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Leitura feminista e libertadora da bíblia: Tempo de crise

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

Tempo de crise… A sombra da covid 19 gera medo, insegurança, isola, coloca em fuga. Enfim, silenciada ou verbalizada, fica a interrogação: o que será depois da covid 19?

A interrogação me faz voltar aos anos 30, ao evento da cruz. A sombra da cruz gerou medo: os discípulos fugiram, se fecharam em casa, desistiram e voltaram à vida de antes, a seus locais de origem. Voltaram à Galileia: o Mestre morreu, foi derrotado, vencido, esmagado e com Ele seu projeto. A cruz é tempo de crise…

E neste tempo de crise um grupo de mulheres, depois de muito choro e lamentação, levantou a cabeça e enfrentou olhos nos olhos a cruz, a desafiou, a interpretou não como derrota, mas como declaração de amor, ousou proclamar: “Ele está vivo!” Nessa certeza retomaram o caminho.

As conhecemos com o título de ‘discípulas amadas’, seu testemunho o encontramos em todos os evangelhos, mas, sobretudo, no Evangelho de João, que de agora em diante denominamos: Evangelho das Discípulas Amadas. Seu testemunho, deixado a nós como herança, foi utopia sonhada, ensaiada e vivenciada: utopia de uma eklesia de discipulado de iguais.

A comunidade dos discípulos e das discípulas amadas guardou para nós a memória de encontros. Encontros marcados, provocados, procurados, encontros gerados pela necessidade, dor, ausência, busca. Muitos desses encontros aconteceram com e pela presença de mulheres. Sobre eles queremos firmar nosso olhar, nosso ouvir, nosso tocar, nosso pensar, nosso amar, enfim alimentar nossa utopia.

Apresento hoje os textos que guardaram a memória da tradição de mulheres. A seguir iremos encontrá-las e interagir com sua vida, sonhar, imaginar com elas.

Tradição de:

  • 2,1-12; João 19,25-27: da Mãe de Jesus: Mulher
  • 4,1-42: Mulher da Samaria
  • 8,2-11: Mulheres injustiçadas pela lei (texto incluído posteriormente)
  • 11,5-27: Marta
  • 11,2.32-38: Maria
  • 11,1.3-4.28-31.39-44: Marta, Maria, Lázaro (mão do redator que unifica as tradições)
  • 12,1-8: Maria de Betânia
  • 16,20-21: do corpo da mulher
  • 18,17: Criada
  • 20,1-2.11-18: Maria de Magdala

“Mulher… não chegou a minha hora” (João 2,4). Hora, tempo, que não é cronológico, mas kairológico: tempo de crise, tempo de encontro, tempo… A hora de Jesus, a hora das mulheres.

No Livro dos Sinais 1,19 a 12,50 seis vezes é mencionada a hora:

  • 2,4 “que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou”
  • 4,21 “Crê mulher, vem a hora em que nem sobre esta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai”
  • 7,30 “Procuravam, então, prendê-lo… ninguém lhe pôs a mão… não chegara a sua hora”.
  • 8,20 “E ninguém o prendeu, porque sua hora ainda não havia chegado”
  • 12,23 “Jesus lhes respondeu: É chegada a hora em que será glorificado o Filho do Homem”
  • 12,27 “Minha alma agora está conturbada. Que direi? Pai, salva-me desta hora?” 

Duas vezes é anunciada a hora na presença de mulheres. Duas vezes é afirmado que a hora ainda não chegou na ausência de mulheres. Duas vezes ela é anunciada explicitamente na presença dos discípulos e das discípulas. O anúncio da hora é feito na presença das amigas e dos amigos mais íntimos.

No Livro da Glorificação 13,1 a 20,31:

  • 13,1 “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.”
  • 16,21 “Quando a mulher está para dar à luz, entristece-se porque a sua hora chegou; quando, porém, dá à luz a criança ela já não se lembra do sofrimento, pela alegria de ter vindo ao mundo uma criança”.
  • 17,1 “Pai chegou a hora: glorifica teu Filho, para que teu Filho te glorifique.”

Jesus fala da sua hora no contexto pascal. O que era anunciado está para se realizar. Fala expressamente da hora na presença das pessoas mais íntimas, e nesta intimidade identifica a sua hora com a hora da comunidade.

Hora de Jesus. Hora da mulher. Hora da comunidade. Hora do ontem. Hora de hoje. Hora do amanhã.  Nossa Hora?

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