Por Luis Miguel Modino
O Sínodo para a Amazônia tem como objetivo novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral. Esses caminhos nem sempre são novos, muitas vezes devem levar a assumir como Igreja experiências presentes na Amazônia desde há vários anos. Uma delas é a itinerância, que o Instrumento de Trabalho vê a necessidade de apoiar, como recolhe o número 129, sempre numa perspectiva “dos consagrados e consagradas estar ao lado dos mais desfavorecidos e excluídos”.
O que muitas vezes falta é um trabalho em rede, um desejo de caminhar juntos, de viver a sinodalidade, não por falta de vontade e sim por falta de alguém que organize a caminhada. Aos poucos vão se dando passos, como o encontro das equipes itinerantes realizado em Manaus e que contou com representantes da maioria dos países da Pan-Amazônia e de quatro equipes que, desde há mais ou menos tempo, vivem essa experiência em muitos cantos da região.
O encontro contou com a presença de umas 60 pessoas, representantes de diferentes congregações e instituições, como o Conselho Indigenista Missionário – CIMI, a Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB, ou a Rede Um Grito pela Vida, destacando a presença de indígenas e juventudes. O apoio e incentivo do encontro foi da Confederação Caribenha e Latino-americana de Religiosas/os – CLAR, e da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, especialmente dos eixos de fronteiras e formação, tendo como objetivo discernir como organizar a Rede Itinerante da REPAM-CLAR, sua proposta e processo contínuo de formação para o serviço itinerante à missão na Amazônia, “Diaconia de Itinerância”. Como reconhecia o irmão João Gutemberg, assessor da REPAM e coordenador da dimensão itinerante na CLAR, um dos responsáveis do encontro, o que marca a vida das equipes são as fronteiras e as realidades das calhas dos rios, numa tentativa de “ser presença nos lugares mais recônditos, mais distantes, com suas belezas e suas problemáticas e que nem sempre são visibilizados, conhecidos, na visão mais ampla da Pan-Amazônia”.
Além das equipes presentes, com um enfoque mais socioambiental, na Pan-Amazônia existem outras equipes com uma dimensão mais pastoral, evangelizadora. Não podemos centrar essas experiências só na vida religiosa, pois cada vez mais o laicato está se integrando nesses projetos, inclusive sacerdotes. Esse processo de construção coletiva não é fácil realiza-lo nas diferenças, afirma o irmão marista, por isso, se faz preciso criar espaços de animação e não tanto estruturais, que “se tornam um peso”. Ele definia o encontro como “uma vivência de diálogos, de celebração, de paixão, de motivação mútua, de descoberta por parte de muita gente daquilo que se vive na itinerância”. Em definitiva se trata de uma realidade marcada pela organização e a vivência, que com o tempo, e com uma equipe coordenadora, onde se fazem presentes representantes das equipes, da REPAM e da CLAR, pretende ir construindo um caminho de esperança, segundo o irmão João Gutemberg.
É importante sublinhar, disse o irmão marista, que essas equipes, mesmo aquelas menores, muito fragilizadas em número de pessoas, são respostas proféticas em seus contextos. Além disso destaca como algo singelo o fato de que o encontro tem ajudado a um “despertar da solidariedade de uma equipe para com outra”, até o ponto de que “nós nos sentimos corresponsáveis uns pelos outros”. É por isso, que afirma que “rede, mais do que estrutura, é criar sinergia, amizade, relacionamentos, promovendo atitudes de conexão, de apoio mútuo, de intercâmbio”.
Defender a vida é prioridade naqueles que vivem a itinerância, segundo a irmã Joaninha Honório Madeira, que vive na tríplice fronteira entre o Peru, a Bolívia e o Brasil. A religiosa da Congregação das Irmãs da Imaculada Conceição, definia o encontro desde “um sentimento de gratidão ao Deus da vida, o Deus Amazônico”, como um passo histórico, “um kairós, um momento de partilha, de estarmos juntos e compartilhar as experiências, de estar refletindo o que é que nos convoca a Amazônia, o que é que nos convoca o Sínodo”. Diante da necessidade de se organizar em rede, a religiosa disse que “as vezes nos assusta, mas é juntos, é enredados que nós somos fortes”. Ela pede que “o Sínodo ressalte esse ser itinerante na Amazônia, a vida consagrada nasceu itinerante, para itinerância, e com o tempo ficamos presos em estruturas pesadas”.
Poder sentar junto numa mesa comum, a mesa amazônica, é fundamental como primeiro passo na construção de um caminho comum, como reconhece a irmã Antônia Mendes Gomes. Daí surge a possibilidade de “partilhar sonhos a partir dos desafios, e partilhar esperança, sobretudo nesse tempo de tanta desesperança”, que leve a ver que é possível “construir juntos nas nossas diferenças”, nem só a vida religiosa como também o laicato, cada vez mais presentes nessas equipes.
A religiosa da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora do Calvário, presente na Amazônia desde 1935, nascida na Amazônia, vê que desde o Espírito “se intui um novo tempo” para a Igreja, a vida Religiosa e o processo de evangelização na Amazônia, marcado pelo Sínodo, “que será aquilo que nós formos na Amazônia”, insistindo na necessidade de uma Igreja presente onde “tem ainda dificuldade de chegar”, o que gera na religiosa “muita esperança e muito desejo de continuarmos construindo redes a partir das nossas diferenças e das nossas riquezas”, porque “juntos nós podemos mais”.
O REPAM, desde que “em 2014 nasceu, começou a gerar todo um conjunto de processos de rede que multiplica as diferentes redes, que estão tecendo redes com redes e é um processo de construção”, diz Fernando López, que há mais de 20 anos faz parte da Equipe Itinerante de Manaus, sem hesitar em reconhecer que “algo novo está nascendo”, e o faz em um momento muito difícil “tremendamente predatório e agressivo, que gera muitos processos de morte”, insiste o jesuíta. Ele enumera uma série de momentos iniciados com o Papa Francisco e que resultaram no Sínodo para a Amazônia, “que nos convida a buscar, discernir, ter coragem de encontrar novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. Nesse contexto, coloca a rede itinerante da REPAM-CLAR, “como um processo de construção que tenta anunciar a vida que Deus deseja para todos os povos da região e para o mundo, e denuncia os processos de morte que ameaçam a vida na região”.
As equipes itinerantes buscam caminhar junto com outras instituições, como o Instituto de Desenvolvimento Rural da América do Sul, com quem compartilham a defesa dos povos indígenas e de seus projetos, conforme afirma seu representante Lorenzo Solís, leigo quíchua da Bolívia, que afirma que “também queremos nos comprometer e unir forças, vontades e capacidades para responder ao chamado do Papa Francisco e contribuir para o Sínodo da Amazônia”. Ele insiste que “todos sabemos da necessidade de defender a Amazônia, seu povo, sua diversidade de povos de culturas, de trajetórias”, algo marcado pela importância planetária do bioma amazônico e pelo bom viver, sumak kawsay. Nesse sentido, ele não hesita em afirmar que o que foi vivenciado no encontro pode ajudar “no trabalho que realizamos em diferentes países da América do Sul, contribuir para a defesa dos territórios, de seu povo em outras latitudes”.
A CLAR, como salienta a irmã Rosario Purilla, que faz parte de sua equipe de teólogas, está envolvida nesse processo para “poder contribuir, mas sobretudo se enriquecendo dessas experiências, das quais também estamos ajudando a recuperar essa experiência de itinerância, de intempérie, de comunhão na diversidade”. A religiosa carmelita reconhece que “uma experiência de construção conjunta nem sempre é fácil porque implica compartilhar tudo o que cada um de nós tem”, o que implica uma desconstrução anterior. A religioaa, que trabalha na Conferência dos Religiosos no Peru, diz que “houve um grande desejo de caminhar juntos, de envolver também nossas instituições congregacionais e outras instituições locais da Igreja”. Ela insiste que o encontro foi “uma experiência de comunhão, de construção de uma Igreja que está realmente em saída, que beneficia a vida, a dignidade do ser humano e de nossa Casa Comum, da Amazônia”.
Patricia Blasco está fazendo uma experiência para formar parte de uma das equipes itinerantes. Ela destaca como uma riqueza “ver a diversidade unida, compartilhar experiências e reflexões sobre essas experiências”. A religiosa da Companhia Missionária do Sagrado Coração de Jesus enfatiza que “algo novo está nascendo”, que ela define como “outras formas de viver e se relacionar com a missão, para a Amazônia”, destacando “o Sínodo, com uma construção de uma Igreja com rosto amazônico”. Ela destaca a importância da intercongregacionalidade, interculturalidade e intergeracionalidade, porque a diversidade de carismas “ajuda a somar o que somos, o que valemos, o que temos, como presente para a construção de uma Igreja com rosto amazônica”, enfatiza a religiosa.