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A resistência consumada na Pastoral Afro-brasileira

Por Camila Moraes de Oliveira

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral
Foto: Site Comunidade Católica Mar a dentro

“…Retalhos de nossa história bonitas vitórias que meu povo tem. Palmares, Canudos, Cabanas são lutas de hoje e de ontem também. Ô, ô, ô, ô, recebe Senhor. Aqui trazemos a semente sangue desta gente que fecunda o chão. Do gringo e tantos lavradores Santos e operários em libertação.Ô, ô, ô, ô, recebe Senhor”1.  Esse trecho de uma canção, tocada nos encontros afros e missas inculturada nas Igrejas Católicas, relata uma parte irrisória da história da população negra, revelando o quanto a sobrevivência desse “povo” exprime resistência

Foto: Diocese de Piracicaba

Resistência essa que marca a trajetória de todos os negros e grupos que lutam contra a opressão, discriminação e desigualdade racial, como faz a Pastoral Afro-brasileira (PAB), que integra o grupo das Pastorais Sociais da Igreja Católica. Que tem o objetivo de valorizar as características e a cultura dos afro-brasileiros. Ela também se propõe a atuar nas necessidades e desafios sociais dos quais, os negros estão expostos dentro da sociedade, enfrentando discriminação, preconceito, desigualdade, racismo, falta de oportunidade e estigmatização.

Conforme, ressalva o sociólogo Octavio Ianni, a sociedade vive o mito da democracia racial, o que faz com que assuntos como o racismo não façam parte de pautas em diversos lugares, primordialmente nos espaços conservadores, como a Igreja Católica. Por isso, pauta-se a necessidade de haver uma Pastoral que acentue as demandas da população negra, como faz a Pastoral Afro-brasileira, principalmente nesse momento em que o país está passando por um período fortemente afetado por conceitos fascistas, que impactam diretamente nas populações tidas como minorias.

E mediante esse cenário caótico socialmente em que o Brasil atravessa, torna-se imprescindível que haja cada vez mais resistência da população negra em todos os espaços onde houver negros, conforme acontece na Igreja Católica desde 1988, quando foi criada a Pastoral Afro-brasileira. E essa forma de resistir dos negros que compõem a PAB é consumado através das suas ações concretas, que tem o propósito de difundir a identidade do negro e ressaltar a sua importância na formação social do Brasil. Assim como, respeitar sua religiosidade, que traz toda a cultura e ancestralidade, como as religiões de matriz africana, que são tidas na maioria das vezes como algo negativo, corroborando ainda mais para o olhar estereotipado do negro.

E essa estereotipação atrelada ao negro, que está arraigada na estrutura social, tornando o racismo estrutural e institucional, requer uma militância intensa dos negros em todos os espaços em que os mesmos estão presentes. Por isso, a importância de dialogar negritude dentro da Igreja Católica, como faz a Pastoral Afro-brasileira, que resiste mesmo sem a notoriedade merecida dentro desse espaço, em que muitos negros ainda não se sentem pertencentes, efetivando portanto, a legitimidade de uma Pastoral que exerce um significativo papel na luta em prol da igualdade racial, ou seja, que  intervém contra o racismo que se expressa de diversas formas, em diversos âmbitos sociais e principalmente dentro de uma instituição que prega a igualdade entre todos os indivíduos, seja qual for sua cor e sua classe social como a Igreja Católica. Galgando atividades que prezem por uma mudança social, que visa o respeito as diferenças independente de seus costumes e cultura.

Com isso, demarca-se a importância da Pastoral Afro-brasileira se fazer resistência dentro e fora da Igreja Católica, caminhando com os movimentos sociais que prezam pela igualdade racial e que almejam que seja alcançado de fato a Abolição, que é comemorada há 130 anos, mas, que não se consumou verdadeiramente. Também tornando-se importante saudar essa data tão simbólica para a população negra, que é o 20 de novembro, onde se comemora Zumbi dos Palmares, que tem grande significância para a luta resistente dos negros.

E embora, seja separado apenas uma data no calendário anual, para dizer sim a consciência negra e não ao racismo, que possamos todos sermos conscientes 364 dias do ano e não apenas nessa simbólica data. Pois, essa importante e respeitosa celebração, tem grande representatividade para a resistência e  luta negra. Que corrobora para a compreensão de que ser antirracista é um dever, ou seja, é uma incumbência social e que todos os movimentos que pautam a igualdade racial, como a Pastoral Afro-brasileira deve resistir e persistir nessa luta que tem o papel de discriminar e exterminar a população negra.

Sejamos todos resistência!

Camila Moraes de Oliveira

Mestre em Serviço Social, doutoranda do departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro e pesquisadora da Pastoral Afro-brasileira.

1Trecho da música “Quem disse que não somos nada” do compositor Zé Vicente.

Foto de Capa: site Santuário de Aparecida

 

 

 

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