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Uma nova economia para superarmos as desigualdades
Por Douglas Almeida

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral
Vendedores ambulantes fazem parte do população sem renda fixa que hoje encontram-se extremamente vulneráveis.

Estamos em 2020, mas diversos países ainda sofrem problemas que poderiam ter sido superados anos atrás, infelizmente as desigualdades persistem. No Brasil não é diferente. Pensando no nosso país, na nossa construção de nação, eu poderia citar várias causalidades para as desigualdades, mas destaco nesse texto o colonialismo de exploração, o racismo como herança da escravização do povo negro e a exploração do trabalho como elementos que contribuem para essa distância entre os mais ricos e os mais pobres.

A pandemia do novo coronavírus (COVID-19) está desafiando todo o mundo e colocando em xeque a economia mundial. A reação de diversos países contradiz ao próprio modelo econômico na qual defendem e a participação do Estado torna-se mais do que necessária para garantir a qualidade de vida da população. Quando olhamos para esses países da Europa e os EUA é possível identificar a diferença da quantidade de dinheiro disponível para injetar na economia, seja para socorrer os trabalhadores ou as empresas, em comparação aos países do Sul Global. Do final do século XIX para cá muita coisa mudou no mundo, mas ainda figuram entre os mais ricos e entre os mais pobres os mesmos rostos do passado, ainda que tenham ocorrido algumas mudanças.

Outro ponto que podemos destacar na pandemia é a solidariedade. Nesse ano, os católicos e católicas são convidados a refletir sobre a vida da Irmã Dulce, personagem referência da Campanha da Fraternidade 2020 (CF). Ela dedicou a vida em ajudar os mais pobres e faz a gente pensar sobre a origem dessa pobreza. O lema da CF diz “viu, sentiu compaixão e cuidou dele”, estimula a gente olhar para o lado e identificar quem precisa de ajuda, com total conexão ao momento que estamos vivendo, são vários os gestos de solidariedade com pessoas em situação de rua, moradores de favelas e periferias, com a população mais afetada economicamente com o isolamento social.

Mas, tanto o COVID-19 pela dor e a CF pelo tema em si, acendem um sinal para refletirmos sobre a realidade brasileira. Basta uma rápida pesquisa no google, tem reportagem da Globo e da Record com os dados do IBGE, pode escolher. A maioria da população brasileira é negra, mas quando olhamos para as oportunidades, vemos que os brancos ocupam mais os cargos de chefia, 68,6% dos cargos gerenciais no Brasil eram ocupados por brancos em 2018, segundo dados do IBGE. As desigualdades no país são gritantes. Existe um acúmulo gigantesco de renda e patrimônio por uma parcela pequena da população. O rendimento médio mensal de trabalho do 1% mais rico do Brasil (R$ 27.144,00) foi quase 34 vezes maior que da metade mais pobre (R$ 820,00) em 2018, de acordo com dados da PNAD Contínua.

O coronavírus revela sem filtros as desigualdades. A metade mais pobre é justamente quem tem o emprego ameaçado ou a ocupação interrompida devido à epidemia. As pessoas que estão na base da exploração do trabalho, com os piores salários, no subemprego ou com relações sem vínculo empregatício estão assustadas e muitas são coagidas por um discurso criminoso do presidente da República que o trabalho não pode parar. O Estado tem o dever de dar assistência para essas famílias, a solidariedade individual ou coletiva é importante, mas a economia também tem que ser colocada a serviço. O mercado não consegue sozinho socorrer os mais pobres, pelo contrário, se o Estado não ficar ao lado dos mais vulneráveis, o desemprego e a fome vão crescer mais. A mão invisível do mercado já provoca as desigualdades do parágrafo anterior, no sufoco, vai querer se salvar.

É importante estarmos em alerta. Esses momentos de crise e pandemia poderiam servir para repensarmos a economia, mas infelizmente a história mostra que corremos o risco de aprofundar as desigualdades se as escolhas feitas pelos tomadores de decisão privilegiarem quem tem mais dinheiro. Com menos crescimento econômico ou com recessão, fica limitado a mobilidade social e caso os mais ricos preservem o patrimônio, através de diferentes mecanismos incluindo a especulação, as desigualdades aumentam.

Por último, para dizer que nem tudo é lágrima, brota um sinal de esperança. Muitas pessoas, sobretudo jovens, estão atentas e preocupadas com os rumos da nossa economia e atenderam ao chamado que o Papa Francisco fez no ano passado para o encontro Economia de Francisco. O evento foi adiado para novembro por conta da pandemia de COVID-19, seria no mês de março de 2020 na Itália, mas o esforço coletivo está fazendo milhares de pessoas discutirem no Brasil e no mundo uma economia diferente que “faz viver e não matar” através de “um pacto para mudar a economia atual e dar uma alma à economia de amanhã”. Uma nova economia já fazia sentido no ano passado, hoje é urgente.

Douglas Almeida é de São João de Meriti, católico e foi membro da Pastoral da Juventude. Faz parte da delegação brasileira que participará da Economia de Francisco. É coordenador de mobilização da Casa Fluminense. Possui graduação em economia, mestrado em desenvolvimento territorial e políticas públicas e faz doutorado em sociologia.

Foto de capa: Politize

 

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