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Mineração no Serro? Flexibilização do Licenciamento Ambiental? NÃO!

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Por Gilvander Moreira

O dia 21 de maio de 2019 foi um dia histórico para o povo do município do Serro, na região do Alto Jequitinhonha, MG, pois durante 5,15 horas aconteceu Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), na cidade do Serro, no grande auditório da Escola Municipal Irmã Carvalho. O objetivo dessa segunda audiência pública – houve outra antes, em Belo Horizonte, na ALMG – foi discutir as violações de direitos humanos cometidas pela empresa Herculano Mineração nos Municípios de Serro e Santo Antônio do Itambé durante a fase municipal de processo de licenciamento ambiental para a implantação de projeto minerário na região. A audiência contou com a presença das Deputadas Estaduais Beatriz Cerqueira (PT) e Andréia de Jesus (PSOL), que revelaram postura firme na defesa dos direitos étnicos e territoriais das comunidades quilombolas, garantiram o direito de fala de todas/os que quiseram se expressar e questionaram com veemência o projeto minerário que a Herculano Mineração está insistindo em instalar na região. “Onde chega a mineração instaura crise hídrica, pois acaba com as águas; os melhores salários não ficam com os trabalhadores locais, destrói a agricultura familiar, a qualidade de vida, cresce a violência social, aumenta a demanda para os serviços públicos e a insegurança pública”, alertou Beatriz Cerqueira. “A gente precisa desconfiar de um empreendimento econômico que chega ao município fazendo pressão. O prefeito deve estar ao lado do povo e não ao lado do capital. Fui empregada doméstica muitos anos. Sei o que é comer resto de patrão. Sei o que é dormir na fila da escola para conquistar vaga para estudar. Deputados financiados por mineradoras não vêm discutir com o povo modelos econômicos alternativos e sustentáveis ecologicamente para o município que não seja mineração”, alertou Andréia de Jesus.

O prefeito do Serro, Guilherme Simões Neves (PP), chegou atrasado à Audiência e saiu no meio da audiência. Após ouvir várias pessoas questionarem a chegada da mineradora Herculano no município, a fala do prefeito foi deprimente, pior que Pilatos, pois em palavreado vago acabou afirmando que manterá a decisão do CODEMA[1] pró mineração da Herculano do Serro, mesmo sabendo que a decisão do CODEMA está eivada de irregularidades, ilegalidades, imoralidades e inconstitucionalidades, todas muito bem apontadas pelo prof. Dr. Mateus Mendonça, advogado da Federação Quilombola de Minas Gerais – N’GOLO. Pela fala do prefeito e de alguns vereadores ficou visível a subserviência da Prefeitura Municipal do Serro e da Câmara de Vereadores aos interesses econômicos da mineradora Herculano. Eleitos pelo povo, devem representar o povo ou o capital?

Durante a audiência pública, ficaram demonstradas e comprovadas as inúmeras violações aos direitos das comunidades quilombolas, que, segundo a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da ONU, ratificada pelo Brasil em 2004, têm direito de ser ouvidas antes do início de projeto econômico que possa impactar seu modo de vida tradicional, por meio do instituto da Consulta Prévia. A Comunidade Quilombola de Queimadas e outras comunidades quilombolas do município não foram ouvidas antes do CODEMA decidir tentar empurrar goela abaixo o projeto minerário da Herculano Mineração, autorizando a Declaração de Conformidade, necessária para a abertura do processo de licenciamento ambiental do empreendimento junto aos órgãos ambientais. Em alto e bom som, dezenas de pessoas que falaram ao microfone deixaram claro que se a mineradora Herculano se instalar no município será o início de uma grande Sexta-Feira da Paixão para o povo, para a mãe terra, a irmã água, para a flora e fauna da região. Mineração é projeto de morte, idolátrico, satânico e diabólico. Projeto de vida passa pelo fortalecimento da agricultura familiar, preservação ambiental, turismo ecológico e cultural, respeito à história, às territorialidades e à cultura das comunidades locais. A primeira consequência lastimável da chegada de mineradora em um município é instaurar divisão entre o povo. Como Caim, na Bíblia, muitos seduzidos pelas vãs promessas da mineradora acabam optando por um projeto de morte para os irmãos. Uns arrependerão tarde demais!

 O prof. Mateus Mendonça, da PUC/Minas, recordou: “Quero lembrar a todos que o Serro se formou a partir da mineração de ouro e diamante e, apesar de a riqueza mineral ter sido extraída pelos ancestrais dos atuais moradores das comunidades quilombolas, a elite serrana se recusou a assegurar o respeito, a dignidade e a preservação do modo de ser das comunidades quilombolas do Serro”. Ao avaliar a audiência, Mateus Mendonça pontuou: “A audiência pública do dia 21/05/2019 representou o grito dos subalternizados, que não aceitam mais os mecanismos de exclusão, opressão e exploração a que foram submetidos ao longo de toda a história do processo da construção do mundo moderno; não aceitam mais que suas vidas sejam consideradas desprezíveis e desimportantes; não aceitam mais que o projeto de desenvolvimento econômico e social da cidade do Serro desconsidere e extermine a forma de vida quilombola”.

Ao analisar o projeto de mineração no Serro da Herculano Mineração, o doutorando Frederico Gonçalves, do Instituto de Geociências da UFMG, concluiu demonstrando tecnicamente que minerar no Serro causará, sim, devastação das nascentes e desertificação da região. Mineração e água são carne e unha; não há como minerar sem devastar as águas. É mentira dizer que mineração trará impostos para o município. Trará apenas migalhas de impostos, pois a Lei Kandir isenta as mineradoras do pagamento de impostos, porque minérios, como todas as commodities para exportação, são isentos de impostos. É mentira também dizer que a mineradora Herculano gerará empregos, pois serão poucos os precários empregos a ser gerados. Muito maior será o número de famílias que migrarão para o Serro para disputar uma vaga de emprego, que normalmente é terceirizado e precário. No vizinho município de Conceição do Mato Dentro, a Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho libertaram quase duzentos trabalhadores submetidos à situação análoga à escravidão.

O MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração) está de parabéns pela atuação acompanhando as comunidades atingidas pelos megaprojetos de mineração. Nas/os militantes do MAM, eu vejo presente no nosso meio Jesus Cristo, Che Guevara, Martin Luther King, Gandhi, Marielle Franco, Irmã Dorothy Stang e todas/os as/os que fazem opção de classe e dedicam suas vidas, por amor ao próximo, lutando pela superação do capitalismo, essa máquina de moer vidas, e mais: construindo uma sociedade do Bem Viver e Conviver. Lindo ver o amor, o cuidado e a dedicação das/os militantes das causas socioambientais, enfim, dos direitos humanos fundamentais.

O projeto de mineração da mineradora Herculano é “dragão do Apocalipse” no meio do povo serrano e, se for instalado no Serro, em breve fustigará também Santo Antônio do Itambé e os lindíssimos lugarejos Capivari, Milho Verde, São Gonçalo do Rio das Pedras, além do Parque Estadual Pico do Itambé. Toda a audiência foi momento de muita comoção e indignação. No dia seguinte, 22 de maio de 2019, acompanhamos as Deputadas Andreia de Jesus e Beatriz Cerqueira, na visita à Comunidade Quilombola de Queimadas, quando percorremos juntamente com lideranças quilombolas lugares que fazem parte de seu território ancestral no entorno da Serra do Condado (onde se encontra a área indicada para instalação deste absurdo e covarde projeto minerário) e no vale do rio do Peixe. Lindo ver a fraternidade quilombola, a lida com a terra, a produção de alimentos saudáveis e a convivência valorizando as águas e as raízes culturais. Isso não pode ser sacrificado no altar do ídolo capital.

Logo após o crime tragédia da VALE/SAMARCO/BHP, a partir de Bento Rodrigues, em Mariana, dia 05 de novembro de 2015, Fernando Pimentel, então governador de Minas Gerais, tramitou, em regime de urgência, o PL 2.946/2015 na ALMG, que, sob pressão do lobby das mineradoras, o aprovou como Lei 21.972/2016. Esta lei FLEXIBILIZOU ainda mais o processo de licenciamento ambiental em Minas Gerais, já corroído nas gestões anteriores, do PSDB/PP. Após a Lei 21.972/2016, mais de 200 grandes projetos de mineração e/ou ampliação de grandes projetos minerários foram aprovados, contando com as facilidades ampliadas pela nova lei, atingindo  severamente a vida de  Minas Gerais e em Minas Gerais. Diante da exaustão e do colapso que os megaprojetos minerários estão causando nas condições de vida do povo mineiro e de todos os ecossistemas, é necessária a revogação COM URGÊNCIA da Lei 21.972/2016 e dos decretos que a regulamentaram. Reivindicamos que a Comissão de Direitos Humanos da ALMG e os/as deputados/as da ALMG se comprometam com a luta pela revogação da Lei 21.972/2016 com a urgência que o assunto requer. Novos desastres crimes sob a égide desta lei e de outros percalços legais anteriores, a exemplo da composição pró-mineradoras dos conselhos de Meio Ambiente do Estado, levarão ao banco dos réus e à execração da história os atuais governantes e as legislaturas estaduais que perpetuam a máquina criminosa e não-isenta do licenciamento em Minas Gerais.

Tive ainda a alegria de registrar em vídeo a poesia “Perdão, minha querida Serro!”, de Maria Aparecida Cardoso Simões, que brotou de dentro dela na noite escura que se seguiu à reunião do CODEMA, dia 17/4/2019, que deliberou pró instalação da mineradora Herculano no município do Serro. Eis, abaixo, a poesia, que em breve, publicaremos também em vídeo.

PERDÃO, MINHA QUERIDA SERRO!

Perdão, minha querida serro.

CODEMA fez o seu papel (qual é mesmo seu papel?)

Ao final de cada dia como sempre faço assim registrei em meu diário: 17/04/2019.

O dia amanheceu triste chuvoso lamurioso.

Eu, com um aperto no peito, ouvi bem próximo o canto da acauã, ave agourenta, com um presságio.

Meu pai, o que será?

Ao final do dia, lá na praça central, em frente à Prefeitura e à Câmara

ao ver o rosto de N. Sra. das Dores, com uma lágrima a rolar, ao ver seu filho sob a cruz, entendi.

Hoje, você chora, minha querida Serro.

Te apunhalaram pelas costas.

Eu sei, justo numa quarta-feira das dores.

Assim como Jesus pressentiu a traição e chorou.

Terra querida … rasgarão suas entranhas, te farão sangrar.

Justo você, minha querida Serro, tão doce e hospitaleira.

A quantos você acolheu.

Quantos aqui fincaram raízes, cresceram, floresceram e produziram frutos!

Houve comemoração, risos fartos, mas só quem é apaixonado por ti, mãe, chorou.

Obrigada, minha querida Serro, por me ensinar a amá-la, por ensinar minha família a amá-la tanto.

A biologia nos ensina sobre os biomas, os ecossistemas, a fauna, a flora e as águas.

Ah! As águas. …

Mas é preciso ter sensibilidade, para perceber que há magia em tudo isso.

E ser muito grato a você, meu pai, por estes regatos a cantarolar, essas cachoeiras a lavar a alma, esse verde e esses lagos

que produzem a bruma fresca da madrugada.

Obrigada, minha querida Serro.

Eu me reverencio a você, mãe terra, e imploro seu perdão, pois não fomos fortes o bastante para lhe defender.

Obrigada, minha querida Serro, pois aqui nasci.

Corri descalça por essas ladeiras a brincar.

Um futuro triste se abre para mim.

Como numa sexta-feira da paixão, quando Jesus foi traído, crucificado e morto pela humanidade.

Dá-nos forças para continuar a lutar por ti.

Muitos que não te amam, após colherem os frutos, arrancarem suas riquezas, alçarão voo.

mas haverá o tempo em que diante de ti, meu pai celestial, prestarão contas.

Ai de ti!

Hoje aprendi: acauã não é ave agourenta.

Seu canto triste é o choro de um triste presságio.

Cida, bateram com a cabeça na parede os podres poderes da política, da economia e da religião que fizeram a sexta-feira da Paixão, pois Jesus de Nazaré ressuscitou ao terceiro dia. Assim também o povo serrano está acordando e se levantará cada vez mais contra esse projeto idolátrico que a Herculano Mineração insiste em empurrar goela abaixo do povo serrano. A empresa Herculano Mineração, com suas mentiras, não terá a última palavra. As forças vivas impedirão que apunhalem de morte a região serrana, seu povo, a mãe terra, a irmã água e toda a biodiversidade. Sigamos a luta de cabeça erguida!

Belo Horizonte, MG, 28/5/2019.

Por Gilvander Moreira[1]


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.gilvander.org.brwww.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

Obs. 1: Reportagem da TV Assembleia de MG sobre a Audiência Pública no Serro, MG, dia 21/5/2019.


[1] Conselho Municipal do Desenvolvimento do Meio Ambiente.

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