Pedro Casaldáliga nasceu em Balsareny, na província catalã de Barcelona, em 1928, e veio para o Brasil aos 40 anos, como missionário, para trabalhar em São Félix do Araguaia. Sua primeira atuação foi preocupar-se com a saúde, a educação e a assistência da população local. Ele se apaixonou pelas terras vermelhas!
No auge da ditadura militar, em meados dos anos 70, Dom Pedro se envolveu com as lutas dos povos indígenas, contribuindo com a fundação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Ajudou a fundar o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Na época, eram promovidos encontros para reunir as lideranças indígenas e foi a partir da criação do CIMI que, segundo Schwade, essa população começou a se organizar e a ser protagonista de sua própria luta, travando embates históricos por questões como a demarcação de terras. Além da criação do CIMI, Casaldáliga teve participação na criação da Comissão Pastoral da Terra. Pedro e e Dom Tomás Balduíno foram fundamentais pra a criação tanto do CIMI quanto da CPT, ao lado de homens e mulheres de luta pela causa. Com a CPT, muitos trabalhadores foram estimulados, assim como os indígenas, a se organizar.
No dia de sua ordenação a bispo, em 1971, Pedro lançou a carta pastoral Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social, documento que marcou a Igreja pela firmeza das falas e pelas denúncias dos casos de violação de direitos dos posseiros, dos índios e dos trabalhadores que vinham de fora como peões para as fazendas e que eram tratados em regime de escravidão”.
Seu estilo de vida espartano, com sandálias havaianas e jeans no lugar da batina, e a defesa de uma Igreja com forte atuação social transformaram-no num dos ícones da teologia da libertação.
Uma fé profética mesmo com ameaça a sua vida
“Este, mais do que nunca, é um tempo de mártires”, frase de Dom Pedro as vésperas de mais uma romaria dos mártires no ano passado. Sentado nos fundos de sua casa, que sediou por décadas a prelazia – desde o ano passado, a sede administrativa foi transferida para Porto Alegre do Norte, a 218 km.
Em sua sétima edição, a Romaria dos Mártires foi criada por Casaldáliga para homenagear, como conta, todos aqueles que “deram a vida pela vida”, no Brasil e na América Latina. São vários os mártires homenageados: Chico Mendes, Antônio Conselheiro, o padre salvadorenho Oscar Romero, reconhecido como santo pelo papa Francisco, além do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, queimado vivo por jovens enquanto dormia numa praça em Brasília, e a missionária americana Dorothy Stang, assassinada a mando de fazendeiros no Pará.
A inspiração maior do evento, contudo, foi o padre João Bosco Burnier, assassinado em Ribeirão Cascalheira, ao lado de Casaldáliga, em 11 de outubro de 1976. O episódio ganhou repercussão internacional.
Burnier era padre jesuíta nascido em Minas Gerais, Burnier atuava em Diamantino, no oeste do Mato Grosso, e viajou a região do Araguaia para participar de uma reunião do CIMI em Santa Terezinha, no norte de São Félix do Araguaia. O encontro reuniu lideranças locais e religiosos envolvidos na causa indígena.
Dias após a reunião, Casaldáliga e Burnier pegaram um ônibus em São Félix do Araguaia rumo a Barra do Garças. Em Ribeirão Cascalheira, no meio do caminho, decidiram pernoitar. O pequeno povoado, à época distrito de Barra do Garças, realizava naquela noite uma festa para Nossa Senhora Aparecida, mas o clima era de terror. O motivo foi à morte de um cabo da Polícia Militar no povoado, segundo Casaldáliga um agente conhecido “pelas arbitrariedades e crimes”, que trouxe ao local um grande contingente de policiais.
Em seu relato,intitulado Martírio do padre João Bosco Burnier, pelas Edições Loyola, Casaldáliga fala sobre aquela noite: “Duas mulheres estavam sofrendo na delegacia, impotentes e sob torturas: um dia sem comer e beber, de joelhos, braços abertos, agulhas na garganta, sob as unhas. Ouviam-se os gritos na rua”.
As mulheres foram detidas porque, suspeitava a polícia, sabiam do destino do rapaz acusado de matar o PM. “Decidi ir à delegacia, interceder por elas. O padre João Bosco fez questão de me acompanhar”, escreveu Casaldáliga. Segundo ele, o diálogo com os policias durou de três a cinco minutos, com os agentes fazendo seguidas ameaças e insultos.
“Quando o padre João Bosco disse aos policiais que denunciaria aos superiores dos mesmos as arbitrariedades que vinham praticando, o soldado Ezy pulou até ele, dando-lhe uma bofetada fortíssima no rosto. Inutilmente tentei cortar aí o impossível diálogo. O soldado, seguidamente, descarregou também no rosto do padre um golpe de revólver, e num segundo gesto fulminante, o tiro fatal, no crânio”. Todos sabem que João Bosco foi vítima do acaso, o tiro era intencional a direcionado à Dom Pedro…
O assassinato de João Bosco Burnier levou a população de Ribeirão Cascalheira a um ato de desobediência civil – e em plena ditadura. Após a missa de sétimo dia, realizada no povoado, os moradores se dirigiram à delegacia e começaram a depredá-la. O posto policial, na beira da BR-158, foi destruído – os policiais nada puderam fazer para conter a fúria popular.
Sua trajetória retratada num filme
O filme Descalço sobre a Terra Vermelha. A obra, baseada no livro que leva o mesmo nome e de autoria de Francesc Escribano, conta a história do bispo e é uma coprodução da TV Brasil com mais duas televisões públicas, a espanhola TVE e a catalã TVC. Em 2014, a produção ganhou os prêmios de melhor ator (Eduard Fernández que interpreta dom Pedro) e melhor trilha sonora original na 27ª edição do Festival Internacional de Programas Audiovisuais (Fipa), na França. O filme, lançado em 2014, também foi premiado no New York International TV & Film Awards.
O bispo que, mesmo debilitado pelo mal de Parkinson, celebra junto com toda a Igreja viva, seus 98 anos de profunda espiritualidade libertadora e profética!
Que a vida e testemunho de Dom Pedro Casaldáliga inspira nossa Igreja a continuar unida na luta pelos pobres e com os pobres.