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Papa Francisco convida o povo brasileiro a “encontrar pontos de união e os traduzir em ações em favor da vida”
Por Luis Miguel Modino

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

A Campanha da Fraternidade, que ao longo da Quaresma acompanha a vida da Igreja do Brasil desde o início da década de 1960, tem neste ano um caráter ecumênico, algo que começou no ano 2000 e que “representa uma das experiências mais valiosas de missão evangelizadora em nosso país”, segundo a pastora luterana Romi Márcia Bencke, Secretária-Geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC.

Por ocasião da Campanha da Fraternidade, o Papa Francisco enviou uma mensagem ao povo brasileiro. O Papa definiu a Quaresma como “um tempo de intensa reflexão e revisão de nossas vidas”, um convite a caminhar com o Senhor Jesus, que “faz-se peregrino conosco também nestes tempos de pandemia”, a rezar pelos que morreram, a bendizer pelos profissionais de saúde e estimular a solidariedade, “a cuidarmos de nós mesmos, de nossa saúde, e a nos preocuparmos uns pelos outros”. Nas suas palavras, adverte que iremos superar a pandemia, “à medida em que formos capazes de superar as divisões e nos unirmos em torno da vida”.

O Papa Francisco vê a Campanha da Fraternidade como um convite “para ‘sentar-se a escutar o outro’ e, assim, superar os obstáculos de um mundo que é muitas vezes ‘um mundo surdo'”. A mensagem apela à promoção de uma cultura de diálogo, lembrando que “são os cristãos os primeiros a ter que dar exemplo, começando pela prática do diálogo ecumênico”. De fato, insiste que “a fecundidade do nosso testemunho dependerá também de nossa capacidade de dialogar, encontrar pontos de união e os traduzir em ações em favor da vida, de modo especial, a vida dos mais vulneráveis”.

Estamos ante um chamado a afirmar que “a fraternidade e o diálogo são compromissos de amor, porque Cristo fez uma unidade daquilo que era dividido”, como recolhe o hino da campanha. A Campanha da Fraternidade Ecuménica de 2021 é um desafio “para o diálogo e a construção de pontes de amor e paz em lugar dos muros de ódio”, mostrando que é possível “viver em comunhão”, superando “as polarizações e violências através do diálogo amoroso”, o que é expressado nos objetivos da campanha.

A Campanha, que foi organizada quase que inteiramente on-line, ela faz a proposta de conversão ao diálogo e ao compromisso de amor, afirmando que “a conversão é um processo permanente e diário”, que nos leva a “repensarmos cotidianamente nossa forma de estar no mundo”. Daí nasce “a possibilidade de novas formas de relações humanas e sociais”, de assumir “um jejum que agrada a Deus e que conduz à superação de todas as formas de intolerância, racismo, violências e preconceitos”.

El Texto Base da Campanha tem como elo a história dos discípulos de Emaús, fazendo um chamado a refletir a partir de quatro paradas: ver, julgar, agir e celebrar, uma metodologia que acompanha a vida da Igreja latino-americana nas últimas décadas.

A pandemia da Covid-19 e suas consequências é o ponto de partida do ver, afirmando que, no Brasil, onde tem morrido um 10% das vítimas mundiais, “a pandemia dilacerou famílias e deixou espaços vazios na cultura nacional”. O texto reflete sobre “a incerteza, a insegurança, o descaso político para com as pessoas, a desestruturação repentina de nosso modo de vida”, provocando sensação de medo e impotência. Também aparecem relatos sobre diferentes reações diante da pandemia nas igrejas.

A reflexão em torno da Campanha, denuncia que “no Brasil, a pandemia escancarou as desigualdades e a estratificação racial, econômica e social”, refletindo sobre a resistência ao isolamento, o negacionismo, a volta da fome, a continuação da violência policial, doméstica e do racismo. Também aparece a análise das tensões e conflitos, das reformas, do aumento do desemprego, da pobreza, das desigualdades os das notícias falsas nos últimos anos. O Brasil se tornou uma sociedade cheia de muros, com muitas crises que afetam a todos, também àqueles que fazem parte das Igrejas.

Diante disso, a Campanha chama a interpretar a realidade, em uma sociedade onde “ainda permanecem as estruturas racistas e excludentes”, que beneficia os poderosos e ignora as políticas públicas. Isso gera insatisfação, que se transforma em ódio contra o diferente, relações injustas, destruição da Casa Comum, novas cruzes que não são respostas para a paz, “necropolítica”, onde o Estado se julga soberano para escolher quem morre e quem vive. Isso é algo que se faz presente de diferentes modos no Brasil, através da violência, que nunca será a saída, e de leis que acabam com direitos históricos conquistados.

A reflexão sobre a catástrofe ambiental, uma realidade muito presente no Brasil, que atinge especialmente os povos tradicionais, grandemente afetados pela pandemia da Covid-19, também está presente na Campanha da Fraternidade de 2021. O Texto Base denuncia que “a violência contra a terra e os povos originários é, muitas vezes, legitimada por um discurso religioso reativo”, que manipula a religião. Também é colocada a reflexão sobre o racismo contra negros e indígenas, que se traduz em intolerância religiosa, algo que tem uma raiz histórica e que se perpetua, criando muros que demandam “rever a forma como vivemos a nossa fé”.

A segunda parada, identificada com o julgar, faz uma análise desde a perspectiva bíblica. O texto afirma que “a fé é diretriz de conduta, tanto para o bem quanto para o mal”. Nesse sentido, as origens do cristianismo nos mostram que “a opção pelo Evangelho trazia consigo a busca pela compreensão mútua e um processo de conversão”, algo recolhido nas cartas paulinas. Isso levava a derrubar “o muro da separação” e construir “um mundo de comunhão na gratuidade do amor de Deus, que acolhe e perdoa”. Eram comunidades diversas, mas que procuravam a unidade, a partir da fé em Jesus Cristo, “vínculo que une a comunidade e garante que experimentemos os sinais do Reino de Deus”.

Isso é recolhido no lema da Campanha da Fraternidade Ecuménica de 2021: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade”. O apóstolo Paulo faz um testemunho conciliador e promotor da unidade na diversidade, que não é razão para conflitos. Tudo em vista da paz, que para a cultura hebraica, “é sinônimo de vida plena”, sinal do Reino de Deus, algo que as comunidades indígenas chamam de “bem viver”. Uma Igreja que nasce “da graça misericordiosa de Deus revelada em Cristo”, imagem do Evangelho da graça e da misericórdia, que “revela-se como a força de Deus, que derruba os muros do preconceito que separam”.

A paz “é um tema genuinamente bíblico”, uma paz que “brota da fé em Cristo” e provoca “a superação da inimizade e do ódio”, permitindo “cuidar e reconstruir a convivência social”. Frente a isso, a Campanha nos faz ver que o orgulho religioso, que é contrário ao Evangelho, levanta muros, derrubados por Cristo, que constrói uma nova humanidade, “animada e alicerçada no amor, na graça de Deus e na unidade que se realiza pelo Espírito Santo”. Daí surge a maturidade cristã, que “respeita e acolhe a diversidade e só alcança a plenitude mediante a cooperação mútua”.

No agir, a terceira parada, seguindo o caminho dos discípulos de Emaús, surge o compromisso de derrubar “os muros das divisões”, algo concretizado em boas práticas ecumênicas. O texto mostra alguns exemplos, como a Semana de Oração pela Unidade Cristã, a convivência inter-religiosa, as missões ecumênicas, realizadas em diferentes locais do Brasil, os encontros ecuménicos de mulheres, em vista da superação da violência contra as mulheres, o cuidado da casa comum, um tema abordado na Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2016, que provocou o envolvimento do CONIC em muitas ações e iniciativas voltadas para o direito ao acesso à água potável de qualidade.

Essas são práticas assumidas por “muitas comunidades, grupos ecumênicos, pastorais e serviços diaconais”, enfatiza o Texto Base, que na quarta parada faz uma proposta celebrativa ecuménica. Finalmente, é explicado o significado da Coleta da Solidariedade, “um gesto concreto da fraternidade, partilha e solidariedade, realizado em âmbito nacional, em todas as comunidades cristãs, paróquias e dioceses”, rebatida nas últimas semanas por diferentes grupos e que provocou uma mensagem da presidencia do episcopado brasileiro.

 

Mensagem do Papa Francisco para a Campanha da Fraternidad Ecuménica 2021

Queridos irmãos e irmãs do Brasil!

Com o início da Quaresma, somos convidados a um tempo de intensa reflexão e revisão de nossas vidas. O Senhor Jesus, que nos convida a caminhar com Ele pelo deserto rumo à vitória pascal sobre o pecado e a morte, faz-se peregrino conosco também nestes tempos de pandemia. Ele nos convoca e convida a orar pelos que morreram, a bendizer pelo serviço abnegado de tantos profissionais da saúde e a estimular a solidariedade entre as pessoas de boa vontade.

Convoca-nos a cuidarmos de nós mesmos, de nossa saúde, e a nos preocuparmos uns pelos outros, como nos ensina na parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37). Precisamos vencer a pandemia e nós o faremos à medida em que formos capazes de superar as divisões e nos unirmos em torno da vida. Como indiquei na recente Encíclica Fratelli tutti, «passada a crise sanitária, a pior reação seria cair ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta» (n. 35). Para que isso não ocorra, a Quaresma nos é de grande auxílio, pois nos chama à conversão através da oração, do jejum e da esmola.

Como é tradição há várias décadas, a Igreja no Brasil promove a Campanha da Fraternidade, como um auxílio concreto para a vivência deste tempo de preparação para a Páscoa. Neste ano de 2021, com o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, os fiéis são convidados a «sentar-se a escutar o outro» e, assim, superar os obstáculos de um mundo que é muitas vezes «um mundo surdo». De fato, quando nos dispomos ao diálogo, estabelecemos «um paradigma de atitude receptiva, de quem supera o narcisismo e acolhe o outro» (Ibidem, n. 48). E, na base desta renovada cultura do diálogo está Jesus que, como ensina o lema da Campanha deste ano, «é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade» (Ef 2,14).

Por outro lado, ao promover o diálogo como compromisso de amor, a Campanha da Fraternidade lembra que são os cristãos os primeiros a ter que dar exemplo, começando pela prática do diálogo ecumênico. Certos de que «devemos sempre lembrar-nos de que somos peregrinos, e peregrinamos juntos», no diálogo ecumênico podemos verdadeiramente «abrir o coração ao companheiro de estrada sem medos nem desconfianças, e olhar primariamente para o que procuramos: a paz no rosto do único Deus» (Exort. Apost. Evangelii gaudium, n. 244). É, pois, motivo de esperança, o fato de que este ano, pela quinta vez, a Campanha da Fraternidade seja realizada com as Igrejas que fazem parte do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC).

Desse modo, os cristãos brasileiros, na fidelidade ao único Senhor Jesus que nos deixou o mandamento de nos amarmos uns aos outros como Ele nos amou (cf. Jo 13,34) e partindo «do reconhecimento do valor de cada pessoa humana como criatura chamada a ser filho ou filha de Deus, oferecem uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da justiça na sociedade» (Carta Enc. Fratelli tutti, n. 271). A fecundidade do nosso testemunho dependerá também de nossa capacidade de dialogar, encontrar pontos de união e os traduzir em ações em favor da vida, de modo especial, a vida dos mais vulneráveis.

Desejando a graça de uma frutuosa Campanha da Fraternidade Ecumênica, envio a todos e cada um a Bênção Apostólica, pedindo que nunca deixem de rezar por mim.

Roma, São João de Latrão, 17 de fevereiro de 2021

Francisco

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