Os povos indígenas não estão dispostos a aceitar as limitações que o governo federal pretende impor e gradualmente estão organizados para exigir os direitos que a Constituição Federal de 1988 garante. Este 20 de janeiro, os índios tomaram as ruas e têm gritado contra a Medida Provisória 870 do presidente Jair Bolsonaro, que transfere os poderes da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, para o Ministério de Agricultura.
O grito de guerra foi “Não gota de sangue mais” slogan de uma campanha que foi lançada em todo o país defender os direitos dos povos indígenas, repetindo em diferentes intervenções que não aceitam, repudiam a decisão do atual presidente e se perguntando onde está o justiça.
O evento foi organizado pela Confederação de Povos Indígenas de Manaus e Meio Ambiente – COPIME, e tem recebido apoio de diferentes organizações e agências, incluindo a Caritas Arquidiocesana de Manaus, o Serviço de Ação, Reflexão Igreja Católica e Educação Socioambiental – SARES e o Conselho Indigenista Missionário – CIMI.
Segundo o diácono Afonso Oliveira, Secretário Executivo da Caritas – Manaus, a entidade “tem apoiado sempre a Pastoral Indigenista como Pastoral Social, apoiando os movimentos indígenas que estão se movimentando hoje reivindicando aquilo que é justo, os direitos que estão sendo ameaçados”. Nesse sentido, o diácono afirma que “a gente está acompanhando todo esse processo de desmonte dos direitos e é preciso um posicionamento, apoiamos a iniciativa, essas reivindicações que estão sendo colocadas hoje”.
Turi Sateré, presidente da COPIME reconheceu que a razão para a concentração, além das reivindicações contra a Medida Provisória 870, são “vários retrocessos que podem vir contra os povos indígenas”, observando que “é uma luta no Brasil todo”. Nesse sentido, Nara Baré, presidenta da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, disse que as organizações indígenas já estão conscientes das ameaças do novo governo desde antes de tomar posse, considerando a Medida Provisória 870 como algo que “traz um total genocídio para os povos indígenas do Brasil”, com o objetivo de “abrir a Amazônia para o agronegócio, para a mineração em terras indígenas, para a exploração, e isso para a gente, a gente não quer”.
Junto com isso, a presidenta da COIAB denuncia a existência de mais de duzentos pedidos de demarcação de terras indígenas. Ela reconhece falta de confiança nas instituições brasileiras, que não são muito propensas a defender os povos indígenas, como mostra o fato de que, após as últimas eleições, as invasões de terras indígenas e assassinatos aumentaram. No entanto, Nara Baré, adverte que “não vamos recuar”, denunciando o retorno do discurso da ditadura militar, que defendia a assimilação e integração dos indígenas, que são retrocessos inaceitáveis, sem querer entender que “nossos territórios somos nós, estamos na água, no vento, na floresta “, segundo o líder indígena.
Na mesma linha, tem se pronunciado o Presidente da Confederação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN, Marivelton Baré, que disse que, no Brasil, “um governo ante indígena foi instalado”. Recordando a história dos povos indígenas, ele afirmou que “estas terras, este território sempre foi nosso, a gente teve nossa casa, nosso território invadido e hoje a gente tem que se ficar mobilizando para que o governo reconheça o que é nosso por direito originário”.
Contra o discurso acusando os índios de muita terra para pouco índio, observou que 13% do território é terra indígena, enquanto 60% está nas mãos do agronegócio. Ele denunciou que “hoje eles estão ameaçando nosso modo de vida, nosso território, nosso bem viver nas nossas comunidades, porque o que eles querem não é o bem viver dos indígenas, apenas todas as riquezas que tem dentro de nossos territórios”. Para combater esta realidade pediu unidade como organizações e povos, dizendo que “temos que saber seguir com uma visão estratégica diante da sociedade que nos envolve”, fazendo uma chamada para uma “mobilização diante do estado brasileiro para implementar e garantir políticas públicas adequadas e de acordo com a nossa especificidade “.
O novo deputado federal José Ricardo Wendling, ressaltou a importância da mobilização “para tentar reverter a medida provisória que remove as atribuições importantes da Funai, para passá-las para um ministério que não tem compromisso com a causa indígena”. Inclusive o deputado denunciou que “foi feito isso de propósito, que é para dizer que a questão indígena não é prioridade para este governo”.
O próprio Procurador da República no Estado do Amazonas para as populações indígenas e comunidades tradicionais, Dr. Fernando Merloto Soave, acusou o governo de não respeitar a Constituição Federal, nem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que afirma que os indígenas, as populações tradicionais têm que ser consultadas. O procurador destacou que “mudar toda uma estrutura de um órgão indigenista sem ne sequer consultar, nem as entidades, sem dialogar, o primeiro dia, não faz parte da observância da Convenção do OIT que o Brasil é hoje signatário. Isso precisa ser revisto por este governo, de uma maneira democrática, dialogada, ou se isso não for possível judicialmente”.
Ele mesmo, que recolhe todas as denúncias que violam os direitos indígenas no estado do Amazonas, reconhece que há “uma série de problemas que enfrentamos hoje, desde a questão da terra, que sempre é a principal, porque sem a terra não pode articular questões de saúde, de educação “. Nesse sentido, há “a Constituição Federal determinou que com cinco anos, lá em 88, forem demarcadas todas as terras, ou seja, deveriam estar todas demarcadas até 93, e até hoje mais de 400, 500 ainda não foram demarcadas”.
Segundo o Procurador Geral, “não é uma questão deste governo, porque os governos anteriores não avançaram, mas agora me parece que ainda menos”. Isso resulta em “ausência de saúde adequada, ausência de educação diferenciada”, diz o doutor Fernando Merloto Soave, que exemplificou que “só no estado do Amazonas são 800 comunidades indígenas sem escolas, tem as crianças e os professores e você não tem escola e quando tem às vezes não é diferenciada”. Por essa razão, ele vê a mobilização que ocorreu em Manaus como “uma dos principais caminhos”.