A defesa da vida dos pobres não pode esperar
No dia 3 do mês de junho, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, “determinou a suspensão por seis meses de medidas que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que sirvam de moradia ou que representem área produtiva pelo trabalho individual ou familiar de populações vulneráveis que já estavam habitadas antes de 20 de março de 2020, quando foi aprovado o estado de calamidade pública em razão da pandemia de Covid-19”.
Em relação a ocupações posteriores à pandemia, ele “decidiu que o poder público poderá atuar a fim de evitar a sua consolidação, desde que as pessoas sejam levadas para abrigos públicos ou que de outra forma se assegure a elas moradia adequada, conforme a Constituição”.
O Projeto de Lei – PL 827/2020 (de autoria de André Janones – AVANTE/MG), Natália Bonavides – PT/RN e Rosa Neide – PT/MT) “estabelece medidas excepcionais em razão da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) decorrente da infecção humana pelo coronavírus SARS-CoV-2, para suspender o cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado ou público, urbano ou rural, e a concessão de liminar em ação de despejo de que trata a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, e para estimular a celebração de acordos nas relações locatícias” (Fonte: Agência Senado).
O Projeto – que propõe a suspensão das ações de despejo até o final de 2021 – foi aprovado pela Câmara dos Deputados, no dia 18 de maio passado, com 263 votos e enviado ao Senado. O senador Rodrigo Pacheco, presidente da Casa, retirou a proposta da pauta – a pedido de um grupo de senadores – para uma sessão de debate sobre o assunto, realizada no dia 11 do mês de junho. A questão central foi: os despejos coletivos de imóveis devem ser suspensos durante a pandemia?
Senadores/as, a defesa da vida dos pobres não pode esperar, deve ser imediata: 14 mil famílias já foram despejadas durante a pandemia e mais de 85 mil estão ameaçadas neste momento.
Reparem: os senadores/as que pediram o debate não estão preocupados/as com as famílias que moram nas Ocupações, mas com o fato que o Projeto pode enfraquecer a “segurança jurídica” (leia: dos detentores do poder econômico) e abalar o “direito à propriedade” (leia: dos latifundiários ou grileiros de terras no campo – os coronéis rurais – e dos donos de imobiliárias na cidade – os coronéis urbanos). O “direito à propriedade” – com sua “segurança jurídica” – é o ídolo que esses senadores/as adoram. Para eles e elas, os pobres, “excluídos” e “descartados” do sistema capitalista neoliberal – que é um sistema econômico perverso e iníquo – são “baderneiros”, “invasores” e “criminosos”. Quanta hipocrisia, quanta injustiça e quanta desumanidade!
Lembro aos senadores/as que o “direito à propriedade” – com sua “segurança jurídica” – não é um direito absoluto, mas deve ter sempre uma função social. Os latifúndios abandonados e improdutivos (no campo) e os terrenos cercados (malditas cercas!) para fins de especulação imobiliária (na cidade) não só podem, mas devem ser ocupados. Eles pertencem às pessoas que precisam deles para trabalhar, morar e viver dignamente. Como diz São Tomás de Aquino – ensinamento assumido pelo Pensamento Social Cristão – a destinação dos bens para uso de todos os seres humanos é de direito primário e a propriedade – com sua “segurança jurídica” – de direito secundário. Quando o segundo impede o acesso ao primeiro – ele é injusto, desumano, antiético e anticristão (mesmo se for legal).
Do ponto de vista ético, todo despejo é injusto e – em época de pandemia – chega a ser diabólico (só se despeja lixo não reciclável e não pessoas humanas). Pessoas humanas somente podem ser removidas – e com todo respeito – nos casos de o terreno ocupado ser de utilidade pública ou de preservação ambiental e – mesmo nesses casos – somente depois que estiverem prontas outras moradias dignas para as pessoas a serem removidas.
Finalmente, depois de tantos adiamentos, no dia 23 do mês de junho o Senado aprovou, por 38 votos favoráveis e 36 contrários, o PL 827/2020 que suspende despejos e remoções durante o período da pandemia, até o final de 2021. Além de ter sido uma vitória muito apertada, a aprovação do PL foi somente pela metade. A bancada ruralista conseguiu a aprovação de um destaque que exclui da proteção contra os despejos as famílias das áreas rurais. É lamentável!
O PL voltou, pois, para a Câmara dos Deputados, que no dia 14 deste mês de julho aprovou em votação simbólica o Projeto, mantendo o texto do Senado. Reparem a demora na aprovação do Projeto (no Senado: 23 de junho e na Câmara: 14 de julho). Ela diz tudo!
Por fim, termino com um testemunho: os moradores das Ocupações urbanas e rurais, em sua grande maioria (digo isso por experiência pessoal) são verdadeiros heróis e heroínas. Com a nossa solidariedade e o nosso apoio, sua luta pelo direito à terra de trabalho e à terra de moradia – parte integrante do direito à vida – continua. A esperança nunca morre!
Campanha Nacional DESPEJO ZERO! Em defesa da Vida no Campo e na Cidade!
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 20 de julho de 2021