A missão está presente na vida de Ester Tello Ferrer desde o ano 2002, em que chegou em Roraima com seu esposo Luís. Tem sido tempo de aprendizado, especialmente com os povos indígenas da região, sempre presentes na vida de sua família. Ester e Luís têm 4 filhos, e juntos estão vivendo o momento atual “com muito alerta, com cuidado, da família e dos outros que estão precisando”.
Eles estão ligados aos missionários da Consolata e atualmente Ester Tello trabalha na Caritas e no Conselho Indigenista Missionário – CIMI, onde acompanha sobretudo os migrantes venezuelanos, uma realidade que tem mudado a vida social e eclesial de Roraima, e os povos originários da região, sempre “com a esperança de que a gente consiga passar por este tempo o melhor possível, com o menor prejuízo de vidas humanas”. Em Roraima, segundo os dados do sábado, dia 6 de junho, os contagiados pelo coronavírus são 5.529 e 142 mortes.
A situação não é fácil numa região onde, para os mais pobres, “o maior desafio que tem seria a sobrevivência, se alimentar”, algo dificultado pelo fato da maioria trabalhar na informalidade. Essa situação se agrava pela lotação do único hospital, sempre lotado, onde hoje se misturam pacientes de diferentes doenças, também COVID-19.
Isso tem levado os povos indígenas a se autoproteger, mas mesmo assim, eles sofrem a grave ameaça do garimpo ilegal, que só área ianomami ultrapassa os 20 mil garimpeiros, o que pode provocar um genocídio, um risco ainda maior “perante uma política de incentivo do presidente”, o que, segundo a missionária precisa “de visibilidade, de conscientização e de pressão internacional”, um elemento tradicionalmente fundamental para a sobrevivência dos povos indígenas na região.
Sobretudo no momento atual, Ester Tello diz se servir “das ferramentas de resistência dos povos com os que a gente convive”, dentre elas, “a sabedoria e a tranquilidade com que os povos indígenas enfrentaram sempre, em comunhão e em conjunto”. Junto com isso, “a articulação, as forças com outras entidades, e uma espiritualidade também muito viva, uma Igreja presente em todos os setores que estão vulneráveis, dá muita força e muita união”, segundo a missionária. De cara ao futuro, ela pensa que “o maior ensinamento é que a vida continua sendo o mais importante, e a superação da desigualdade ajuda muito a que não sejam tão brutais os efeitos de uma pandemia nos coletivos mais vulneráveis”.
Você é missionária junto com sua família, como está vivendo sua vida como missionária neste tempo de pandemia?
Estamos vivendo este tempo com muito alerta, com cuidado, da família e dos outros que estão precisando nessa época, reduzindo o tempo de exposição na rua, mas aumentando o tempo de articulação e reuniões on line com muitos atores que estão ajudando neste tempo difícil. Acompanhando o tema da migração, dos indígenas, e com a esperança de que a gente consiga passar por este tempo o melhor possível, com o menor prejuízo de vidas humanas.
Você fala sobre os povos indígenas, a migração, faz parte do CIMI e da Caritas, quais as dificuldades que os migrantes, os indígenas e a população mais pobre está enfrentando neste tempo de pandemia em Roraima?
A população mais pobre, o maior desafio que tem seria a sobrevivência, se alimentar. O governo ofereceu 600,00 reais de ajuda mensal, mas nem todo mundo teve acesso, nem todo mundo conseguiu que lhe chegasse esse dinheiro. O trabalho aqui em Roraima é de caráter informal na sua maioria, quem não é funcionário ou tem uma loja, a maior parte dos trabalhadores, eles trabalham na informalidade, e na época da pandemia tudo isso acabou.
Esse seria também o maior problema dos migrantes, eles trabalhavam quase todos na informalidade, vendendo, capinando, ajeitando quintais, limpando, e tudo isso agora acabou. Essa seria um pouco a ajuda que a Caritas estaria tentando levar e articular, para o pessoal, ao menos, poder se manter ao menos uns meses. Outra dificuldade seria o acesso ao teste, ao serviço mínimo de saúde, está muito difícil. Bem no início da pandemia foi planejado um hospital de campanha para ser inaugurado no dia 26 de março, com 1.200 leitos, já foi adiado 5 vezes e até hoje não foi inaugurado.
Para o estado, só tem um hospital, e esse hospital já está lotado, de COVID, mas também de outras doenças, todo mundo junto ali. Essa seria outra grande dificuldade que as populações, sobretudo os mais vulneráveis, enfrentam. Ontem mesmo, não se encontrava teste rápido em nenhuma unidade básica de saúde.
Roraima sempre foi um estado onde os povos indígenas foram muito perseguidos. Uma das grandes ameaças que os povos indígenas de Roraima estão enfrentando neste tempo é a alta presença de garimpeiros ilegais. Como as organizações indígenas, o CIMI, a Igreja, está se organizando diante dessa realidade?
As organizações indígenas, desde o início que começou a pandemia, eles fizeram barreiras sanitárias para isolar seu território. As organizações divulgaram muito medidas preventivas, medidas de isolamento social, mas tem uma parte que não é controlada pelas organizações, que seria o garimpo, sobretudo na área ianomami e na área leste, onde está muito forte, desde que assumiu o governo Bolsonaro, na Raposa Serra do Sol.
Essa parte não é controlável, por muito que foi denunciada neste tempo, por muito que se fizeram operações operações para retirar os garimpeiros da área ianomami, isso continuou crescendo, perante uma política de incentivo do presidente, que disse que iria abrir, que iria legalizar, e falou isso mundo afora. A presença dos garimpeiros é forte, muito forte.
Foi lançada uma campanha em defesa do povo ianomami, está sendo uma campanha muito forte em nível mundial, e a gente espera que tenha uma repercussão importante, sobretudo de visibilidade, de conscientização e de pressão internacional, que como Igreja tem sido muito importante para a sobrevivência dos povos indígenas aqui. Na década de 70, 80 e 90 foi de vital importância essa pressão internacional.
Como se vive a missão como família nesta situação atual de dificuldade, de perigo. Quais os sentimentos pessoais que brotam diante desta realidade?
A missão vai nos ensinando a nos fazermos fortes com as ferramentas de resistência dos povos com os que a gente convive. Neste momento, a sabedoria e a tranquilidade com que os povos indígenas enfrentaram sempre, em comunhão e em conjunto, ajuda muito também para a gente saber que é um momento de dificuldade, que poderia ter acontecido em outro lugar do mundo, mas a gente está aqui, com as limitações, mas também com as ferramentas que aqui tem.
A articulação, as forças com outras entidades, e uma espiritualidade também muito viva, uma Igreja presente em todos os setores que estão vulneráveis, dá muita força e muita união. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) tem lançado uma campanha, junto com a Caritas brasileira, a nível de todo o Brasil, que se chama “Tempo de cuidar”, e em todo o Brasil surgiu um movimento solidário, olhando para as pessoas que estão sofrendo mais, com mais necessidade, e todas as paróquias, comunidades, grupos, movimentos, fazendo esse ato de generosidade. As pessoas estão em sua casa, mas estão pensando nos outros. É uma força que ajuda muito, a estar centrado naquilo que é o mais importante, a vida e a vida de todos.
Qual o ensinamento que a gente pode tirar para o futuro da missão e do trabalho da Igreja, diante deste momento de pandemia que a gente está vivendo?
Eu acho que, ainda mais na vivência social e política que a gente tem aqui no Brasil, eu acho que o maior ensinamento é que a vida continua sendo o mais importante, e que a superação da desigualdade ajuda muito a que não sejam tão brutais os efeitos de uma pandemia nos coletivos mais vulneráveis. Esse trabalho que a Igreja do Brasil sempre teve, e a Igreja na América Latina, deve ser reforçado e acompanhado por todos os missionários e a Igreja que trabalha aqui, continuar a fazer o trabalho de minimizar e tentar reduzir essa desigualdade social.