingu, depois de Belo Monte com seus efeitos tão negativos para os ribeirinhos e indígenas, chega uma empresa canadense que pretende explorar as minas de ouro na Volta Grande do Xingu. Se o projeto chegar a concretizar-se ameaçará de modo dramático os sítios arqueológicos e afetará sensivelmente o ecossistema da região.
Estamos muito apreensivos e temerosos diante dos enormes riscos que esse empreendimento significa para o ser humano e o meio ambiente. Quem realmente pode garantir que as instalações previstas tenham a segurança apregoada? Sabemos, no entanto, que as consequências de um desastre serão irreversíveis e jamais haverá recuperação das águas e das áreas atingidas no Xingu.
Apelamos aos Governos Federal e Estadual para que se abstenham de conceder licenciamento a uma empresa estrangeira que quer levar o ouro do Brasil deixando atrás de si uma paisagem lunática envenenada.
Altamira, 10 de fevereiro de 2019.
Dom João Muniz Alves, ofm
Bispo do Xingu
Dom Erwin Kräutler, cpps
Bispo em. do Xingu
Matéria publicada no site do CIMI em 12 de fevereiro de 2019. https://cimi.org.br/2019/02/depois-de-tragedias-da-samarco-e-da-vale-bispos-alertam-para-os-riscos-a-volta-grande-do-xingu-com-projeto-de-mineracao/
POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO – CIMI