ColunistasPadre Francisco Aquino Júnior

A quem interessa a demonização da política?

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Política tem a ver com a organização e o governo da sociedade. Ela interfere na vida de todas as pessoas e, por isso, deve interessar a todos. Educação, saúde, terra, moradia, aposentadoria, saneamento básico, estrada, preço dos alimentos, do gás e do combustível, direitos trabalhistas, dentre tantas coisas que interferem decisivamente em nosso cotidiano, passam pela política. A garantia ou negação desses bens tão fundamentais para nossa vida depende de opções e decisões políticas. Basta recordar a importância fundamental do SUS nessa pandemia da Covid-19 (o que seria de nosso povo sem o SUS, mesmo sucateado e desidratado?) e o impacto do aumento absurdo do preço da cesta básica, do gás e do combustível. Tudo isso tem a ver com política: o SUS é uma política de saúde e o aumento de preços está ligado à política econômica.

Sendo algo tão fundamental e decisivo em nossa vida, por que tanto desinteresse e até aversão pela política? Por que tanta gente se recusa a falar de política e identifica política com corrupção e coisa de gente desonesta? Como entender que algo tão importante e necessário seja visto de modo tão negativo e imoral? Essa visão negativa da política está tão difundida em nossa sociedade que é comum escutar e repetir expressões do tipo “nenhum político presta”, “todo político é ladrão”, “tudo igual”, “quem entrar vai roubar” etc. Como entender esse processo de demonização da política?

Na Encíclica Fratelli Tutti “sobre a fraternidade a amizade social”, o papa Francisco reconhece que “atualmente muitos possuem uma noção ruim da política” e indica duas razões que ajudam a compreender esse fato: 1) “não se pode ignorar que frequentemente, por traz desse fato, estão os erros, a corrupção e a ineficiência de alguns políticos”; 2) “a isso se juntam as estratégias que visam enfraquece-la, substituí-la pela economia ou dominá-la por alguma ideologia” (FT 176). Francisco adverte que essa “noção ruim da política” não se deve apenas à corrupção e ineficiência de alguns políticos, mas também a uma estratégia que visa enfraquecer a política e subordiná-la a economia. Desacreditar a política é uma forma eficaz de alimentar desinteresse do povo pela política e manipulá-la com mais facilidade em função dos interesses das elites.

Francisco recorda que “a melhor maneira de dominar e avançar sem entraves é semear o desânimo e despertar uma desconfiança constante, mesmo disfarçada por trás da defesa de alguns valores”. Sendo ainda mais concreto, afirma: “usa-se, hoje, em muitos países, o mecanismo político de exasperar, exacerbar e polarizar”; “nega-se a outros o direito de existir e pensar e, para isso, recorre-se à estratégia de ridicularizá-los, insinuar suspeitas sobre eles e reprimi-los”. Dessa forma, “a política deixa de ser um debate saudável sobre projetos a longo prazo para o desenvolvimento de todos e o bem comum, limitando-se a receitas efêmeras de marketing cujo recurso mais eficaz está na destruição do outro” (FT 15). Importa criar um clima generalizado de desconfiança e suspeita (na política, nas instituições, nas eleições etc.), polarizar e dividir a sociedade, desqualificar e eliminar qualquer adversário para manter com mais facilidade o controle da situação. É um bom diagnóstico do que vivemos atualmente no Brasil. 

Mas a quem interessa toda essa situação? Quem ganha/lucra com isso? Não sejamos ingênuos. Em boa medida, a demonização da política é fruto de uma estratégia bem montada das elites (desconfiança/suspeita generalizada da política, polarização da sociedade, desqualificação e eliminação do adversário) para manter mais facilmente seu domínio e seus privilégios na sociedade e impedir qualquer reforma social, por mínima que seja. Daí a importância fundamental de despertar na sociedade interesse pela política, debate político, envolvimento com a política. E não simplesmente política partidário-eleitoral (partidos, eleições), mas, antes e, sobretudo, política social (preocupação e envolvimento com os problemas e os rumos da sociedade). Aliás, a política partidário-eleitoral (política com “p” minúsculo), por mais importante que seja, deve estar em função e a serviço da política social (Política com “p” maiúsculo). Uma sociedade politicamente mobilizada na defesa do bem comum que se concretiza na garantia dos direitos dos pobres e marginalizados é condição da existência de partidos, eleições e governos a serviço do bem comum e da justiça social.

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