Por Gilvander Moreira
Segundo Geralda Magela Fonseca – carinhosamente conhecida como Irmã Geraldinha, cerca de 85% das famílias que vieram para o Acampamento Dom Luciano Mendes, no município de Salto da Divisa, na região do Baixo Jequitinhonha, MG, eram atingidas/massacradas pela barragem de Itapebi. De fato, grandes obras de infraestrutura que viabilizam o sistema do capital, entre as quais, as grandes barragens, têm gerado conflitos agrários e socioambientais, expropriação de terra dos camponeses e, consequentemente luta pela terra. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi criado também por meio da luta pela terra dos camponeses/as atingidos/as pela barragem de Itaipu. Há inúmeros outros casos de grandes projetos econômicos de hidrelétricas e barragens gerando miséria e opressão pelo Brasil afora, como em Andradina, SP, no final da década de 1960, como atesta Fabiano Coelho: “Na região de Andradina, a construção da barragem da usina Engenheiro Souza Dias, mais conhecida como Jupiá, provocou migração muito grande de pessoas para o local. Com o findar da construção, grande parte dessas pessoas continuaram na região, porém desempregadas e tendo que se concentrar nas periferias das cidades, principalmente em Andradina. Neste período, também em Andradina, havia a luta dos posseiros para impedir a expulsão da fazenda Primavera, os quais estavam sendo expulsos das terras que cultivavam há anos” (COELHO, 2010, p. 57).
Aldemir Silva Pinto, um dos coordenadores do Acampamento Dom Luciano Mendes, de forma eloquente, se apresentou assim em uma reunião com a Comissão Pastoral da Terra (CPT): “Eu era um cara muito estúpido, enquanto eu trabalhava como empregado. Na luta pela terra, com o Movimento Sem Terra, a gente aprende muito. A gente tem que pensar no próximo. Esse movimento educa muito as pessoas.” A luta pela terra inclui também necessariamente a luta pela educação. Romper as cercas do latifúndio e romper as cercas da ignorância, eis duas faces da moeda que constituem a luta pela terra. Nesse sentido, Aldemir Silva Pinto narra o compromisso também com a luta pela educação. “Estou aqui lutando junto com a turma que faz parte do Setor da Educação aqui no acampamento Dom Luciano Mendes. Não podemos deixar a meninada só. A gente precisa estar junto para ir encaminhando as crianças na escola. Volta e meia precisa da gente fazer alguma reunião com o povo da Educação lá no Salto da Divisa, lá na Secretaria Municipal de Educação. É preciso estar junto pedindo, exigindo. Não pode facilitar, senão eles brincam com a gente. Se deixar, eles querem fazer do jeito deles. Temos que brigar com eles. Aqui no acampamento Dom Luciano não tem escola. As crianças estão indo estudar lá na cidade de Salto da Divisa. Daqui lá é cerca de sete quilômetros. Tem um micro-ônibus que vem pegar as crianças cedo e volta ao meio dia. No início, eles não queriam mandar o carro. Disseram que não iam mandar o carro para buscar as crianças, porque o acampamento não era registrado. Dissemos que isso não tem nada a ver, pois as crianças precisam estudar. As pessoas que estão no Acampamento são humanas e têm direitos. O governo está dando o carro pra buscar crianças em qualquer lugar. Por que aqui no acampamento não poderia ir buscar? Com muita luta conseguimos que eles mandassem o carro para buscar as crianças para a escola, que funciona normalmente na parte da manhã, mas tem alguns que estudam também na parte da tarde. Na parte da manhã vão as crianças e tem uns grandes também estudando no ginásio. Deve ter uma faixa de umas vinte e poucas crianças estudando. Também as crianças dos posseiros que moram aqui ao lado do acampamento Dom Luciano vão junto com as crianças daqui do Acampamento.”
As famílias do Acampamento Dom Luciano durante nove anos, em apenas dez hectares de terra agricultável, produziram de forma agroecológica o sustento de 43 famílias. Como? Qual a fonte de sustentação econômica das famílias? O Sem Terra nascido em Salto da Divisa, MG, Hélio Amorim, 62 anos, da coordenação do Acampamento Dom Luciano, explica. “Eu mesmo trabalho de pedreiro lá na cidade de Salto da Divisa recebendo de 50 ou 60 reais por dia. Trabalho fora quando precisamos e quando arrumamos trabalho. Recebemos também bolsa família. Há famílias comerciantes que vendem alface, tomate e biscoito lá na rua. Alguns dos filhos dos acampados que estão morando na cidade grande nos ajudam com um pouquinho, mas há muitos filhos nossos que foram embora e não têm condições de nos ajudar.”
Belo Horizonte, MG, 22/10/2019.
Por Gilvander Moreira[1]
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; mestre
em Ciências Bíblicas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em
Teologia pelo ITESP/SP; assessor da
CPT, CEBI, SAB, CEBs e Movimentos Sociais Populares; prof. de “Movimentos
Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
Referência.
COELHO, Fabiano. A Prática da Mística e a Luta pela Terra no MST. Dissertação (Mestrado em História). Dourados, MS: UFGD, 2010.
Obs.: Abaixo, vídeos que versam sobre o assunto apresentado, acima.
1 – Acampamento Dom Luciano, do MST, tomando posse da Fazenda Monte Cristo, em Salto da Divisa. 22/10/14
2 – Acampamento Dom Luciano, do MST, em Salto da Divisa, MG, festeja conquista da Fazenda Monte Cristo
3 – Palavra Ética, na TVC/BH: frei Gilvander-Acampamento Dom Luciano/MST, Salto da Divisa/MG. 22/09/14.