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A luta pela terra em Campo do Meio, MG, só acaba com o assentamento das famílias no latifúndio da Ex-Usina Ariadnópolis: Memória necessária.

Por frei Gilvander Moreira

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Em Campo do Meio, no sul de Minas Gerais, quase 500 famílias Sem Terra, do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais), ocupam há 20 anos, desde 14 de março de 1998, um latifúndio de 3.900 hectares que não cumpria sua função social – as terras da ex-usina Ariadnópolis. São 11 Acampamentos que formam o Quilombo Campo Grande. Onde antes se plantava apenas cana-de-açúcar e gerava lucro apenas para poucos empresários, pela luta e trabalho dos Sem Terra do MST tornou-se um campo fértil que está produzindo 510 toneladas de café agroecológico por ano, além de 55.000 sacas de milho crioulo, 500 toneladas de feijão, 8 toneladas de mel, além de 40 hectares de hortas, isso apenas na safra entre 2017 e 2018. Há também um Coletivo de Mulheres que produzem ervas medicinais. No acampamento foram plantadas 60 mil mudas de árvores nativas e 60 mil árvores frutíferas. Após seis despejos e reocupação do latifúndio da Ariadnópolis que estava abandonado desde a falência da usina, o Quilombo Campo Grande está sob a iminência de novo despejo, após decisão de um juiz da Vara Agrária de Minas que autorizou Liminar de Reintegração de Posse.

Para compreendermos a justeza e a legitimidade da luta dos Sem Terra do MST no Quilombo Campo Grande é preciso fazermos retrospectiva histórica. Mesmo sob decisão judicial de reintegração de posse, as quase 500 famílias Sem Terra estão determinadas a não aceitarem o despejo. Não pode acontecer outro massacre como o de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996. A história revela que conflitos agrários e injustiça social existem há várias décadas na região de Campo do Meio. Injustiça social e agrária só se supera de forma justa e pacífica com Política Pública, no caso, reforma agrária. Repressão piora mil vez os problemas sociais.

Na década de 1980, houve intenso combate ao trabalho escravo no sul de Minas por 15 Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) da região que tinham rompido com a FETAEMG (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do estado de Minas Gerais). Em 1983, aconteceu em Campo do Meio a falência da Usina Ariadnópolis, deixando mais de 300 milhões de reais de dívidas trabalhistas e milhares de desempregados. No ano seguinte, de 20 a 22 de janeiro de 1984, aconteceu um Encontro Nacional de Camponeses em Cascavel, no Paraná, que se tornou o momento da criação do MST. Quatro anos depois, na madrugada de 12 de fevereiro de 1988, aconteceu a 1ª Ocupação do MST em Minas Gerais, com 400 famílias, na fazenda Aruega, no município de Novo Cruzeiro, no Vale do Jequitinhonha. Agentes de pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT) fizeram a maior parte do trabalho de base para reunir as famílias para a 1ª ocupação do MST em Minas. Em Campo do Meio, as injustiças sociais eram tão grandes que em 1995 aconteceu a 3ª greve de 90 dias dos trabalhadores rurais boias frias lesados em seus direitos trabalhistas pela falência da Usina Ariadnópolis. No ano seguinte, em 17 de abril de 1996, aconteceu o massacre de 21 Sem Terra em Eldorado dos Carajás, no Pará. Sete meses após, em 18 de novembro de 1996, aconteceu a Ocupação da fazenda Jatobá, pelo MST, em Campo do Meio. Sob o impacto do massacre de Eldorado dos Carajás, o Governo Federal, tentando mostrar algum compromisso com a reforma agrária, dia 02 de julho de 1997, criou o Assentamento Primeiro do Sul, do MST, em Campo do Meio, na fazenda Jatobá, com 84 famílias. Entretanto, sete anos depois, mais sangue de Sem Terra irrigava a mãe terra mineira, dia 20 de novembro de 2004, com o massacre de cinco Sem Terra no Acampamento Terra Prometida em Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha. Com o fortalecimento da luta pela terra no sul de Minas, dia 12 de maio de 2006, o MST conquistou a criação do Assentamento Santo Dias, em Guapé, no sul de Minas, assentamento com 100% de produção agroecológica. No entanto, rastros de trabalho escravo continuavam no sul de Minas e dia 19 de agosto de 2008, um caminhão de boias frias tombou na rodovia Fernão Dias, em Santo Antônio do Amparo, sul de Minas, matando 14 boias frias e deixando 18 feridos, vários ficando tetraplégicos para o resto da vida. Porém, a luta pela terra não parou, aliás, continuou crescendo, até que dia 07 de fevereiro de 2014, a família Sem Terra do MST conquistou a criação do Assentamento Nova Conquista II, nas terras da Ariadnópolis, em Campo do Meio. Era o MST cravando definitivamente sua bandeira no mega latifúndio da Ariadnópolis. Diante da falta de compromisso do Governo Federal e com os ensurdecedores clamores dos Sem Terra, em 25 de setembro de 2015, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, assinou o decreto n. 365/2015 desapropriando por interesse social para criação de colônia agrícola mais de 3 mil hectares do latifúndio da ex-usina Ariadnópolis, ficando fora os Acampamentos Vitória da Conquista, Potreiro, Chico Mendes e a área de 54 hectares da sede da Usina. Esse decreto pavimentava juridicamente o caminho para a conquista da integralidade das terras da Ariadnópolis pelo MST. Dia 09 de março de 2016 aconteceu mais uma conquista: o governador Pimentel assinou um 2º decreto (n. 107/2016) desapropriando outra área da Ariadnópolis para fins de reforma agrária. Entretanto, a queda de braço entre Latifúndio e Sem Terra, que dura há muitas décadas, continuou. Dia 23 de novembro de 2016, o Órgão Superior do TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) rejeitou o Mandado de Segurança que questionava o Decreto n. 365/2015 do Governador Pimentel. Contudo, um lobby de deputados ruralistas e do agronegócio conseguiu junto ao judiciário a derrubada dos decretos de desapropriação e um juiz substituto da Vara Agrária de Minas, dia 07 de novembro de 2018, decidiu restabelecer Liminar de Reintegração. Um absurdo jurídico e inconstitucional.

Na luta pela terra no Sul de Minas, o MST já conquistou três assentamentos: o PA Primeiro do Sul, o PA Nova Conquista II, em Campo do Meio e o PA Santo Dias, no município de Guapé. Além disso, no grande latifúndio da ex-usina Ariadnópolis, o MST está com o Quilombo Campo Grande integrado por 11 acampamentos. São eles: Tiradentes, com 28 famílias, em lotes de 8 a 10 hectares; Vitória da Conquista, com 36 famílias; Rosa Luxemburgo, com 77 famílias; Sidney Dias, com 86 famílias; Girassol, com 35 famílias, próximo da cidade, com um ou dois hectares cada lote; Fome Zero, com 36 famílias; Resistência, com umas 40 famílias; Betim, com umas 40 famílias; Chico Mendes, com umas 30 famílias; Irmã Dorothy, com 7 famílias; Campos das Flores, com 15 famílias (Dados de 2016 da coordenação do MST em Campo do Meio).

O PA Primeiro do Sul não foi construído da noite para o dia – teve uma longa gestação. Como cidade interiorana, Campo do Meio foi – e ainda é em grande parte, palco de práticas coronelistas – com o seu corolário clientelismo -, o que inibiu durante muito tempo a reunião de condições materiais, objetivas e subjetivas para se fazer o primeiro Acampamento do MST no sul de Minas. “Foi muito duro o início da luta pela terra aqui no Primeiro do Sul. Eu sei de relatos de fome extrema de famílias ao ponto de, à noite, filhos chorarem de fome pedindo comida” (Sílvio Neto, do MST).

O primeiro assentamento do MST na região foi gestado no latifúndio da ex-usina Ariadnópolis, com toda sua história: falida em 1983, como sucedânea de Engenho de cana-de-açúcar que existiu desde a época da escravidão – época colonial pré-1888. Ariadnópolis, etimologicamente significa ‘cidade de Ariadna’, nome de uma das filhas do dono da terra, falecida em 1906. Palco de uma das maiores vergonhas da história do Brasil, Campo do Meio abrigou durante séculos um engenho que arrancou suor e sangue de milhares de trabalhadores camponeses. A Usina Ariadnópolis de açúcar e álcool foi responsável por uma fortíssima agressão ambiental, vilipendiou a dignidade de milhares de trabalhadores camponeses e promoveu um enorme calote aos cofres públicos. “Eu conheci dois trabalhadores que foram mortos na usina Ariadnópolis por acidente de trabalho. Após a usina falir, muitos trabalhadores morreram sem receber seus direitos trabalhistas” (Olivério de Carvalho, assentado no PA Primeiro do Sul).

Na região do sul de Minas, a monocultura do café é muito forte com uma intensa presença de trabalhadores camponeses imigrantes que vêm trabalhar todos os anos nas fazendas na colheita do café. Muitos trabalhadores boias-frias já morreram em acidentes de trânsito, melhor dizendo, em crimes premeditados por causa das condições precárias dos caminhões e ônibus, indo ou voltando das fazendas de café. “Outro caminhão sem freio tombou na curva de uma estrada no município de Guapé e matou 11 boias-frias, 10 negros e 1 branco, que trabalhavam em lavouras de café” (Sebastião Mélia Marques, assentado no PA Primeiro do Sul).

Por toda essa história de luta e enfrentamentos, conquistas custando muito suor e sangue, inclusive, não pode haver tentativa de despejo dos 11 Acampamentos do MST no Quilombo Grande, em Campo do Meio; campo que já foi campo de repouso para os tropeiros e não pode se transformar em um Campo de Guerra. O justo é assentar as quase 500 famílias no latifúndio da Ariadnópolis.

Belo Horizonte, MG, 14/11/2018.

Por frei Gilvander Moreira[1]

Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.

E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –

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