Em recente entrevista a uma rádio comunitária, o entrevistador queria saber a respeito de Jesus e as políticas públicas na época dele. Pergunta difícil. Afinal, na época de Jesus não havia uma preocupação governamental com as demandas do povo. Tudo o que os governos faziam na área de transporte ou de abastecimento tinham fins militares, de transporte de tropas e de manutenção das guarnições. A própria palavra “política” fugia ao horizonte de Jesus, já que ele era um camponês galileu e não um habitante da oikumene greco-romana. De que maneira então a prática de Jesus poderia nos dar alguma luz sobre o tema da Campanha da Fraternidade deste ano?
Talvez a gente pudesse começar buscando algumas pistas a partir do contexto de Jesus. Jesus viveu na Palestina, no primeiro século da Era Cristã. Ou seja, viveu numa sociedade com horizontes coletivistas. Para esta sociedade, a pessoa e sua busca de auto-satisfação depende do grupo onde ela está inserida. Grande parte do comportamento social da pessoa é fortemente determinada pelos objetivos, metas e estratégias do grupo ao qual ela pertence. Entre os valores de uma cultura coletivista estão a integridade familiar, a solidariedade entre as pessoas e a manutenção dos laços grupais tendo em vista as necessidades das pessoas que integram o grupo. Ora, segundo os evangelhos, Jesus vai aos poucos construindo um grupo ao seu redor. Para este grupo, os discípulos e as discípulas, Jesus vai apresentando propostas que são agrupadas num conceito mais amplo de Reino de Deus.
Para as pessoas na época de Jesus, a proposta do Reino de Deus vai apontando as condições de mudança de vida, uma visão de uma nova situação em que a esperança de triunfo desta renovação de vida seja viável e possível. As propostas de Jesus dão às pessoas uma possibilidade de resolver e solucionar seus problemas de vida e de satisfação social. Se Jesus não desse estas garantias, ninguém entraria no movimento dele. Ele pregaria um deserto. Por outro lado, a partir das propostas de Jesus, percebemos que a aristocracia governamental da época não cumpria suas obrigações sociais, estado distantes das necessidades do povo. Vemos então que Jesus, aos poucos, vai enfrentando as organizações institucionais, buscando abrir espaço para as necessidades do povo. O choque era inevitável.
Jesus anuncia o Reino para todos! Não exclui ninguém. Mas o anuncia a partir dos excluídos de sua época. A sua opção é clara, seu apelo também: não é possível ser amigo de Deus e continuar apoiando um sistema sócio-político que marginalizava tanta gente. E aos que querem segui-lo Jesus manda escolher: “Ou Deus, ou o dinheiro! Servir aos dois não dá!” (Mt 6,24). Ele mesmo, a sua maneira, confirma o apelo que faz a todos. A maior parte do tempo, Jesus convive com os que não tinham lugar no sistema social daquela época. Ele oferecia um lugar aos que não tinham lugar na convivência social de sua época. Acolhia os que não eram acolhidos. Recebia como irmão e irmã aos que as grande instituições, a religião e o governo, marginalizavam, desprezavam e excluíam. Numa grande ruptura institucional, Jesus faz a opção pelos marginalizados pelo sistema religioso de sua época.
Vale a pena destacar os destinatários da proposta de Jesus:
* prostitutas (Mt 21, 31-32; Lc 7, 37-50); * publicanos (Lc 18, 9-14; 19, 1-10); * leprosos (Mt 8, 2-3; 11,5; Lc 17,12) * doentes (Mt 8, 17) * mulheres (Lc 8, 1-3; 23, 49-55); * crianças (Mt 18, 1-4; 19,13-15; Lc 9,47-48); * povo humilde (Mt 11,25-26);* samaritanos (Lc 10, 33; 17, 16); * famintos (Mc 6, 34; Mt 9, 36; 15,32); * cegos (Mc 8, 22-26; Mc 10, 46-52); * coxos (Mc 2, 1-12; Mt 11,15); * possessos (Lc 11, 14-20); * adúltera (Jo 8, 2-11); * anciã (Lc 13, 10-17); *estrangeiros (Lc 7, 2-10) * pobres (Mt 5,3; Lc 6,20); * mendigos (Lc 16, 19-31); * ladrão (Lc 23, 40-43); * zelotes (Mt 10,4; Mc 3,18).
Toas estas pessoas eram destinadas ao desprezo dos grandes. Para elas não havia políticas públicas.
Resumindo: com estas atitudes de acolhimento e defesa de seus interesses, Jesus representava um perigo muito grande para o sistema governamental. Poderíamos dizer que Jesus apontava para estas pessoas como as verdadeiras destinatárias das políticas públicas para os vários sistemas de governo. Mas para o sistema sócio-religioso estas pessoas eram
* os imorais: prostitutas e pecadores (Mt 21,31-32; Mc 2,15; Lc 7,37-50; Jo 8,2-11),
* os hereges: pagãos e samaritanos (Lc 7,2-10; 17,16; Mc 7,24-30; Jo 4,7-42),
* os impuros: leprosos e possessos (Mt 8,2-4; Lc 11,14-22; 17,12-14; Mc 1,25-26),
* os marginalizados: mulheres,crianças,doentes (Mc 1,32; Mt 8,17; Lc 8,2s),
* os colaboradores: publicanos e soldados (Lc 18,9-14;19,1-10);
* os pobres: povo da terra e os pobres sem poder (Mt 5,3; Lc 6,20.24; Mt 11,25-26).
Uma conclusão importante para o grupo dos seguidores e seguidoras de Jesus. Jesus diz que ele veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Numa sociedade, porém, onde muitos são excluídos e marginalizados, sem condições de ter vida de gente, esta mensagem de “vida para todos” só se faz presente na contramão das políticas publicas governamentais. Os evangelhos narram que Deus não se coloca do lado dos que crucificam, mas sim do lado dos crucificados. Numa sociedade assim, Seguir Jesus para anunciar o Reino significa assumir com ele a mesma luta em defesa da vida, participar do mesmo destino, “estar com ele nas tentações” (Lc 22, 28), inclusive na perseguição (Jo 15,20; Mt 10,24-25), e na morte (Jo 11,16).
As opções de Jesus e a defesa que ele fez dos pobres e marginalizados devem iluminar nossa luta atual. Hoje enfrentamos um sistema cruel e assassino chamado de Neoliberalismo. Uma opção contrária ao coletivismo proposto por Jesus. A proposta neoliberal restringe as liberdades desmantelando e inviabilizando o Estado do Bem-Estar Social. Qualquer política que restrinja a ação do mercado deve ser eliminada. O neoliberalismo transforma o público em privado, o interesse dos grupos econômicos deve ser apresentando como se fosse interesse comum a todos. Enfrentamos neste momento uma luta árdua e difícil. Que as opções de Jesus nos iluminem a nos colocarmos, nesta Campanha da Fraternidade, na defesa de políticas públicas que atendam às demandas das vítimas do Neoliberalismo