Irmã Eurides Alves de Oliveira, ICMServiço Teológico PastoralSínodo para a Sinodalidade 2024

Pedagogia para a sinodalidade: processos de comunhão, participação e missão

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

“A sinodalidade é um processo dialógico de escuta paciente e mútua entre e através de todos os níveis da Igreja, orientado para permitir que a Igreja “escute a Deus,  para que com Ele, ouçamos o clamor de seu povo”

Judith Gruber, 2022

A sinodalidade consiste na participação de todos e todas, numa igreja circular, aberta, inclusiva e toda ministerial. Ela é a principal via para uma igreja que se propõe caminhar nos passos de Jesus de Nazaré, do jeito das primeiras comunidades cristãs: uma comunidade que reza, celebra, reflete e discerne conjuntamente os desafios da realidade, e os assume como irmãos e irmãs a serviço do Reino de Deus, colocando em comum seus dons e bens, testemunhando coletivamente o rosto de uma igreja: comunhão, participação e missão.

A práxis sinodal de caminhar juntas e juntos, é expressão genuína da Igreja Povo de Deus, oriunda da eclesiologia do Concílio Vaticano II. Uma Igreja do caminho, da construção coletiva, do discipulado comunitário; uma Igreja em saída para as periferias e fronteiras de missão. Contudo, esta práxis, requer processos contínuos e articulados, discernidos e assumidos por toda igreja em seus diversos âmbitos e ministérios.

A sinodalidade representa a via mestra para a Igreja, chamada a renovar-se sob a ação do Espírito e graças à escuta da Palavra. A capacidade de imaginar um futuro diferente para a Igreja e para as suas instituições, à altura da missão recebida, depende, em grande medida, da escolha de encetar processos de escuta, diálogo e discernimento comunitário, em que todos e cada um possam participar e contribuir. Ao mesmo tempo, a escolha de “caminhar juntos” constitui um sinal profético para uma família humana que tem necessidade de um projeto comum, apto a perseguir o bem de todos. Uma Igreja capaz de comunhão e de fraternidade, de participação e de subsidiariedade, em fidelidade ao que anuncia, poderá colocar-se ao lado dos pobres e dos últimos, emprestando-lhes a própria voz. Para “caminhar juntos”, é necessário que nos deixemos educar pelo Espírito para uma mentalidade verdadeiramente sinodal” (SÍNODO DOS BISPOS, 2021 n. 9).

A sinodalidade como modo autentico de ser Igreja, ou, modus operandi da Igreja ser e atuar, requer uma pedagogia formativa e mistagógica capaz de gerar novos métodos e processos que resultem em mudanças de mentalidades, práticas e estruturas, em vista de uma verdadeira conversão pastoral. Uma pedagogia voltada para a formação integral que envolva a todos e todas: com uma espiritualidade de comunhão e participação, em vista de uma diakonia profética, ministerial e circular, capaz de construir relações soroternas, solidárias, inclusivas e ecumênicas. Uma Igreja-comunidade, onde caibam todos e todas com vez e voz, no ouvir, opinar, refletir, discernir e decidir.

O método ver, julgar e Agir, já consagrado na Igreja da América Latina, desde a recepção criativa do Concilio Vaticano II, é sem dúvida um caminho metodológico inegociável nesta trajetória sinodal da Igreja, devido à sua comprovada força geradora de consciência crítica e práxis transformadora. No entanto, no atual contexto sociocultural e eclesial, onde a emergência de múltiplas subjetividades, linguagens e expressões ocupam espaço na vivência da fé, nas relações e visões de mundo, faz-se necessária uma pedagogia que conjugue criatividade, mistagogia e caridade política.

Nesta perspectiva, uma pedagogia sinodal requer a integração da objetividade do método ver julgar e agir, com imaginação criativa e profética capaz de escutar, envolver, comover, atrair e gerar compromissos transformadores. Uma pedagogia de processos, construídos coletivamente com lucidez crítica e sapiencial, que proporcione maturação na fé e na vivência do Evangelho; processos participativos de escuta, dialogo e discernimento comunitário que provoquem conversão e mudanças profundas e eficazes nos âmbitos pessoal, comunitário e estrutural na igreja e na sociedade.

Porém, para que estes processos sejam efetivados, urge reconhecer e revitalizar as comunidades Eclesiais de Base como sementeiras sinodais. Nelas, algumas palavras/sementes comoescuta, diálogo, participação, construção coletiva, discernimento, inclusão, circularidade, poder serviço, ministérios, são princípios e caminhos metodológicos que possuem força de vida, e nos fazem crer e esperançar na utopia possível de uma Igreja toda sinodal. São práticas que as tornam células evangelizadoras com características e ministérios próprios na construção de uma Igreja efetivamente sinodal.

Olhando na perspectiva freireana, as palavras são geradoras de novos ethos e processos que conduzem a mudanças e são capazes de revolucionar, romper com as estruturas mentais que dominam e excluem. Na caminhada eclesial, essas estruturas dominantes são o clericalismo, o eclesiocentrismo, o poder hierárquico e piramidal, o paroquialismo e o patriarcalismo. São estruturas mentais e organizacionais que mantém a igreja fechada em si mesma e emperram o processo sinodal.

Segundo Rubem Alves, “Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses”. Parafraseando-o, podemos dizer: ‘Não haverá sinodalidade se a vida e a estrutura eclesial, não passarem por longas e profundas metamorfoses mentais, espirituais e estruturais’. A metamorfose destas estruturas clericais, patriarcais e hierárquicas, se impõe como um dos grandes desafios para a efetividade da sinodalidade proposta pelo Papa Francisco.

Metamorfosear significa mudar radicalmente, desde a essência, desde a raiz. Na perspectiva metodológica, este é um processo laborioso que requer um caminho pedagógico capaz de motivar e envolver todos os sujeitos eclesiais num processo contínuo de conversão pastoral que resulte na renovação das mentalidades, linguagens, estruturas e relações de poder.

Neste horizonte é necessário assumir de forma efetiva a pedagogia da escuta ao povo, em especial os mais pobres; da proximidade e do diálogo, da leitura crítica dos sinais dos tempos com docilidade ao Espírito que faz novas todas as coisas. E ainda, criar espaços de participação onde todos e todas tenham vez, voz e voto, em todas as fases dos processos de reflexão-discernimento-decisão; espaços de circularidade e inclusão abertos ao protagonismo de todos os sujeitos eclesiais, salvaguardando a radical igualdade e dignidade de todos os ministérios (LG 32), numa horizontalidade relacional recíproca. Espaços que forjem estruturas de comunhão participação e missão.

Todos esses processos precisam ser planejados e operacionalizados numa construção coletiva, com toda a comunidade eclesial, e pressupõe a reativação ou criação de estruturas sinodais: assembleias, conselhos pastorais, ministérios que se articulem em todos os âmbitos eclesiais e eclesiásticos: comunitário, paroquial, diocesano, regional, continental e universal.

Nesse particular, vai exigir que a gente repense as estruturas da Igreja (…) desde as comunidades eclesiais de base, repensar a estrutura da paróquia, da diocese, de uma conferência episcopal nacional ou continental, no sentido de que sejam estruturas flexíveis de comunhão e participação, que possibilite a efetiva presença da Igreja como um todo nos processos de discernimento e também de tomada de decisão” (Agenor Brighent/2021).

Há com certeza, um longo caminho a percorrer nesta direção. É mister, dar passos numa pedagogia processual e decididamente planejada à luz da eclesiologia do Concilio Vaticano II e do Evangelho de Jesus de Nazaré, reafirmada na Conferência de Aparecida: “uma firme decisão missionária capaz de impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos pastorais de dioceses, paróquias, comunidades religiosas, movimentos e qualquer instituição da Igreja. Nenhuma comunidade deve isentar-se de entrar decididamente, com todas as forças, nos processos constantes de renovação missionária e de abandonar as ultrapassadas estruturas que já não favoreçam a transmissão da fé” (DAp 365).

Como conclusão, vale lembrar que neste caminho permeado de luzes e sombras, avanços e recuos, a referência máxima para a pedagogia da sinodalidade é Jesus de Nazaré, o pedagogo sinodal por excelência. A Inserção do Mestre de Nazaré na vida cotidiana do povo, sua escuta, diálogo e proximidade das pessoas em especial dos mais pobres, suas rupturas com a religião do poder instituído; sua práxis libertadora em prol de uma igreja do caminho, das casas e das comunidades; a inclusão das mulheres e demais minorias no discipulado missionário; o Projeto do lava pés como expressão do poder serviço, seu coração aberto, compassivo e inclusivo e sua forma de fazer com, sempre envolvendo e despertando a participação de todos e todas,  é sem dúvida a pedagogia mestra para a vivência da sinodalidade como peculiar forma da encarnação e fidelidade profética e criativa da Igreja ao seguimento de Jesus. Desta forma, não resta dúvida, caminhar com Jesus de Nazaré, implica assumir a sinodalidade como caminho, princípio e método.

Referências Bibliográficas

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