O Sínodo para a Amazônia tem sido motivo de uma firme aliança entre os povos originários e a Igreja católica. A defesa da Amazônia e dos povos que nela habitam tem sido colocado como prioridade eclesial. Bem é verdade que essa defesa já tem estado presente ao longo de décadas, especialmente no trabalho do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, mas agora essa dinâmica passou a ser assumida pela grande maioria de bispos, organismos e instituições eclesiais.
O Projeto de Lei Complementar nº17/2020, de autoria do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), tem provocado o repudio da Igreja católica. Esse é um projeto que autoriza o registro do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de propriedades em sobreposição a terras indígenas no estado de Mato Grosso, ameaçando diretamente 27 áreas delimitadas, declaradas ou em estudo pela Fundação Nacional do Índio (Funai). As consequências podem ser graves, provocando o aumento de conflitos, violências e invasões.
Em nota assinada pelo presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM-Brasil, e da Comissão Episcopal Especial para a Amazônia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, o Cardeal Cláudio Hummes, aparece seu “apoio e solidariedade aos povos indígenas do Mato Grosso”, dado que “ataca diretamente os direitos dos povos indígenas, violando as conquistas constitucionais e sobrepondo os poderes do estado aos da união, a responsável pela demarcação e homologação das terras indígenas”.
Na mesma linha, uma outra nota do Conselho Indigenista Missionário, afirma que a aprovação do projeto pode potencializar “antigos e não solucionados conflitos que vitimam os povos deste estado”. Essa mesma opinião é manifestada pelos bispos do Regional Oeste 2, que veem nela a “potencialidade de inflamar os já tensos conflitos que afetam os povos indígenas”, uma nota episcopal que diz estar “em sintonia com a reivindicação dos povos indígenas, organizações da sociedade civil, estudiosos da temática e articulações de pastorais de nossa Igreja”, argumentando que “o referido PLC extrapola as atribuições do estado de Mato Grosso”.
Os povos indígenas da Amazônia são um dos coletivos com maior porcentagem de atingidos e falecidos pelo COVID-19. Mesmo assim eles estão sendo vítimas de invasões por aqueles que não fazem quarentena, madeireiros, garimpeiros, pesca predatória, agronegócio…, levando o coronavírus para as terras indígenas.
As notas denunciam a falta de consulta livre, prévia e informada dos povos implicados, um direito garantido pela Constituição brasileira, no artículo 231, e a Convenção nº169 da Organização Internacional do Trabalho. Tudo isso demonstra que o Brasil tem se tornado um país onde as leis são continuamente descumpridas, mas as notas também deixam claro que a Igreja católica está se posicionando como uma das instituições que mais claramente combatem as políticas do atual governo e, ao mesmo tempo, que mais firmemente defende os direitos dos povos originários, e, em geral, dos mais pobres.
Não podemos esquecer, como denuncia a nota do CIMI, que “o governo federal vem buscando implementar o retrocesso no que tange ao direito originário dos povos indígenas aos seus territórios”, procurando legalizar a invasão das terras indígenas, paralisar os processos de demarcação e atender expressamente os interesses dos inimigos dos indígenas. Essa mesma tentativa está presente no Projeto de Lei Complementar que pretende ser instaurado no Mato Grosso.
Num país onde as ameaças só aumentam, provocando “o acirramento do conflito agrário e o favorecimento da ação ilegal de grupos ligados à grilagem de terras públicas, com prejuízo imediato para o patrimônio público e para os povos indígenas da região”, segundo recolhe a nota da REPAM e da CEA, uma ideia que também aparece nas outras duas notas, se faz necessário tomar providências.
Nesse sentido, as notas são claras, exigindo o arquivamento do Projeto de Lei Complementar 17/2020, na tentativa de “que as tensões já efetivas em nosso estado de Mato Grosso não sigam vitimando e pondo sob riscos os povos indígenas, e para que possamos caminhar rumo à justiça que gera a paz”, segundo a nota do Regional Oeste 2 da CNBB.
Frente a isso, a REPAM e a CEA propõem “que um diálogo entre a sociedade civil organizada, organismos eclesiais e poder público pode ser mais profícuo e gerador de consensos”, pedindo, na nota do CIMI, que “o governo estadual e esta Assembleia Legislativa assegurem as ações que garantam o pleno direitos dos povos indígenas aos seus territórios além de sua efetiva proteção”. Sempre, “no desejo de que a vida e o território das populações indígenas sejam respeitados e de que o direito seja cumprido”, palavras conclusivas da nota assinada pelo Cardeal Hummes.